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10 anos sem Miguel Pereira

 

 

Tagore Leite Alves Pereira é arquiteto e urbanista           

 

Faz 10 anos que Miguel Alves Pereira completou sua passagem aqui na Terra. Tinha então 82 anos.

 

Nascido no interior do Alegrete, nos confins dos pampas gaúchos, quase fronteira com a Argentina, começou cedo na vida a olhar as estrelas e logo depois a estudar com afinco. Partiu para Porto Alegre (RS) para estudar arquitetura na recém-criada Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (FAU/UFRGS) no início dos anos 50.

 

Já tinha uma base intelectual humanista e uma visão de mundo de esquerda, inspirado pela figura do mestre Oscar Niemeyer e do Cavaleiro da Esperança, Luís Carlos Prestes. Na faculdade formava parte do grupo de estudos capitaneado pelos professores Demétrio Ribeiro e Enilda Ribeiro. Faziam parte desse grupo Ari Canarim, Edgar Graeff, Carlos Fayet, Emil Bered, Irineu Breitman e outros.

 

Nesse período manteve constante contato com a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU/USP), frequentando as aulas de Artigas assiduamente e os escritórios de Julio Katinsky, Abraão Sanovicz e Paulo Mendes da Rocha.

 

Também tinha contato constante com o grupo do Rio, principalmente com Jorge Machado Moreira e Oscar Niemeyer. Antes de terminar a escola rompeu com o Partido Comunista, mas nunca deixou de ser um “gauche” na vida.

 

Sua formação equilibrava-se entre o estudo da obra de Mies Van der Rohe (uma premonição do espírito positivista gaúcho, segundo o próprio) e da obra de Oscar e de Artigas. Em 1961 participou da campanha da legalidade, liderada pelo governador do estado, Leonel Brizola, para que Jango Goulart voltasse ao Brasil e assumisse a Presidência da República, após a renúncia de Jânio Quadros.

 

Em 1962 casou-se com Beatriz Garcia Leite, casamento este que durou até 1969. Tiveram um filho, Tagore, este que vos escreve.

 

Em seu exercício profissional destaca-se primeiramente sua trajetória na prancheta e no canteiro de obras, e nos caminhos da sua explicação.  Foi sócio de João Carlos Paiva e de Ivan Mizoguchi.  Projetaram e executaram várias residências e ganharam ou foram bem classificados em vários concursos importantes de arquitetura no Brasil. Destacam-se dessa parceria o primeiro lugar no concurso do Instituto Concórdia, RS; o primeiro lugar no concurso do Museu Monumento Pedro de Toledo, SP-SP; o terceiro lugar na biblioteca da Bahia e o terceiro lugar para a sede da Petrobrás no Rio de Janeiro.

 

Dessa época foi a residência Hélio Dourado, medalha de ouro do Instituto de Arquitetos do Brasil – Departamento do Rio Grande do Sul (IAB RS) no início dos anos 60. Também dessa época foi sua associação com Fayet, Cláudio Araújo e Moacyr Moojen Marques para o projeto da refinaria de petróleo Alberto Pasqualini da Petrobras. Obra de 140.000 m2., segundo ele, uma experiência profissional definitiva. Obra marcante no panorama arquitetônico gaúcho.

 

Começou sua participação constante na política profissional como presidente do IAB RS e foi membro da diretoria por vários mandatos. Também começou sua carreira como docente a convite de Demétrio Ribeiro como professor da UFRGS.

 

Em 1968 foi chamado para participar de um grupo de proeminentes arquitetos na reabertura da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (FAU/UnB), junto com Paulo Mendes da Rocha, Pedro Paulo de Melo Saraiva, Abraão Sanovicz e outros jovens e destacados professores de várias regiões do Brasil. Esse processo se deu a partir da demanda dos estudantes, em plena ditadura militar e mereceria um capítulo à parte, tanto pelas dificuldades do período quanto pela participação dos estudantes no processo.

Como fruto desse trabalho ele foi designado diretor da Faculdade de Artes e Arquitetura da UnB, no período 1968/1976. Ele convocou uma equipe de jovens arquitetos gaúchos  para implementar o plano de ensino previamente elaborado. Nessa equipe estavam Ricardo Farret, José Carlos Coutinho, Paulo Zimbres, Paulo Bicca, Érico Weidle, Glênio Bianchetti e outros. Em 1970,  projetou a Biblioteca Central da UnB, edifício de 15.000 m², que abriga 650.000 livros, e que junto com a Reitoria, de Zimbres formam um contraponto å magnitude, mais imponente ainda, do Minhocão, o prédio da UnB de Oscar Niemeyer.

 

No seu período em Brasília exerceu dois mandatos como presidente  do IAB DN   (Diretório Nacional, Brasil),  onde foi um dos responsáveis pela fundação da ABEA,  Associação Brasileira de Escolas de Arquitetura.  Antes do final dos anos 70 foi para os Estados Unidos fazer seu doutorado, o qual só concluiu em Londres, mais de 10 anos depois.

 

Saiu do Brasil com sua companheira, a arquiteta Cibele Rumel, um pouco antes de ser preso pelo governo militar de então. Conseguiu sair antecipando sua passagem de avião, informado por fonte segura. Foi expurgado da UnB e passou um período difícil no exterior com suas bolsas cortadas  e sendo de novo estudante, aos 40 e tantos anos. Nesse período, o apoio de seu sogro Aarão  Rumel,  na época diretor da Faculdade de Odontologia da USP, foi de suma importância.

 

Voltando ao Brasil no início dos anos 80, se estabeleceu em São Paulo e tornou-se sócio do escritório de Joaquim Guedes. Em 1981 entrou como professor associado na FAU-USP, onde lecionou até a sua morte.

 

Em 1990 iniciou o escritório com Gilberto Belleza. A parceria durou mais de uma década.  No período 1989-1991 foi pela terceira vez presidente do IAB DN. Em 1996 projetou e executou a residência Helga Miethke, sua companheira na época. De 1987 até 1999 foi membro do Conselho Superior da União Internacional dos Arquitetos (UIA),  e de 1999 até 2002 foi seu vice-presidente para as Américas.

 

Escreveu um total de oito livros, sendo os principais deles “Arquitetura e os caminhos de sua explicação”, 1984 ; “Arquitetura, texto e contexto, o discurso de Oscar Niemeyer”, sua tese de doutorado em Sheffield, UK, 1988-1993 e “Arquitetando a esperança”, 2013, com a sua obra de prancheta e o seu legado pessoal e profissional comentado por ele mesmo.

 

Em 2001 projetou,  junto com Tagore Pereira, sua última obra de destaque, a Pousada Pedra Grande na Praia do Rosa, em Santa Catarina. Por essa obra recebeu o título de arquiteto do ano da Federação Nacional dos Arquitetos em 2007.

 

Dono de uma escrita invejável, era melhor ainda como orador. Foi um dos últimos caudilhos dos Pampas, como muito bem definiu o arquiteto e historiador Irã Dudeque. Com seus pares arquitetos formava o “exército de Brancaleone”, onde estava sempre no front. Militando em prol da regulamentação da profissão desde a sua faculdade, esteve nas primeiras fileiras na luta por uma entidade só dos arquitetos e foi o único dessa  primeira leva dos anos 50 que chegou a ver e atuar no Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil, o CAU/BR, que somente em 2011 foi tornado realidade.  Nesse ano foi eleito membro do Conselho Superior do CAU/BR por São Paulo.

 

A paixão pela arquitetura era tão grande que no seu velório achamos por bem colocar no caixão, como diz o samba popular, que ele gostava muito de cantar, uma faixa amarela gravada com o nome dela: ARQUITETURA.

 

A dimensão do papel de Miguel Pereira na história da arquitetura brasileira contemporânea pode começar a ser melhor equacionada a partir das palavras de um dos seus cabos eleitorais. Lula escreveu uma bela carta de apoio à candidatura  para o Conselho Superior do CAU/BR . Parafraseando os Paralamas do Sucesso, Luiz Inácio falou, Luiz Inácio avisou.  Portanto, é mister prestar atenção no seu legado multifacetado que engloba a prancheta, a política profissional e a formação dos Arquitetos. Além dos aspectos pessoais e intransferíveis de uma grande pessoa.

 

 

P.S. Faltou dizer muita coisa, mas as principais são que, na primeira metade da década de 70, sua companheira foi a arquiteta Ruth Py Daniel. De 1980 a 81 foi arquiteto sênior no escritório de Nestor Goulart Reis Filho. E, também, que a partir de 1992 foi membro do Conselho Administrativo da Fundação Bienal São Paulo e presidente deste Conselho por dois anos.

 

*Artigos divulgados neste espaço são de responsabilidade do autor e não correspondem necessariamente à opinião do CAU/BR.

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