Graciete Guerra da Costa é professora Dra. do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Roraima (UFRR) e conselheira federal do CAU/RR
Dia 17 de novembro de 2024, o presidente americano Joe Biden visitou Manaus, a capital do estado do Amazonas, anunciando um pacote de ajuda para conservação da Amazônia, como parte de seu programa nacional de combate às mudanças climáticas.
Foram pontuados acordos bilaterais marcando os 200 anos de relação mútua entre o Brasil e os Estados Unidos, com ONGs e empresas, no apoio do combate ao crime organizado, especialmente a ação ilegal em mineração e derrubada de árvores e o combate a incêndios florestais[1].
Segundo o professor Dr. Henrique dos Santos Pereira, diretor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), que acompanhou o presidente, juntamente com lideranças indígenas, as ações ajudam a combater e reverter o desmatamento e implantar soluções baseadas nas práticas científicas, que reduzam as emissões, aumentem a biodiversidade e construam resiliência a um clima de mudanças.
Em 2022, o Rio Amazonas teve sua maior seca histórica, onde a cota do rio Negro chegou a 13,49 metros, a menor desde 1902, quando começaram as medições. A informação é do Porto de Manaus, que realiza as medições no rio.
No início dos anos 1990, perante o Conselho da Comunidade Econômica Europeia e, depois, em reunião do G-7[2], o chanceler alemão Helmut Kohl comprometeu-se a levantar recursos para financiar o desenvolvimento sustentável na Amazônia[3]. O projeto então proposto pelo G-7, em reunião de dezembro de 1991, teoricamente destinava-se à preservação das florestas tropicais do Brasil – país-sede da Conferência Ambiental Rio-92. Medidas de impacto se faziam oportunas. A decisão de liberar 1,5 bilhão de dólares não se efetivou. Falou-se depois em 250 milhões de dólares. Desde então, o único recurso efetivamente liberado de que se tem notícia foi aquele pago pelo Banco Mundial aos consultores para que tomassem decisões sobre os diagnósticos e as necessidades amazônicas.
Seis meses antes da Conferência Rio-92, quando a região estava mais do que nunca em evidência, esteve em Manaus o Duque de Edimburgo, Príncipe Philip, que se surpreendeu com a exuberância da floresta e seu grau de preservação, assim como Joe Biden agora. Na oportunidade, o ilustre visitante questionou a autoridade dos países europeus em acusar os amazônidas de devastar suas florestas, se eles próprios foram incapazes de preservar as suas. Merece também ser ressaltada a ida a Manaus do próprio chanceler alemão Helmut Kohl, também antes da Rio-92. O que ele viu, segundo seu próprio depoimento, foi uma Amazônia praticamente intocada[4]. Suas impressões sobre a exuberância das florestas e dos rios foram registradas pela imprensa internacional que o acompanhava. Era outra sua imagem da Amazônia.
A Amazônia sempre fez parte do inconsciente coletivo da humanidade. A necessidade e o fascínio de seus mistérios e lendas, o temor diante do desconhecido e do indomável e, sobretudo a desinformação de uma consciência ecológica culpada, fazem da Amazônia a esfinge da modernidade.
Foi possível constatar essa realidade, em 1992, quando o Brasil, investido de grande expectativa, sediou a Conferência das Nações Unidas (Rio-92). Segundo os inúmeros relatórios dessa conferência, foram mais de cento e cinquenta Chefes de Estado debatendo o futuro da humanidade, e suas presenças, por si sós, revelariam a magnitude e a gravidade da temática[5].
Hoje a questão amazônica continua posta no centro das discussões, de modo a consolidar a capacidade dos amazônidas de conter o processo incontrolável de devastação. Em outras palavras, os cientistas do INPA, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), os povos da floresta, e a comunidade trabalham para combater o risco do futuro das espécies, entre elas, é claro, a humana. O interesse econômico na Amazônia é gigantesco.
É preciso deixar claro que existe a Amazônia intocada da floresta de terra firme[6], aquela sobre a qual pouco ou nada se sabe, a Amazônia dos rios, das várzeas[7], da estrada, da mineração, do extrativismo, das metrópoles, das tribos indígenas, da arquitetura… e do caboclo.
No Brasil, apenas 2% dos pesquisadores pensam e investigam a Amazônia, o maior banco genético do planeta. É possível localizar, em certas universidades dos Estados Unidos ou da Europa, mais informações em algumas áreas de conhecimento sobre a Amazônia do que aquelas disponíveis nos institutos locais de pesquisa.
Em 1987, a Revista AU – Arquitetura e Urbanismo[8], publicou uma edição especial dedicada à Amazônia – intitulada Planeta Amazônia. Nela, os arquitetos Severiano Porto, Ivanete Cintra Machado, Roger Abrahim, César Oiticica, Alfredo Marques, Carlos Rodrigues Silva, José Henriques Rodrigues e Ana Cláudia Aguiar, discutiram o presente e o futuro da cidade de Manaus. Por sua vez, Oswaldo Bratke abordou as questões relativas a projetos de sua autoria para o Amapá e Joaquim Guedes tratou dos projetos das cidades de Porto Velho, Carajás, Barcarena e Nova Marabá. Por fim, o historiador José Ribamar Bessa montou um panorama crítico sobre a evolução de Manaus.
Jussara da Silveira Derenji (1998), em Arquitetura Nortista-A presença italiana no início do século XX[9], sobre as construções devidas aos italianos e as mudanças ocorridas na arquitetura da Amazônia, no início do século XX, demonstra a variedade de experiências arquitetônicas trazidas à região a partir da segunda metade do século XIX, correspondente ao ciclo econômico da borracha (1870-1912). A publicação permite uma rica comparação da produção em Belém e Manaus. Essa comparação continua em 2024, com seu trabalho sobre os Teatros Amazonas em Manaus e Da Paz em Belém, como casas de opera ainda hoje em atuação. Em Santa Maria de Belém do Mar Doce: arquitetos e artistas decoradores italianos – Séculos XVIII a XX (2024), Jussara Derenji discorre sobre a presença dos italianos na Amazônia, publicado pela Embaixada da Itália no Brasil.
A partir dos exemplos acima mencionados, fica justificada a necessidade de estudos que pretendam conhecer o processo de evolução da Amazônia e que, entre outras coisas, busquem caracterizar seu Patrimônio Arquitetônico e Cultural.
Os eventos climáticos estão acontecendo com maior intensidade, diminuindo o espaço de tempo entre eles e afetando diretamente o nosso patrimônio edificado. Podem ser combatidos com tecnologia e inovação, mas principalmente com “floresta em pé”, e com planos de arborização e reflorestamento.
Por outro lado, para ampliar as possibilidades de proteção e, ao mesmo tempo, implementar uma política de recuperação e conservação do patrimônio arquitetônico da Amazônia, é necessário promover Assistência Técnica para Habitação de Interesse Social – ATHIS nos centros históricos, como o CAU/AM está fazendo, absorver o entendimento da história como fator importante nesse processo. A ATHIS se justifica como instrumento para auxiliar na tarefa de conservação do patrimônio arquitetônico e cultural das cidades brasileiras.
[1] Empresa Brasil de Notícias. https://www.ebc.com.br/
[2] G-7 – Na época, grupo dos sete países mais ricos do mundo: Estados Unidos, Canadá, Japão, Inglaterra, França, Itália e Alemanha.
[3] Segundo RAPOSO, Gilberto Mestrinho de Medeiros. Amazônia Terra Verde: Sonho da Humanidade. São Paulo: Editora Três, 1994.
[4] Segundo reportagem do jornal Folha de São Paulo em 16/03/1992.
[5] RAPOSO, Gilberto Mestrinho de Medeiros. Amazônia Terra Verde: Sonho da Humanidade. São Paulo: Editora Três, 1994.
[6] Floresta de terra firme – Floresta na porção alta do terreno, aonde não chegam as inundações.
[7]Várzeas – Planície fértil e cultivada em um vale.
[8]Planeta Amazônia. Revista AU, n.10, fev./mar. 1987.
[9]DERENJI, Jussara da Silveira. Arquitetura Nortista: A presença italiana no início do século XX. Manaus: SEC, 1998.
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