Acolhimento, generosidade, transparência, recepção, resguardo, desconfiança ou beligerância são mensagens formuladas pelo conjunto dos elementos presentes numa construção. O grande arquiteto americano Louis Isadore Kahn dizia que a arquitetura era a materialização física das instituições humanas.
A substituição, em julho deste ano, do contêiner que abrigava os policiais das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, por um bunker contém algumas mensagens: o provisório dá espaço a um definitivo que, em vez de sinalizar as pretensões pacificadoras do modelo de ocupação, faz o contrário. Nada mais beligerante que um bunker.
Trata-se de uma arquitetura que não acolhe, não é generosa, de uma edificação que explicita a desconfiança que a polícia enxerga naquela população.
O bunker do Complexo do Alemão não tem janelas, apenas pequenos buracos da largura dos tijolos. São, na verdade, seteiras defensivas, iguais às usadas nas antigas fortificações medievais, que cumpriam o papel de proteger os defensores da cidadela de invasores bárbaros e assaltantes diversos.
Percebe-se claramente, na opção do Governo do Estado do Rio, um abandono das pretensões iniciais do programa das UPPs, o que significa a perda da dimensão pacificadora e a emergência da beligerância, exatamente no momento em que a edificação deixa de ser provisória para firmar raízes no local.
Não faltam razões imediatistas, diante do cenário atual, para optar pelo bunker. Em 2014, cerca de cinquenta policiais foram baleados no Alemão, entre eles, o capitão da UPP, que tinha apenas 34 anos e foi morto num ataque de traficantes. O caso mais recente é o do soldado da UPP Fazendinha Caio Cesar Ignácio Cardoso de Melo, de 27 anos, baleado durante um patrulhamento de rotina no mesmo Complexo. Além de PM, Caio Cesar era dublador do personagem principal da série Harry Potter nos cinemas brasileiros.
O dilema é que, assim, na lógica do bunker, restabelece-se e aprofunda-se a desconfiança do aparelho repressor do Estado. A própria construção da mútua confiança entre polícia e sociedade se perde, por uma escolha construtiva sem futuro, que sinaliza não a pacificação, mas o incremento do conflito.
As favelas cariocas sempre foram polêmicas, gerando em torno de si debates acalorados, que variam entre a condenação e a celebração. O território dessas comunidades, no entanto, tem que ser visto como parte indissociável das cidades brasileiras. Ou mais que isso, parte fundamental. Favelas carregam uma solução potencial para o problema habitacional brasileiro. Abrigam, em seus núcleos, uma enorme variedade de oportunidades, que garantem a sustentação de sua população. Ali, há emprego, acesso a cultura, lazer, educação etc.
As políticas de pacificação e integração das comunidades não podem seguir lógicas segmentadas e fragmentadas. E precisam estar articuladas com a universalização de serviços como coleta de esgoto e lixo, fornecimento de água, arborização e iluminação, além de melhorias habitacionais, controle urbanístico e regularização fundiária.
O projeto das edificações das UPPs precisa estar articulado e coordenado com um objetivo maior e de mais longo prazo. Não existe uma bala de prata capaz de resolver o problema de forma definitiva de uma hora para outra. Resta-nos, sempre e em todas as áreas da cidade, o planejamento e o monitoramento continuado.
* Pedro da Luz Moreira é presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil – Departamento Rio de Janeiro (IAB-RJ)
Publicado em 08/10/2015