Entrevista

A arquitetura tem o poder de transformar vidas por meio da acessibilidade  

Arquiteto Eduardo Ronchetti de Castro, referência em acessibilidade no Brasil – Foto: divulgação

Eduardo Ronchetti de Castro, referência em acessibilidade no Brasil, defende que projetar cidades inclusivas vai além o cumprimeto de uma obrigação legal. Segundo ele, é uma forma de promover uma sociedade mais justa e igualitária. Para o arquiteto, normas técnicas como a ABNT NBR 9050 são ferramentas que viabilizam soluções funcionais e estéticas capazes de acolher a diversidade humana. A acessibilidade, afirma, é um compromisso ético e uma oportunidade de criar espaços mais democráticos.

Em entrevista ao Perspectiva CAU, o arquiteto aborda os desafios enfrentados por profissionais da área, destaca exemplos práticos e explora o papel da tecnologia na concepção de ambientes verdadeiramente inclusivos.

“Acessibilidade não é um detalhe técnico, é um direito fundamental e uma chance de criar cidades mais humanas para todos”,  diz.  

Confira, a seguir, trechos da entrevista.

 

Perspectiva CAU: Quais os principais desafios enfrentados pelos arquitetos na adaptação de projetos às novas regras de acessibilidade no Brasil?

Eduardo Ronchetti de Castro: Acredito que um dos maiores desafios é a correta interpretação das normas técnicas, especialmente a ABNT NBR 9050. Trata-se de um documento extenso, com especificações que podem parecer complexas à primeira vista. Outro obstáculo frequente é adaptar edificações existentes, onde as limitações de espaço impõem soluções criativas, porém desafiadoras. Além disso, há uma resistência por parte de alguns clientes em entender a acessibilidade como um investimento essencial e não apenas como uma exigência legal. Essa mudança de mentalidade é algo que trabalhamos para promover.

“É importante lembrar que a deflciência não está na pessoa, mas na barreira física que impede a relação das pessoas na sociedade, em igualdade de oportunidade. Acessibilidade não é apenas uma exigência legal, mas um compromisso ético com uma sociedade mais justa e igualitária. Cada projeto acessível é uma oportunidade de transformar vidas, criando ambientes que acolhem a todos, sem distinção.”

 

Perspectiva CAU: Como as mudanças nas normas técnicas têm impactado a prática profissional? Alguma delas tem gerado dúvidas frequentes entre os profissionais?

Eduardo Ronchetti de Castro: As atualizações nas normas têm um impacto positivo, trazendo maior clareza e promovendo soluções mais completas. No entanto, surgem dúvidas sobre detalhes específicos, como as dimensões mínimas de circulação para cadeiras de rodas, a correta instalação de barras de apoio em sanitários e o uso de pisos táteis. Muitos profissionais também enfrentam o desafio de conciliar essas exigências com as limitações reais dos projetos, seja em termos de orçamento, seja de espaço disponível.

“A arquitetura inclusiva não beneflcia apenas as pessoas com deflciência, mas melhora a qualidade de vida de toda a população. Pensar em acessibilidade é ir além das normas técnicas; é considerar a diversidade humana em cada detalhe de um projeto.”

 

Perspectiva CAU: Poderia citar exemplos práticos de soluções acessíveis que conseguem integrar funcionalidade, estética e custo-benefício?

Eduardo Ronchetti de Castro: Certamente. Um exemplo prático é a integração de rampas e escadas, que podem ser projetadas de forma harmoniosa, criando um elemento arquitetônico que enriquece o projeto. O uso de pisos táteis fabricados com materiais esteticamente agradáveis, como madeira texturizada ou porcelanato, combina segurança e beleza. Outro exemplo são os bancos de praças com espaço para cadeiras de rodas ao lado, garantindo acessibilidade sem comprometer o design urbano. E as portas automáticas, além de acessíveis, agregam um toque de modernidade e valor ao projeto.

“Quando você projeta para todos, está construindo um legado de equidade e respeito. Rampas, barras de apoio e pisos táteis são mais do que elementos construtivos; são símbolos de inclusão e dignidade.”

 

Perspectiva CAU: De que forma a tecnologia, como o uso de ferramentas BIM, pode facilitar o planejamento e a execução de projetos acessíveis?

Eduardo Ronchetti de Castro: O uso do BIM revolucionou a forma como planejamos projetos acessíveis. Ele permite simular o uso do espaço por pessoas com deficiência, identificando barreiras e ajustando o layout antes mesmo da construção. Além disso, ferramentas de realidade aumentada e virtual têm possibilitado que os clientes experimentem os projetos sob a perspectiva de um usuário com deficiência, o que gera maior empatia e entendimento. Plug-ins específicos para acessibilidade em softwares de desenho arquitetônico também têm sido uma grande ajuda no cumprimento das normas com precisão.

“O arquiteto tem o poder de construir pontes entre as pessoas e seus direitos fundamentais, e a acessibilidade é a base dessa ponte. Cidades acessíveis são cidades inteligentes, onde todas as pessoas têm oportunidade de viver com autonomia e segurança.”

 

Perspectiva CAU: Na sua opinião, o mercado brasileiro está preparado para atender à crescente demanda por projetos mais inclusivos? O que ainda falta melhorar?

Eduardo Ronchetti de Castro: O mercado tem avançado, mas ainda não está completamente preparado. Percebo um aumento na conscientização, principalmente em projetos públicos e no setor corporativo, mas ainda há muito a ser feito. Precisamos de mais incentivos fiscais e financeiros para estimular a acessibilidade em projetos privados e maior oferta de materiais acessíveis a preços competitivos. Outro ponto fundamental é a capacitação contínua dos profissionais, pois a acessibilidade deve ser uma competência essencial para todos que atuam na área de arquitetura e urbanismo. 

 

Perspectiva CAU: Que mensagem o senhor daria para arquitetos e urbanistas sobre a importância de pensar acessibilidade não como obrigação normativa, mas como um elemento essencial na construção de cidades mais inclusivas?

Eduardo Ronchetti de Castro: Costumo dizer que acessibilidade é mais do que atender a normas; é uma oportunidade de transformar vidas. Quando projetamos espaços acessíveis, criamos ambientes mais democráticos e inclusivos, que acolhem a todos sem distinção. Não devemos enxergá-la como um obstáculo ou um custo adicional, mas como um compromisso ético e social. A arquitetura tem o poder de construir pontes entre as pessoas e suas necessidades, e é nosso dever como profissionais contribuir para cidades mais justas, funcionais e humanas.

 

Perspectiva CAU: Gostaria de acrescentar algo?

Eduardo Ronchetti de Castro: Sim, reforço que a acessibilidade não beneficia apenas pessoas com deficiência, mas melhora a qualidade de vida de todos. Idosos, gestantes, pais com carrinhos de bebês — todos se beneficiam de espaços projetados com inclusão em mente. É uma forma de promover equidade e dignidade por meio da arquitetura.

“Acessibilidade é uma missão de vida: projetar para incluir e construir para transformar. A arquitetura acessível é mais do que técnica, é sensibilidade e empatia traduzidas em formas e espaços.”

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