A recente aprovação do texto que altera a Lei nº 14.376 de 2013 – a Lei Kiss, que fixa normas sobre Segurança, Prevenção e Proteção Contra Incêndios nas edificações do Rio Grande do Sul – está sendo objeto de debate entre profissionais, arquitetos e urbanistas e engenheiros, sociedade civil, Corpo de Bombeiros e empresários gaúchos.
A Lei Kiss nasceu como uma resposta ao trágico incêndio na Boate Kiss em 2013 em Santa Maria, onde 242 pessoas, a maioria jovens, morreram. A principal motivação para a mudança é a dificuldade da emissão de alvarás, o que estaria criando um entrave para empreendedores gaúchos. Em três anos, inúmeros empreendimentos fecharam por falta de adequação à nova legislação.
Por 39 votos a um, a Lei Complementar nº 76 de 2016 foi aprovada na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul. Para alguns empresários, não é correto falar em “flexibilização”, mas em mudanças que diminuem a burocracia e permitem o cumprimento da lei sem prejudicar a segurança. Para representantes da Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM), está se criando cenário para novas tragédias.
Já para os arquitetos e urbanistas, outros pontos importantes também merecem destaque: simplificação do processo de análise e aprovação de Plano de Prevenção Contra Incêndios (PCCI) e Plano Simplificado de Proteção Contra Incêndio (PSPCI), alteração dos prazos de validade do Alvará de Prevenção e Proteção Contra Incêndio (APPCI) e, principalmente, não obrigatoriedade de apresentação de Registro de Responsabilidade Técnica (RRT) ou Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) na renovação do alvará de planos simplificados de risco médio. Nesses casos, o autor do pedido de renovação será o responsável civil e criminal pelas informações prestadas aos Bombeiros.
Para a arquiteta e urbanista com especialização em Engenharia de Segurança do Trabalho Lisiane Salaverry, uma das convidadas da 21ª edição do programa Uma Tarde no CAU/RS, “a Lei Complementar nº 76 de 2016 permite que edificações como clínicas, escolas, asilos, presídios, indústrias de pneus e até depósitos de papel e madeira sejam aprovadas sem necessariamente o acompanhamento de responsável técnico capacitado”. Destaca-se que profissional habilitado para elaborar um PPCI são tanto arquitetos e urbanistas quanto engenheiros.
A norma também exclui necessidade de PPCI para empreendimentos rurais, exceto silos e armazéns, que serão regulamentados pelo Conselho Estadual de Segurança, Proteção e Prevenção Contra Incêndio (COESPPCI). Outras mudanças na lei incluem:
- Criação do Certificado de Licenciamento do Corpo de Bombeiros (CLCB) online para empreendimentos de baixo e médio risco de até 200m²;
- Plano simplificado para edificações acima de 200m² até 750m² de risco baixo e médio, de acordo com os critérios estabelecidos, que poderá ser emitido pela internet e renovado por dois a cinco anos, dependendo do caso;
- Inclusão das entidades Fetag, Farsul, Secretaria do Desenvolvimento Rural e Secretaria da Agricultura no COESPPCI. O número de conselheiros passa de 21 para 25. Clique aqui e confira as demais entidades que integram o referido Conselho.
Também contribuíram com a última edição do Uma Tarde no CAU/RS a conselheira Rosana Oppitz, o engenheiro civil e de segurança do trabalho João Daniel Xavier Nunes e o Major Estevam do Corpo de Bombeiros do Rio Grande do Sul.
O Major reforçou o enunciado da lei de que alega não haver necessidade de apresentação de RRT ou ART na renovação no processo simplificado de risco médio, mas que isso não significa que o Estado não poderá cobrar pelo Registro ou Anotação. “A simplificação é processual, não técnica”, concluiu. Caberia a cada um dos Conselhos de Fiscalização Profissional – CAU e CREA – incentivar a contratação de seus profissionais.
Lisiane alegou que a legislação sobre Planos de Prevenção e Proteção Contra Incêndios é uma “colcha de retalhos” que prejudica o trabalho do profissional*, o que demanda um aumento muito grande de sua responsabilidade, segundo João Daniel. Outro assunto abordado foi a demora no encaminhamento, análise e vistoria do PPCI, muito em função das mudanças que ocorrem com frequência nas normas de Segurança Contra Incêndio.
De modo geral, profissionais e sociedade acreditam que os gaúchos continuarão expostos a situações de risco que poderiam ser evitadas através de normas e legislações. As regras atuais, com todos os seus adendos, abrem possibilidades de interpretação que podem, no limite, reduzir as medidas de prevenção. As constantes mudanças impedem um entendimento pleno e estável daquilo que se deseja, tanto por profissionais quanto por responsáveis pelas edificações. “A sensação é que, passados quase três anos da tragédia da Kiss, não há padrão nas revisadas regras para Segurança Contra Incêndio e que continuamos sem conseguir obter algo que atenda minimamente os desejos e exigências de todas as partes interessadas”, finaliza Lisiane.
A conselheira Rosana Oppitz colocou que a pauta também será debatida na Comissão de Exercício Profissional do CAU/RS para verificar o que o Conselho – enquanto órgão de fiscalização profissional – pode articular junto às demais instituições públicas após essas novas alterações na Lei Kiss. Confira o áudio completo da 21ª edição do Uma Tarde no CAU/RS abaixo.
*Confira a lista de normas sobre Segurança Contra Incêndio na aba relacionada no site do Corpo de Bombeiros.
FONTE: CAU/RS