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Arquitetas detalham desafios e impactos do projeto ATIP na recuperação de moradias no RS

Em parceria com o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR) e o CAU/RS, o projeto-piloto Assistência Técnica de Interesse Público (ATIP) foi implementado nas cidades gaúchas de Canoas e São Leopoldo, severamente afetadas neste ano pelas enchentes.

Com investimento de R$ 1 milhão, a iniciativa possibilitou a contratação de mais de 100 arquitetos e urbanistas de 10 estados para a elaboração de 2 mil laudos técnicos, essenciais para que as famílias afetadas possam solicitar participação em programas como o Minha Casa, Minha Vida Reconstrução. Para quem foi impactado pelas enchentes, esse documento representa o primeiro passo no processo de reconstrução.

O projeto-piloto conta com o apoio das prefeituras locais para que as comunidades afetadas possam se beneficiar da assistência técnica oferecida. As prefeituras foram responsáveis por cadastrar as famílias e encaminhar a lista de pessoas para que os arquitetos realizassem a vistoria técnica necessária.

O projeto-piloto ATIP tem sido uma ferramenta importante para as cidades gaúchas na recuperação das áreas devastadas pelas enchentes. Com o apoio de profissionais dedicados, o programa possibilita a reconstrução segura e planejada dessas comunidades, promovendo o direito à moradia digna e reforçando o compromisso do CAU/BR com a assistência técnica pública

O Perpectiva CAU conversou com duas arquitetas e urbanistas credenciadas pelo projeto, Sthefânia Dezordi Duhá e Juliana Pellizzon, que compartilharam suas experiências em campo e a importância da assistência técnica para garantir segurança e dignidade às famílias.

Confira, a seguir, trechos das entrevistas

 

Perspectiva CAU: Quais foram os principais problemas técnicos encontrados nas residências afetadas?

Sthefânia Dezordi Duhá: Minha amostragem é relativamente pequena, mas pude observar várias manifestações patológicas e danos devido à erosão do solo e recalque de fundações, principalmente onde as construções não tinham estruturas adequadas, como vigas de baldrame. Identifiquei rachaduras, cisalhamento de concreto, desgaste e até colapso de elementos de estruturas de telhado. Além disso, presenciei abalos em construções de madeira, como flutuação e deslocamento das casas, além do surgimento de mofo.

Juliana Pellizzon: Nas vistorias, percebi que muitas moradias já apresentavam vícios construtivos antes da enchente, mas a força das águas ocasionou fissuras, trincas e recalques no solo. Além disso, em áreas mais densamente ocupadas e sem ventilação adequada, os problemas de salubridade aumentam o risco de doenças transmissíveis e essa falta de ventilação é um fator agravante para quem vive nas zonas de invasão urbana.

 

Perspectiva CAU: Quais intervenções vocês consideram mais urgentes para garantir a segurança e habitabilidade das moradias?

Sthefânia Dezordi Duhá: O primeiro passo é garantir que as pessoas estejam em locais seguros, removendo-as em caso de dúvida. Em seguida, intervenções como escoramento de estruturas de concreto, alvenaria ou telhado; monitoramento de rachaduras e eliminação de mofo são essenciais. Outro ponto importante é a recomposição do pavimento com contra piso armado, o que oferece maior estabilidade em futuras ocorrências de enchentes.

Juliana Pellizzon: As intervenções precisam ir além das moradias. Há uma necessidade urgente de um planejamento urbano mais sustentável. Corredores verdes, por exemplo, ajudam no escoamento natural da água e evitam ocupações em áreas de risco. Precisamos considerar essas soluções para prevenir problemas futuros e não só remediar os danos de agora.

 

Perspectiva CAU: Como o projeto-piloto ATIP está contribuindo para a recuperação das moradias afetadas?

Sthefânia Dezordi Duhá: Além dos laudos que servirão para elencar os casos de intervenção urgente e os beneficiários de ações governamentais, outros servirão para um maior contato da população com o trabalho de arquitetura, importância de detalhes construtivos, compreensão de processos de urbanização e etapas de documentação do seu bem imóvel. O laudo é uma das atividades técnicas (talvez etapa inicial de um processo) que podem ter um alcance maior de atuação. Além disso, sendo uma contratação remunerada, auxilia os profissionais de arquitetura, principalmente autônomos, impactados pelos efeitos pós inundação e incentiva o aprimoramento do conhecimento e ampliação de profissionais atuantes nesta área.

Juliana Pellizzon: O projeto contribui para o planejamento urbano das áreas afetadas, ao mapear as zonas de risco e apontar soluções de longo prazo, como a criação de áreas verdes que absorvem melhor a água. É importante lembrar que esse projeto também quebra estereótipos, mostrando que a arquitetura vai muito além de projetos residenciais para a classe alta, promovendo a inclusão social e o direito à moradia digna. Acredito que ele possa ser replicado em diversos estados, cada qual com sua necessidade específica, para não ficar somente nesta catástrofe do RS.

 

Perspectiva CAU: Que resultados vocês esperam alcançar com os laudos técnicos realizados pela ATIP?

Sthefânia Dezordi Duhá: Neste momento, surgem novas necessidades, além daquelas das políticas habitacionais tradicionais, já configuradas. Novos projetos e novos programas que atendam uma diversidade maior de situações devem ser elaborados. Entendo que este edital da ATIP pelo CAU/BR chama a atenção de o quanto devemos estar preparados para situações semelhantes de ações emergenciais que demandem um grande engajamento profissional. Torço para que conselhos de outras classes profissionais sigam o exemplo, desencadeando um processo de engrandecimento das nossas cidades.

Além de levar às comunidades que mais precisam um serviço primordial, a ATIP também propicia que aquele arquiteto, que nem sempre conseguiria destinar parte do seu trabalho ao voluntariado, possa prestar um serviço de contribuição social. Esta aproximação beneficia não só os diretamente envolvidos, mas a todo o urbanismo. Vemos muito desconhecimento em relação a aspectos construtivos, de habitabilidade, cidadania etc. e descaso de como nossas cidades estão sendo construídas (pela população, grandes empreendimentos e até pelo poder público). Definições como as dos Planos Diretores e o Estatuto das Cidades são um direito da sociedade pouco conhecido e valorizado, mas crucial para os enfrentamentos futuros e que devem ser amplamente debatidos, atualizados e aprimorados.

Juliana Pellizzon: Espero que a ATIP inspire uma abordagem mais preventiva em planejamento urbano e que incentive outras regiões a replicarem a iniciativa, adaptando-a para suas necessidades locais. É um projeto que vai ao encontro da justiça social e do direito à cidade para todos. O projeto ATIP contribui para o planejamento e zoneamento urbano dos municípios afetados, pois é possível mapear a abrangência de áreas alagáveis, que com a última catástrofe, aumentou consideravelmente as áreas de riscos no entorno destas áreas que já eram alagáveis.

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