Por Emerson Fonseca Fraga, Jornalista do CAU/BR

A história do conjunto habitacional dos “Redondinhos”, em Heliópolis, São Paulo, começou com uma fala mal interpretada de Ruy Ohtake. Em 2003, uma revista publicou a seguinte declaração atribuída ao prestigiado arquiteto e urbanista: “O que acho mais feio em São Paulo é Heliópolis”. Depois de ver a reportagem, Ohtake esclareceu que a intenção foi dizer que o mais feio na cidade era a diferença entre bairros ricos e pobres – “a diferença entre o bairro do Morumbi e Heliópolis, a maior favela”, corrigiu.
Na semana seguinte, uma provocação mudou o curso previsível da história: João Miranda, líder comunitário em Heliópolis, ligou para Ohtake. Em vez de exigir explicações, pediu ao profissional que ajudasse o lugar a ficar mais bonito. Conhecido por obras como os hotéis Unique e Renaissance e o Instituto Tomie Ohtake, dedicado à obra de sua mãe, Ruy se viu diante de um desafio até então inédito na carreira – a “Arquitetura real”, como ele chama.

A história foi narrada pelo arquiteto e urbanista em uma palestra em Brasília, no dia 6 de junho, realizada pelo Centro Cultural do TCU com o apoio do CAU/BR (saiba mais aqui). Assista ao trecho em que Ruy Ohtake fala sobre o assunto, registrado por Emerson do Nascimento, conselheiro federal pelo Maranhão:
A interação foi o ponto de partida para uma empreitada prolongada junto à comunidade, que envolveu vários projetos. Os principais foram um conjunto habitacional e o Pólo Educativo e Cultural de Heliópolis, que inclui uma biblioteca pública, um centro cultural com cinema e galeria e espaço para feira de produtos artesanais, além de uma escola técnica.
Ruy Ohtake concebeu e coordenou os trabalhos de forma voluntária, com a colaboração da arquiteta Daniela Della Volpe e o apoio da União dos Núcleos e Associações de Moradores de Heliópolis e São João Clímaco (Unas) e da Prefeitura de São Paulo
REDONDINHOS

A obra de maior porte projetada para a comunidade foi o conjunto habitacional com os prédios cilíndricos, conhecidos como “Redondinhos”. De acordo com Ohtake, o projeto foi elaborado a partir de conversas feitas pessoalmente com os moradores de Heliópolis e considerando as preocupações que eles levantavam. A primeira delas foi com relação a corredores – em conjuntos habitacionais já entregues, eles viraram espaço para comércio, tráfico e drogas e prostituição. “Falaram: Ruy, a gente não sabe viver em apartamento. Vai ocorrer isso”, conta o arquiteto e urbanista.
Considerando essa preocupação, Ohtake projetou o edifício sem corredores. “Com circulação de escada e hall de 5 por 5, com as quatro entradas dos apartamentos”, explica. “Os caras falaram: puxa, que solução linda, tá ótimo, vamos pra frente. Aí eu falei: não estou satisfeito, porque essa forma não tem graça nenhuma. Eu vou fazer redondo”.

A escolha da forma cilíndrica, que se tornou um marco dos edifícios, não foi meramente estética. “No redondo, primeiro, se eu tenho dois prédios, não encostam um no outro, precisa deixar separado. Ao separar, eu dou dignidade para os quatro apartamentos: sol direto, ventilação direta etc. E na sala, eu consigo por três janelas, uma luz bem boa”.
São 19 “redondinhos” com fachadas coloridas, nas bordas do lote. No centro, ficam parquinho, quadra esportiva e um espaço de uso comunitário. Cada edifício tem quatro andares e 18 apartamentos de aproximadamente 50 m², totalizando 342 unidades. Os blocos têm quatro apartamentos em cada um dos quatro andares. Há ainda dois apartamentos no térreo, que abrigam idosos ou pessoas com deficiência.

PAPEL DO PROFISSIONAL NA ARQUITETURA SOCIAL
Para Ohtake, o papel do arquiteto e urbanista é múltiplo ao atuar em Arquitetura Social. “Quando atua em programas sociais, o arquiteto tem que assumir duas atitudes: como técnico e como cidadão. É fundamental conversar com a comunidade, sentir o que os moradores pensam, não se fechar em um escritório para projetar de forma isolada”.
O resultado disso, segundo o arquiteto, é dar dignidade às pessoas da comunidade –coisa que não ocorreu na maior parte dos conjuntos do programa “Minha Casa, Minha Vida”, critica. “Foi um desastre. Parece uma plantação de alface, tudo igual. Apenas as empreiteiras ficaram satisfeitas, pois foram contratadas para fazer os projetos e as obras numa empreitada só”.

VÍDEOS RELACIONADOS
Mini-documentário “Ruy Ohtake e sua Arquitetura em Heliópolis”
Jornal da Gazeta – Ruy Ohtake leva obras à favela de Heliópolis
Programa Ação – Unas e Ruy Ohtake
Arq!Bacana faz passeio pelos “Redondinhos” com Ruy Ohtake
SÉRIE ESPECIAL DE REPORTAGENS
Esta reportagem faz parte de uma série especial do CAU/BR e dos CAU/UF que está mostrando o trabalho de arquitetos e urbanistas que, superando orçamentos reduzidos e unificando diferentes opiniões, conseguiram desenvolver moradias dignas e de qualidade para as famílias de baixa renda.
Você atua em projetos de habitação social? Envie um e-mail para habitacaosocial@caubr.gov.br falando sobre o seu trabalho na área. Não se esqueça de inserir os autores dos projetos, contatos das pessoas envolvidas (arquitetos, autoridades e beneficiários), com um breve descritivo do projeto e até três fotos/ilustrações. Se sua história for selecionada, o CAU entrará em contato para produzir uma reportagem especial sobre os projetos.
SAIBA MAIS
Arquitetura Social: Confira 10 dicas para começar a empreender na área
Arquiteto de Família: Site permite financiamento coletivo de reformas
Centro de SP tem exemplos de recuperação de áreas como saída para falta de moradia
Entrevista: Clóvis Ilgenfritz, pioneiro na Arquitetura de Habitação Social no Brasil
Escritório Público de Salvador já entregou 5 mil projetos
Antiga fábrica em Curitiba abriga casas de famílias carentes
Projeto de habitação popular no coração de Porto Alegre
Iniciativa mantém 10 postos de assistência técnica na periferia de Brasília
Em Diadema, Casas Cubo são solução para abrigar famílias excluídas de reurbanização
Arquitetura Social: CAU/BR e CAU/UF destacam projetos inovadores
13 respostas
Muito interessante! Parabéns ao arquiteto!
O arquiteto fez referência ao programa social para conjuntos habitacionais em nenhum momento ele se refere ao termo arquitetura social ou mesmo a arquitetura de família e isso é algo que o Cau vem fazendo de maneira muito equivocada
Que bela iniciativa do grande Ruy Ohtake!
É exemplo para todos os arquitetos que devem se dedicar à idealização de projetos para baixa renda pois os carentes são os que mais necessitam de habitação digna onde é possivel morar com a familia
Até hoje, em trinta e cinco anos de carreira, nunca vi um projeto cilíndrico bom.
O estar deste projeto e pura perda de espaço, sendo que para um projeto de cunho social é inadmissível. Que habita esse espaço não manda fazer móvel planejado, compra na Marabráz, Bahia etc.. Quer aprender? Parque CECAP em Guarulhos. Do saudoso Vilanova Artigas.
Mas planta baixa redonda, é o bicho de ruim, não é!!!
Pode ser esteticamente bonito, porém tenho preocupações com os apartamentos voltados para a face sul, onde fica a insolação e iluminação natural?
Sabemos que, para quem vivia em condições precárias, as unidades são um paraíso… Como arquitetos, na minha concepção, penso que devemos também pensar nestes aspectos.
É preciso ter em mente que não estamos projetando esculturas, as unidades precisam ser funcionais, oferecer conforto térmico, insolação/iluminação e ventilação natural.
Mais uma vez a arquitetura no Brasil (feita inclusive por ícones), abandona a função e “tenta” simplesmente fazer forma. Ora, passamos anos estudando (durante e após a faculdade) que forma e função tem que andarem juntas, para que a arquitetura sirva a seu propósito. Aí vem o último século e nesse adentrando expondo as duas aberrações: Esculturas sem função e Função sem boa forma. O Brasil está ficando para traz quando a questão é arquitetura. Até nossos vizinhos já nos superam!
Achei um equívoco, essas plantas. Como fica a disposição dos móveis na sala? em que parede se coloca uma TV? e um sofá de frente? é preciso pensar nos habitos dos brasileiros… e a novela? Móveis modulares, que são os mais em conta, não são adaptados para esse tipo de planta. questões básicas!Achei a forma muito ruim… Ruy Ohtake me desapontou…
Eu só fico imaginando a senhora ou o senhor de 70 anos subindo a escadaria até o 5° pavimento!
Se é para fazer, vamos dar dignidade completa!!!! Kd os elevadores??????
Ele fala mal dos projetos do PMCMV, vai lá e faz mil vezes pior!
Ele fez o mesmo quadradinho que as construtoras fazem aos milhares por aí, depois não gostou da forma, arredondou e pronto!
Sinceramente… não vejo como esses 50m² em uma planta cilíndra serem funcionais. Como mobiliar esses apartamentos? E o desperdício de espaço?
Se a justificativa era a questão estética, também não alcançou o resultado, existem soluções quadradinhas muito mais bonitas.
Não gosto de criticar projetos, afinal quem estava lá é que sabe o porquê de cada decisão arquitetônica, mas gostaria muito de ver uma análise pós ocupacional desse empreendimento.
Nenhum projeto é perfeito, nesse ele quis focar na vida social fora do edificio, ou seja uso dos espaços urbanos no terreo, a forma é diferente do usual, e por ser redonda descaracteriza a função, pois dificulta o uso de moveis populares(que em sua maioria são feitos com medidas padrão para ambientes com paredes retas).
Não entendo por quê todo projeto que fazem para comunidade tem que ser colorido e cafona.
Parabéns ao Arquiteto e mais ainda ao Líder Comunitário! Sem esse pensamento focado na comunidade esta realidade não passaria de uma simples crítica. Pessoas pró-ativas e positivas é o que mais o Brasil precisa.