Como o ministro Paulo Guedes tem pequenas questões a enfrentar, o seu ministério passou a legislar também sobre licenciamento de obras…
Nos países civilizados, a construção é regulada em benefício da segurança e do bem estar coletivo. O interessado apresenta seu projeto ao órgão público que o avalia quanto ao atendimento da legislação. Atendida a lei, é autorizada a obra.
O ministério da Economia quer inovar. Acha que os negócios emperram por conta da burocracia na aprovação de obras e na emissão de alvarás de funcionamento. Assim, pela Resolução CGSIM nº 64, já vigente, retira dos municípios a atribuição constitucional de licenciar as obras, de fiscalizar o que foi feito, e de expedir o alvará para atividade econômica no imóvel. O serviço público de licenciamento será substituído por empresas habilitadas pelo ministério. Elas integrarão o recém criado MURIN, o “Mercado de Procuradores Digitais de Integração Urbanístico de Integração Nacional” (sic). O particular interessado contratará empresa inscrita no MURIN para obter a autorização de obra.
As cidades melhorarão? As edificações serão mais seguras, mais bonitas?
“É uma revolução, é a desestatização do serviço público, que passa a ser prestado por empresas reguladas e em livre concorrência”, diz o secretário de Advocacia da Concorrência e da Competitividade do ministro Paulo Guedes.
Se a meta for essa, errou o alvo.
O que quer o ministério? Quer que o interessado pela obra declare para a empresa, sob responsabilidade civil e penal, que o seu projeto cumpre todas as leis: urbanísticas, edilícias, dos bombeiros, do Comando Regional Aéreo, ambientais, fundiárias, de vizinhança, de risco, entre outras. Com essa declaração, mediante pagamento, a empresa autoriza a obra “de maneira automática”.
Quem, sem os instrumentos técnicos de que dispõe o serviço público, poderá se responsabilizar, de boa fé, que o projeto atende a toda a legislação? Um super homem? Um mentecapto? A empresa do MURIN não será.
A tal revolução, de fato, é uma falácia. O serviço público municipal é substituído pelo particular interessado, não pela empresa. E resta uma nova burocracia onerosa centralizada em Brasilia.
Há, porém, outro essencial aspecto a ressaltar. O serviço público de licenciamento e de fiscalização de obras é um instrumento do planejamento urbano, e constitui o controle urbanístico. Sem ele, o planejamento fenece. Sem planejamento, as cidades decaem – como estamos vendo.
No mundo contemporâneo, a baixa qualidade dos serviços urbanos compromete o desenvolvimento do país. Ao invés de extinguir os serviços públicos de planejamento, a Economia deveria ajudar a melhorá-los e fortalecê-los: veria os negócios não emperrarem e o PIB crescer. Ao revés, o seu enfraquecimento convém ao avanço da irregularidade urbana e, em grande medida, à tomada de partes das cidades por bandidos e milícias.
Os países modernos, de economia pujante, sabem disso e cuidam de suas cidades.
O ministério da Economia trabalhará bem se, no seu âmbito, garantir financiamento para a mobilidade urbana, a urbanização de favelas e dos bairros populares, para a modernização das infraestruturas e se oferecer às famílias crédito habitacional fácil, barato e acessível.
Justamente quando a população brasileira foi às urnas na esperança de novos governos que cuidem melhor de seu ambiente construído, é lastimável que o ministério saia de seu mister para gastar tempo e dinheiro público para evidenciar um entendimento rasteiro sobre a produção do espaço brasileiro. O tempo é de planejar e de ordenar as cidades, não é de deixá-las à sanha da especulação mais grosseira. Basta de assombração!
Sérgio Magalhães preside o Comitê Organizador do UIA2021RIO. Foi presidente do IAB/DN
Email: smc@centroin.com.br
VEJA TAMBÉM:
Manifestação do CAU/BR sobre a Resolução CGSIM Nº 64 do Ministério da Economia
5 respostas
É tão absurdo e inacreditável, que ninguém está se posicionando sobre essa nova Lei. Esse governo é um desgoverno total. Nós temos que fazer alguma coisa URGENTE.
Bem… diante desta constatação de que o ministro Paulo Guedes passou a “legislar” (e interferir) de maneira arbitrária, inoportuna e inconveniente sobre licenciamento de obras, que caberia a publicação de um Manifesto por parte do CAU/BR com o objetivo de alertar não apenas ele mas também as demais “autoridades”, sobre os riscos de tal fato se configurar como crime de Exercício Ilegal da Profissão de Arquiteto e Urbanista.
Gilberto, veja manifestação do CAU/BR em https://caubr.gov.br/manifestacao-do-cau-br-sobre-a-resolucao-no-64-do-ministerio-da-economia/
Ok !
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Vi a manifestação do CAU/BR e deixo aqui registrado, que ela atende parcialmente a minha reivindicação.
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Ficou faltando na referida manifestação, o posicionamento do Departamento jurídico do CAU/BR quanto a essa interferência absurda e totalmente descabida em relação às atribuições já consolidadas dos Órgãos Públicos em especial, os municipais.
Faz muito sentido o que o ministro criticou. Ficamos reféns dos setores públicos que muitas das vezes, se não em sua maioria, cobra do arquiteto o famoso “café” para adiantar o processo, e isso não significa qualidade. Já trabalhei em secretaria municipal e cansei de ver absurdos de coelgas que confundiam ressaltas de 5mm com 5cm,as calçadas são pavorosas e completamente fora de normas, sem contar os séculos que levam para se fazer um manual. Atualmente aguardo há mais de um mês uma simples renovação de de licença de obra.
O que me pergunto é se desta maneira não abriria mais oportunidade para arquitetos e urbanistas atuar e trabalhar?
A importância e a seriedade do planejamento urbano, cumprimento da legislação não depende do funcionalismo público, mas de uma lei e fiscalização rígida.