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Artigo de Luiz Fernando Janot: “O crescimento vertical das favelas”

Contrapondo-se às dificuldades atuais das empresas imobiliárias, o mercado informal da construção civil se expande de maneira surpreendente nas favelas e loteamentos populares. A oferta de unidades residenciais nessas localidades, seja para venda ou aluguel, vem respondendo à crescente demanda da população que não possui renda para obter financiamento e adquirir um imóvel no mercado oficial.

 

 

Se em outros tempos havia a preocupação quanto à expansão territorial dessas comunidades, hoje a atenção se volta para o seu espantoso crescimento vertical. Enquanto as prefeituras adotam procedimentos kafkianos para aprovar projetos e licenciar obras, criando dificuldades e abrindo espaço para oportunistas venderem facilidades, o mercado imobiliário informal prospera sob o beneplácito de políticos corruptos e da marginalidade. 

 

No cerne desta questão está o vertiginoso abismo econômico que separa nossas classes sociais. Atualmente, falar em urbanização de favelas virou uma afronta aos interesses imediatistas dos governantes e empreiteiros, mais interessados em produzir habitação popular de péssima qualidade, em localidades distantes sem os requisitos mínimos de infraestrutura. A moradia, nesse caso, é tratada como um valor estatístico sem qualquer referência à qualidade do imóvel. 

 

Recentemente, o governo federal anunciou a intenção de rever algumas diretrizes do programa “Minha Casa Minha Vida”. O objetivo seria induzir a construção de habitações para fins sociais em áreas urbanas dotadas de escolas, unidades hospitalares e um sistema integrado de transportes coletivos. Pretende-se, assim, evitar a formação de guetos pobreza nas áreas periféricas da cidade. Esta iniciativa, em princípio louvável, exige o acompanhamento rigoroso das ações do poder público municipal para impedir que a proposta seja deturpada. 

 

Em meio aos mandos e desmandos que sobressaem em nosso cotidiano, os órgãos responsáveis por diagnosticar, avaliar e propor soluções para o problema das construções nas encostas e nos loteamentos populares se ressentem do apoio logístico para atuar nessas localidades. Sem recursos disponíveis e diante da falta de uma política integrada com os governos estadual e federal, fica difícil fazer valer as normas edilícias em territórios controlados por traficantes ou milicianos. O fracasso das Unidades de Polícia Pacificadora representou, de fato, uma perda significativa para a reconquista desses territórios pelo Estado. 

 

Agora, um novo desafio se apresenta para os governos municipais. Uma Medida Provisória editada recentemente pelo governo federal, facilitando a emissão de títulos de propriedade em habitações de interesse social construídas em terrenos informalmente ocupados ou – pasmem – em lajes nos pavimentos superiores das moradias existentes, representará, sem dúvida, um estímulo a mais para verticalização edilícia nessas comunidades. Certamente, a especulação imobiliária informal agradecerá penhorada essa iniciativa.

 

Tal decreto não faz qualquer referência às condições de estabilidade das edificações e aos aspectos geomorfológicos do terreno. Muito menos às precárias condições ambientais nas comunidades onde o esgoto circula in natura em valas negras ou em canais que deságuam nos rios, nas lagoas, nas baías e no mar. Não basta legalizar a habitação. É preciso que a cidade chegue a essas populações.

 

Ao que parece, o legislador tem o seu olhar voltado exclusivamente para as soluções de curto prazo, pouco se importando com os interesses futuros da sociedade e da própria cidade.

 

(Publicado em O Globo de 11/02/2017)

2 respostas

  1. É um problema muito mais amplo que somente falta de habitação.

    Falta sobretudo espaço. Mas ainda que fosse possível socar mais gente nas grandes metrópoles, restariam as outras demandas: transporte, escolas, postos de saúde, empregos, cadeias…

    O Brasil porém, é muito grande. Nada justifica a permanência
    das favelas nas grandes metrópoles enquanto sobra espaço no interior do país.

    O problema da favelização não será resolvido com ações politico-eleitoreiras. Muito pelo contrário, esses imensos bolsões de pobreza são vistos pela classe política como um inesgotável manancial de votos. Melhor deixar os barracos onde estão.

    Enquanto isso, o meio ambiente agoniza e a água já escasseia. Imagine um Armagedom hídrico das grandes cidades como Rio e São Paulo. Melhor nem imaginar.

  2. Um fato espantoso, de como as decisões em nosso país são tomadas sem nenhum embasamento técnico e ou cientifico, apenas atendem a certos interesses políticos e econômicos.
    Essas edificações já são construídas sem nenhum estudo, projeto ou cálculo, apensas com o conhecimento empírico, quando existe, dos profissionais que as constroem, no entanto, na pratica essa cessão de direito de laje ja existe, o que é temeroso, pois acrescentam-se mais pavimentos em edificações que se analisadas estruturalmente mal suportaria um único pavimento.

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