Em defesa da Rua da Carioca
Sydnei Menezes
A história do Rio de Janeiro pode ser contada a partir dos seus conjuntos arquitetônicos, dos sítios urbanos, igrejas e espaços públicos que, ao longo dos séculos, foram se formando. Tudo isso faz parte da memória sociocultural carioca, que precisa ser devidamente preservada — a exemplo do que acontece nas principais cidades do mundo. Não podemos mais cometer erros como os que puseram abaixo o Palácio Monroe, na Cinelândia, e a Igreja de São Pedro dos Clérigos, pequena joia barroca incrustada no Centro.
O sinal vermelho acendeu-se com o recente anúncio da venda em bloco de 19 casarões antigos da Rua da Carioca, por parte da Venerável Ordem Terceira de São Francisco da Penitência. No pacote inserem-se outros imóveis situados na mesma área onde estão localizados o tradicional Bar Luiz e outros comércios importantes da região.
Apesar de ser uma operação imobiliária legal, trata-se de um ato imoral contra a memória da Cidade, pois, mesmo sendo possível a preservação das edificações em sua volumetria e fachada, o comércio tradicional será transformado e a tendência é de haver eventuais despejos ou mudanças de contrato, devido ao alto valor pedido, com provável descaracterização do ambiente construído.
De fato, este ambiente urbano é tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac) e protegido por legislação municipal do Corredor Cultural. Mas ainda assim a sua preservação está sob grave risco de perder-se, pois, como a venda será em lote, e não fracionada, provavelmente haverá grande operação imobiliária especulativa. O resultado já podemos antever: desprezo pelos inquilinos históricos em vista da obtenção do maior lucro possível.
Nossa proposta é de que se decrete imediatamente este conjunto de imóveis como Área de Proteção do Ambiente Cultural – Apac. Além disso, a prefeitura pode negociar com a Venerável Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, proprietária dos sobrados, no sentido de que realize uma venda fracionada, com vistas a priorizar os atuais inquilinos. A nosso ver, estas medidas emergenciais devem ser tomadas o quanto antes, em paralelo à elaboração de um projeto de renovação do espaço urbano integrado à revitalização de toda a área do Centro Histórico do Rio de Janeiro, já em andamento em alguns pontos.
Lembramos que proteger, conservar e cuidar da ambiência sociocultural e histórica do Rio está muito acima de lucros particulares ou de interesses puramente voltados ao capital imobiliário.
*Sydnei Menezes – presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro (CAU/RJ).