O Plenário da Câmara dos Deputados aprovou em 25/06/19 o texto-base do projeto da nova Lei de Licitações (PL 1292/95, do Senado), conforme submenda substitutiva do relator, deputado Augusto Coutinho (Solidariedade-PE).
O texto cria uma modalidades nova de contratação, o “diálogo competitivo”, e amplia o uso da “contratação integrada”. Das modalidades existentes, o texto mantém o pregão, a concorrência, o concurso e o leilão. Também exige seguro-garantia para grandes obras, tipifica crimes relacionados ao assunto e disciplina vários aspectos do tema para as três esferas de governo (União, estados e municípios).
O Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil obteve uma importante conquista na tramitação do projeto. A subemenda substitutiva veda o uso de pregão “para as contratações de serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual e de obras e de serviços de engenharia e arquitetura”.
Pela Constituição de 1988, o poder público é obrigado a fazer licitação quando precisa contratar obras, serviços ou fazer compras. A atual Lei de Licitações é de 1993 (8666/93). O projeto aprovado sucedeu a diversos outros que trataram, desde 2013, de propostas de revisão da Lei de Licitações. O projeto inicial, PLS 559/2013, teve sua redação final aprovada pelo Senado em 13/12/16, seguindo para a Câmara dos Deputados (onde recebeu o número 6814/2017). O PL 1293/95 consolida quase todas as normas para as contratações públicas, revogando a Lei de Licitações, a Lei do Pregão (2002) e o Regime Diferenciado de Contratações (2011). Ficaram de fora as estatais, com o argumento de que a Lei de Responsabilidade das Estatais já possui um capítulo dedicado ao tema das licitações.
O projeto prevê que as novas normas vão valer nos níveis federal, estadual e municipal e irão abranger os poderes Legislativo e Judiciário. O documento estabelece um período de transição: União e estados terão até dois anos para se adequarem e municípios de até 20 mil habitantes, seis anos.
Após a votação dos destaques, que poderá mudar o texto-base, e deve ocorrer no início de julho, o projeto irá para o Senado. Caso rejeitado, prevalecerá o projeto original aprovado pelos senadores em 2016, cujo conteúdo é diferente em diversos aspectos. A votação, há muito aguardada, só se viabilizou após um acordo com a oposição para votar um projeto que torna mais rigorosa a pena para responsáveis por tragédias ambientais.

PREGÃO
A subemenda substitutiva veda o uso de pregão “para as contratações de serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual e de obras e de serviços de engenharia e arquitetura”. O texto anterior não previa a inclusão dos serviços de arquitetura, o que foi conquistado através de emenda apresentada pelo deputado federal e arquiteto Joaquim Passarinho (PSD/PA).
A emenda acatou sugestão feita pelo CAU/BR ao deputado. “Entende-se que o projeto arquitetônico é atividade técnica de criação, que resulta em obra de arquitetura, com características autorais e que necessariamente precede toda a construção. Sendo assim, é incompatível com a modalidade de licitação pregão”, diz a emenda.
Pelo texto, o pregão só poderá ser utilizado nos casos em que “o objeto possuir padrões de desempenho e qualidade que possam ser objetivamente definidos pelo edital”. Os serviços de Arquitetura – projetos, consultorias, laudos técnicos, entre outros – não se enquadram nessa característica por serem trabalhos técnicos de natureza predominantemente intelectual e, portanto, não padronizáveis. Idem para os serviços de Engenharia.

A posição tem sido defendida pelo CAU/BR e outras entidades de Arquitetura e Engenharia igualmente no processo de revisão pelo Ministério da Economia do Decreto 5.450/2005 que regulamenta o pregão eletrônico para aquisição de bens e serviços comuns pela administração pública.
CONTRATAÇÃO INTEGRADA
O deputado Joaquim Passarinho apresentou também emenda pela exclusão da “contratação integrada”, modalidade em que a contratação da obra pública é feita com base em um simples anteprojeto, ficando por conta da empreiteira vencedora a elaboração dos projetos básico e executivo. O PL prevê seu uso para obras e serviços com valores acima de R$ 10 milhões. A emenda do deputado do Pará pede igualmente a exclusão da modalidade de “contratação semi-integrada”, em que que a licitação é feita a partir de projeto básico. A proposta, no entanto, não foi aceita pelo relator, mas foi destacada pelo partido do deputado Passarinho (destaque n.º 20) e será votada em Plenário.
A defesa assertiva do projeto completo tem sido objeto de ações do CAU/BR desde sua fundação. Em outubro de 2017, no Rio de Janeiro, o tema foi objeto de discussão na II Conferência Nacional de Arquitetura e Urbanismo, que incluiu entre suas recomendações a continuidade tais ações.
Na ocasião, foi distribuído o documento “Em Defesa da Ética, do Planejamento e da Qualidade nas Obras Públicas”, assinado pelas entidades que compõem o Colegiado das Entidades dos Arquitetos e Urbanistas do CAU/BR, constituído – além do Conselho – pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), pela Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA), pela AsBEA (Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura), pela ABEA (Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo), pela ABAP (Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas) e pela FeNEA (Federação Nacional dos Estudantes de Arquitetura e Urbanismo), com apoio do SINAENCO (Sindicato da Arquietura e Engenharia Consultivas).
No entendimento do CAU/BR e outras 37 entidades do setor, ao usar a “contratação integrada”, o Poder Público abdica do direito e do dever de definir o escopo da contratação, ou seja, de estipular de forma clara e precisa o objeto que atenda ao anseio da coletividade, e o transfere para o contratado, que irá elaborar um projeto que atenda, prioritariamente, aos seus interesses. Utilizada nas obras do “legado” da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, bem como na construção de rodovias pelo DNIT e outros empreendimentos de porte, a modalidade mostrou-se ineficaz por não impedir ampliação de custos, aditamentos de prazos e baixa qualidade das obras.
DIÁLOGO COMPETITIVO
A proposta também inclui entre as modalidades o chamado “diálogo competitivo”, uma forma de licitação em que os governos chamam a iniciativa privada, para que as empresas apresentem possíveis soluções às demandas de contratação de serviços.
A modalidade será aplicada, segundo o projeto, a objetos que envolvam inovação tecnológica ou técnica ou a situações nas quais o órgão ou entidade não possa ter sua necessidade satisfeita sem a adaptação de soluções disponíveis no mercado ou quando as especificações técnicas não possam ser definidas com precisão suficiente.
Após sugestões dos deputados, o relator retirou do texto o limite (mais de R$ 100 milhões) a partir do qual essa modalidade pode ser aplicada. O texto permite o uso do diálogo competitivo em contratação de parceria público-privada, em concessão de serviço público e em concessão de serviço público precedida de execução de obra pública (usinas hidrelétricas, por exemplo).
O diálogo competitivo funcionará da seguinte maneira: primeiramente, a administração divulgará em edital suas necessidades e exigências, dando prazo de 25 dias úteis para manifestação dos interessados. Esse edital definirá ainda critérios de pré-seleção.
Por meio de reuniões gravadas em áudio e vídeo com os licitantes, a administração manterá diálogos até que identifique uma solução que atenda a suas necessidades sem revelar a outros licitantes as soluções propostas pelos concorrentes. Ao fim da fase de diálogos, a administração divulgará os critérios objetivos a serem utilizados para seleção da proposta mais vantajosa. Essa é a fase competitiva.
O órgão de controle externo poderá acompanhar e monitorar os diálogos competitivos, opinando sobre a legalidade, legitimidade e economicidade da licitação antes da celebração do contrato respectivo.
PORTAL DE CONTRATAÇÕES PÚBLICAS
O projeto prevê as seguintes fases de licitação: preparatória; divulgação do edital; apresentação de propostas e lances; julgamento; habilitação; recursal; homologação. Na prática, a habilitação passa a ser uma etapa posterior ao julgamento de propostas, o que resultará na inversão de etapas. Para licitações realizadas pelo Ministério da Saúde, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), o texto possibilita, mediante decisão fundamentada, a redução pela metade dos prazos de apresentação de propostas e realização de lances.
Outra novidade é a mudança nas regras sobre dispensa de contratação. Obras e serviços de engenharia no valor de R$ 100 mil poderão ter dispensa de licitação; no caso de compras e outros serviços, a dispensa poderá ser feita em empreendimentos de até R$ 50 mil (a legislação atual prevê dispensa de licitação para serviços e compras de até R$ 8 mil, além de obras e serviços de engenharia de até R$ 15 mil).
Será criado o Portal Nacional de Contratações Públicas. Nele, serão divulgados, em tempo real e de forma centralizada, informações como editais, lances, projetos apresentados, pagamento e situação das ações contratadas. Outro item é a instituição do agente de licitação, pessoa designada pela autoridade competente responsável por conduzir o processo licitatório e acompanhar a execução contratual.
A proposta amplia a punição para a fraude em licitações: quem praticar o crime terá de cumprir pena de 4 a 8 anos de prisão (a lei atual prevê prisão de 3 a 6 anos). É instituída a possibilidade de interceptação telefônica e prisão preventiva durante as investigações. Os requisitos para contratações também se tornam mais rígidos e documentos que comprovem o comprometimento da empresa, a exemplo de certidões negativas e habilitação econômica e financeira, passam a ser obrigatórios.
O substitutivo estabelece que em obras de grande vulto deverá ter um seguro de 30% do valor contratado para obras acima de R$ 200 milhões. Se a obra não for entregue ou a seguradora deve concluí-la ou paga o valor.
CONTINUIDADE DE OBRAS IRREGULARES
Outra novidade no relatório é a possibilidade de o poder público optar pela continuidade de um contrato mesmo após constatada irregularidade na licitação ou na execução contratual.
A ideia é não prejudicar o atendimento à população pela ausência de um serviço, obra ou material. Nesse caso, será obrigatória a cobrança de indenização por perdas e danos, sem prejuízo da aplicação de penalidades e da apuração de responsabilidades.
Conforme o texto, deverão ser avaliados aspectos como os impactos econômicos e financeiros resultantes do atraso; os riscos sociais, ambientais e à segurança da população local; a motivação social e ambiental do contrato; o custo da deterioração ou da perda das parcelas executadas; a despesa necessária à preservação das instalações e dos serviços já executados; e o custo para realização de nova licitação ou celebração de novo contrato; entre outros.
PROIBIÇÕES
Entre as proibições de participação em licitação, como parentes dos administradores ou empresas coligadas com propostas diferentes, o relator incluiu vedação para pessoa física ou jurídica que, nos cinco anos anteriores à divulgação do edital, tenha sido condenada judicialmente, com trânsito em julgado, pela exploração de trabalho infantil, submissão de trabalhadores a condições análogas às de escravo ou contratação de adolescentes nos casos vedados pela legislação trabalhista.
No edital, poderão ser definidas especificidades como exigência de aproveitamento de mão de obra local e de percentual de contratação de mulheres vítimas de violência doméstica ou de egressos do sistema prisional para fins de ressocialização do ex-apenado.
O projeto relatório define ainda correção monetária do valor a ser pago pela administração após a emissão da nota fiscal. Os governos terão 45 dias para pagar. Após esse prazo, terá acréscimo de juros de mora de 0,2% ao mês e será corrigido pelo IPCA-E.
15 PONTOS
Em defesa da transparência, do planejamento e da qualidade das obras públicas, o CAU/BR, o CONFEA, o SINAENCO, o IAB, a FNA, a ABEA, a AsBEA e a FeNEA e outras 30 entidades do setor propuseram em março passado 15 sugestões de alteração no texto do PL 1292/95 . Além da proibição do pregão, outras mais foram acatadas pelo projeto aprovado 3m 25/06, a saber:
– Proibição da adoção do modo de disputa aberto quando o critério de julgamento for técnica e preço;
– Altera da redação do tipo penal do crime de omissão grave de dado ou de informação por projetista para deixar expresso que se trata de crime doloso;
– Tornar obrigatório o julgamento por melhor técnica ou técnica e preço, na proporção de 70% de valoração da proposta técnica, para as contratações de serviços técnicos especializados relativos a controles de qualidade e tecnológico, análises, testes e ensaios de campo e laboratoriais, instrumentação e monitoramento de parâmetros específicos de obras e do meio ambiente;
– Tornar obrigatória a previsão no edital do índice de reajustamento de preços, com data base vinculada à “data de referência dos preços adotados no edital” nas licitações serviços técnicos especializados;
– Suprimir a obrigatoriedade de o percentual de descontos apresentado pelo licitante incidir linearmente sobre o preço de todos os itens do orçamento estimado;
– Incluir a Certidão de Acervo Técnico, emitida por conselho profissional competente, como documento comprobatório da qualificação técnico profissional;
– Condicionar a livre utilização e modificação de projetos e serviços técnicos especializados contratados pela Administração à previsão em edital e à comunicação ao autor das modificações posteriormente realizadas;
Clique no link para acessar a íntegra do PL 1292/95.
Veja o histórico do marco: Tudo sobre a discussão da nova Lei de Licitações
Com informações da Agência Câmara e sites especializados
5 respostas
Bravo, CAU!
Agora temos que acabar com a Contratação Integrada, a qual possibilitou um festival de abusos com dinheiro público. Que o digam Copa do Mundo e Olimpíadas.
Contratação Integrada é entregar o galinheiro pra raposa cuidar.
Com a extinção do Pregão como ficara a participação a distância, alguém pode esclarecer??
Parabéns ao CAU, na defesa “dos serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual…”.
Porém, qualquer o documento “Em Defesa da Ética, do Planejamento e da Qualidade nas Obras Públicas”, assinado pelas entidades que compõem o Colegiado das Entidades dos Arquitetos e Urbanistas do CAU/BR, etc.” que não abra para a discussão democrática, principalmente, aberta à categoria que contribui financeiramente, para o sustento dessas entidades, considero uma atitude frustrada e fadada ao fracasso.
Cordialmente,
Marco De Amorim
É imperioso dar um basta no “capitalismo de compadrio” – O eminente jurista Modesto Carvalhosa, em entrevista dada a uma revista semanal, expôs muito bem as entranhas desse terrível problema que assola nosso país:
O que é o caso investigado pela Lava-Jato senão o resultado de uma relação promíscua entre empreiteiras e o poder público, aquilo que, na literatura sociológica, denominamos crony capitalismo? Nesse “capitalismo de compadres”, tudo é estabelecido através das relações patrimonialistas e promíscuas entre empresários e o poder público. No caso das empreiteiras brasileiras, esse capitalismo de compadres é ainda mais preocupante. Isso porque há décadas existe aqui uma relação pessoal entre os políticos e os sócios controladores dessas empreiteiras, sedimentadas sobre velhas linhagens familiares. Os favores e vantagens que os políticos recebem se traduzem, em momentos certos, em contratos com o poder público. E esses acertos fundam-se sempre em uma série de ilegalidades, como superfaturamento, falsas medições, péssima qualidade de obras, atrasos e abandono.[1]
Tal situação não poderia mais continuar, sob pena de colocar em risco até mesmo o desenvolvimento do Brasil.
https://jus.com.br/artigos/65193/o-instituto-do-performance-bond-no-ordenamento-juridico-brasileiro
AMS, informamos que as entidades nacionais que representam a Arquitetura e Urbanismo do Brasil manifestam-se a favor de uma lei específica para licitações de projetos e obras públicas que trate os projetos de edificações, desenvolvimento urbano e paisagismo como serviços técnicos de natureza intelectual e criação, diferentemente da licitação de bens materiais. Ou seja, projetos são serviços a serem idealizados, não “produtos de prateleira”. Defendemos:
– A implantação de sistemas de Planejamento Territorial e Urbano, nas três instâncias de governo, como função de Estado.
– Que cada obra pública, seja edilícia, urbanística ou de infraestrutura territorial esteja previamente contemplada pelos sistemas de planejamento.
– Toda obra deve ser licitada a partir de projeto completo.
– Todo projeto deve ser iniciado a partir de definição de planejamento.
– Todo planejamento deve seguir política pública.
Saiba mais em https://caubr.gov.br/projetocompleto/