A importância da participação social para a promoção de políticas econômicas, ambientais e sociais sustentáveis foi tema recorrente nas discussões do ciclo de debates online “Novas Cidades 2021”, realizado em julho, base para a elaboração da “Carta-Aberta à Sociedade e aos Candidatos para as Eleições de 2020 – um projeto de cidades pós-pandemia” pelas entidades de Arquitetura e Urbanismo do país.
A Carta apresenta cinco pontos fundamentais que devem ser focados com diálogo e visão política e refletem os principais problemas enfrentados pela população nas cidades e que foram escancarados com a pandemia da Covid-19. O documento será entregue às lideranças partidárias e aos futuros candidatos que serão definidos em convenções partidárias até o final de setembro.
A Carta é assinada pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR), Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas (ABAP), Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo (ABEA), Associação Brasileira de Escritórios de Arquitetura e Urbanismo (AsBEA), Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA), Instituto de Arquitetura do Brasil (IAB) e Federação Nacional de Estudantes de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (FeNEA).
Uma das diretrizes proposta pela Carta para que a participação popular se efetive nos processos decisórios é o fortalecimento dos Conselhos Municipais, da representatividade e equidade de seus membros. “É importante a nossa participação em conselhos para que a gente consiga realmente colocar nossa voz e propor as metodologias que a gente tem pensado enquanto projeto de cidade. O poder público precisa “pensar com” e não somente “pensar para” as comunidades das favelas”, defende a historiadora e comunicadora da Redes da Maré Pâmela Carvalho.
A representação indicada pela Carta deve refletir a maioria feminina nas lideranças comunitárias. Pâmela acrescenta ainda, a importância de se ter mais pessoas negras e de origem “favelada” nessas instâncias, para que se tornem mais representativas e tenham sua eficácia garantida.
Políticas públicas com o protagonismo das pessoas é o caminho apontado pelo líder comunitário de Paraisópolis/São Paulo Gilson Rodrigues para a durabilidade das ações.
“Têm muitos programas que viram desenhos bonitos e famosos no papel, mas na prática não acontecem. Se o protagonismo não foi dos moradores, não dura muito tempo, porque as pessoas que implementam uma hora vão embora e quem fica somos nós”, alertou.
Na mesma linha, outra debatedora, a deputada federal Ângela Amin (PP/SC), reafirmou ser estratégico incluir as pessoas nas decisões a serem adotadas pelos gestores. “O processo político não é rápido e precisa da participação popular, daí a importância essencial da educação cidadã e do empoderamento da população”, ressaltou.
As dificuldades enfrentadas pelas favelas sem o apoio do Estado durante a pandemia exigiram uma organização de seus moradores para evitar a contaminação pelo coronavírus. Um exemplo foi a criação em Paraisópolis do projeto dos presidentes de ruas, que colocou o morador como agente de transformação. Na favela, a ação dos moradores transformou escolas em residências para assegurar o isolamento dos positivados e promoveu ações de assistência como entregas de marmitas, kit de higiene, cestas básicas, entre outros.
Mais de 300 comunidades em 14 Estados adotaram uma série de iniciativas que foram compiladas e estão à disposição dos candidatos, segundo Gilson Rodrigues. “O projeto dos presidentes de rua só funciona porque os moradores são agentes da sua própria transformação. A maioria das presidências de rua é ocupada por mulheres que além de cuidarem das suas famílias cuidam de outras 50 famílias”, informou.
A escuta das demandas dos moradores é, portanto, a estratégia mais adequada para a eficácia das políticas públicas, tema recorrente em todos os debates. “Se o planejamento não for participativo, entrará num caminho tecnicista e você terá coisas lindas a fotografar, mas não terá um retorno para o conjunto da sociedade, um abrigo a toda a população”, orientou o arquiteto e urbanista e deputado federal Edmilson Rodrigues (PSOL/PA). “Nada para nós sem nós” como bem expressou a sanitarista e pesquisadora na área da Saúde Karine Santana.
O protagonismo das pessoas nas políticas precisa estar presente no planejamento. Um plano de gestão eficiente deve contemplar forças de Estado, da iniciativa privada, das organizações sociais e da sociedade em geral, como propõe a Carta para os gestores. Para isso, uma das propostas dos debates é a promoção do diálogo intersetorial para que o planejamento não seja feito de forma segmentada.
“Temos de estabelecer uma agenda convergente e que inclua e dê voz aos mais vulnerabilizados para a real promoção de mudanças estruturantes e que minimizem as desigualdades”, argumenta Karine Santana, visão compartilhada pela arquiteta e urbanista Simone Cynamon, ao defender um processo participativo com atores sociais, técnicos gestores, entidades públicas e privadas, movimentos sociais, comunidade e outros.
“O Estado não pode esperar que a solução dos problemas venha da solidariedade e da boa vontade das pessoas, é preciso vontade política para que a mudança realmente ocorra”, finalizou Gilson.