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Carta pela Equidade e Diversidade: pela superação do abismo sociorracial e sexista

 

O racismo é estrutural no Brasil porque se apresenta como base para todas as relações políticas, econômicas e sociais. Essa estrutura é fruto de uma construção histórica baseada na escravização e marginalização das pessoas, que por muito tempo não tiveram acesso a direitos básicos. Assim, a sociedade brasileira foi moldada, mesmo que por vezes inconscientemente, para encarar como normal que pessoas pretas e pessoas brancas ocupem lugares diferentes.

 

O racismo estrutural tem sido uma ideologia que opera como um dos pilares de sustentação das desigualdades, configurando-se como uma grave violência estrutural e institucional presente na sociedade. A questão étnico-racial vincula-se, então, ao próprio processo de construção desigual de nossas cidades, que reproduzem o modelo desigual e discriminatório da nossa formação societária. Os indicadores sociais – mortalidade, ensino, saúde, acesso a espaços de poder institucionais e políticas públicas, cultura e mercado de trabalho – ainda hoje, mostram que pessoas pretas se encontram em desvantagens de acesso a recursos e bens.

 

O IBGE mostra que 75% da população preta no Brasil vive em situação de pobreza (mesmo que esta seja a maior parcela da população – 54,9%), corresponde a 64% dos desempregados no Brasil e o sistema carcerário brasileiro é composto majoritariamente (66,7%) por pessoas pretas. Por isso, não tem como falar de democracia no Brasil sem que o racismo faça parte deste debate público. Devemos ter consciência desse problema e criar políticas, nos espaços de poder que ocupamos, para que o combate à desigualdade racial seja efetivado. Quando se admite a existência do racismo, cria-se automaticamente a obrigação moral de agir contra ele, pois a negação é essencial para a continuidade dessa forma de opressão.

 

O racismo institucional pode ser considerado o principal responsável pela manutenção dessas desvantagens de acesso e violações de direitos das pessoas pretas, não permitindo que se tenha a percepção real do racismo; sobretudo, porque o Brasil constituiu-se sob o mito da democracia racial. Essa modalidade de racismo se efetiva nas estruturas públicas e privadas do país, promovendo, de maneira muitas vezes velada, o tratamento diferenciado, desigual dentro das instituições, denunciando, aos que querem ver, a falha do Estado em prover o princípio da equidade aos diferentes grupos sociais.

 

Ao lado do racismo institucional existem outras modalidades de desigualdades políticas que se articulam e atuam de forma conjunta, sistêmica e estruturante com o racismo, tal como o sexismo, operando de forma entrelaçada, complexificando as questões de opressão e exploração. Por exemplo: mulheres pretas recebem, em média, menos da metade do salário de um homem branco, mesmo exercendo funções similares ou iguais; em 2019, 66,6% das mulheres que sofreram violências doméstica e sexual eram pretas. Somos o país que mais mata pessoas trans.

 

Por esse motivo, esse é um tema urgente a ser tratado no trabalho e na formação dos estudantes e profissionais da arquitetura e urbanismo. Afinal, o enfrentamento a todas as formas de discriminação e opressão tem que estar no cotidiano do exercício profissional, do ensino e formação, e não apenas ser abordado quando uma questão em torno do tema surge. É, portanto, dever dos conselhos profissionais – mais especificamente o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR) – o compromisso com a superação das desigualdades sociais, com o combate a todas as formas de discriminação, opressão e exploração.

 

O contexto político e social do Brasil necessita de um posicionamento de nossa parte diante do desmonte das políticas públicas e retrocessos em relação aos direitos arduamente conquistados. É neste sentido que o CAU/BR, através da Comissão Temporária de Raça, Equidade e Diversidade – CTRED, lança a Carta pela Equidade e Diversidade. Consolidado pela CTRED, comissões e grupos temáticos que se dedicam a trabalhar estas questões dentro dos CAU/UF, a carta apresentada em 25 de maio de 2022  durante o I Seminário da Diversidade do CAU, o documento marca posição a favor da democracia e contribui para o enfrentamento de uma dívida histórica e de superação de um abismo sociorracial e sexista.

 

Um conselho que, de fato, se ocupa com o bom exercício da profissão também se preocupa com os seus profissionais criando políticas de reparação e/ou minimização de problemas estruturais direcionadas àqueles que menos possuem oportunidade de acessar e se estabelecer profissionalmente no seu campo de formação – a saber, negros, mulheres, PCDs, homossexuais e pessoas trans, entre outros; criando condições para que possam exercer a sua profissão de maneira mais justa, sob o princípio da equidade e da empatia.

 

Lembro-me, então, das palavras da ativista Angela Davis: “Precisamos nos esforçar para ‘erguer-nos enquanto subimos’. Em outras palavras, devemos subir de modo a garantir que todas as nossas irmãs, irmãos, subam conosco.”

 

Quando a profissão tenta construir uma direção social crítica, ela o faz buscando referências que permitam olhar para a realidade como um todo, em toda a sua complexidade; e, ao mesmo tempo, viabiliza o constante aprimoramento profissional, possibilitando a revisão constante dos documentos que norteiam o seu posicionamento ético-político, na tentativa de superar as marcas dos preconceitos socialmente construídos e que fazem parte da nossa formação social e política. Se a sociedade muda, é nosso dever compreender e acompanhar essas mudanças.

 

Desconstruir preconceitos exige conhecimento, reflexão e posicionamento ético-político. Porém, não é possível superar limites e barreiras se estes nem sequer são percebidos e apreendidos como tais. Daí nossa importância enquanto comissão: visibilizar a percepção do que aparentemente “não existe”, trazer à tona questões que na boca de alguns “não têm nada a ver com o exercício profissional”. Não é fácil, nem simples, muito menos rápido, mas é urgente e necessário para que possamos caminhar em direção a um profissional que esteja tão comprometido com a construção de uma sociedade mais justa, quanto com sua técnica; que entenda que a arquitetura e o urbanismo, antes de referir-se a prédios e cidades, é compromisso com a vida das pessoas em sociedade.

 

Se estivermos mais qualificados e qualificadas, daremos, no trabalho, respostas melhores. Se efetivamente internalizarmos os valores do projeto ético-político, que são emancipatórios, daremos respostas emancipatórias para “a dureza” do dia a dia — que naturaliza a desigualdade social, estimula o preconceito, desqualifica os indivíduos fora do padrão dominante — tanto no trabalho como nas outras esferas da sociabilidade (Matos, 2015, p. 685)*.

 

LEIA A CARTA PELA EQUIDADE E DIVERSIDADE

 

*MATOS, Maurílio Castro de. Considerações sobre atribuições e competências profissionais de assistentes sociais na atualidade. Serviço Social e Sociedade, São Paulo, n. 124, p. 678-698, out./dez. 2015.

Uma resposta

  1. Senhores, a presente e crescente politização em substituição do caráter eminentemente técnico de um conselho profissional me faz repensar meu registro e me motiva a terminar engenharia civil para deixar o CAU.
    Lamento que a conquista do CAU esteja sendo utilizada para interesses ideológicos aquém da profissão, do profissional e da responsabilidade TÉCNICA, pois com exceção dos itens 4 e 11 da “carta”, nenhuma das ações, na minha opinião, são cabíveis a um conselho profissional, ainda mais porque é muito, mas muito maior o assédio ao profissional de arquitetura vindo de fora dos registrados no CAU, quer seja em empresas, obras ou serviço público, e basta dar um google para se certificar disso.
    Enfim, a escolha de uns poucos, acabará com a profissão dos sonhos da maioria.
    Parabéns aos envolvidos.

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