Fiscalização

CAU/MG se manifesta acerca de intervenções no Mercado Municipal de Uberlândia

O Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Minas Gerais (CAU/MG), após conhecimento de uma cobertura lateral do Mercado Municipal de Uberlândia, enviou denúncia ao Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), alegando que a “intervenção no bem tombado pode implicar em descaracterização dos seus atributos originais e em consequente lesão ao Patrimônio Histórico”. Em resposta, o Ofício 0305/2024 do MPMG ao CAU/MG requisita ao Conselho que se manifeste sobre a resposta do Município de Uberlândia.

Sendo assim, em análise ao ofício Nº 3939/2023/GPGM, elaborado Prefeitura Municipal de Uberlândia, a Procuradoria Geral do Município de Uberlândia respondeu ao MPMG que “não houve intervenção irregular no conjunto de edificação, tombado, tendo em vista que apenas foi realizada a ambientação com pergolado, vasos e plantas na rua interna do Mercado Municipal, primando pela preservação da edificação, sem interferir nas fachadas laterais, não utilizando as fachadas nem as marquises para a fixação de peso ou qualquer objeto de sustentação do projeto de paisagismo, e tampouco houve dano ao calçamento de pedras macaquinho, além de ser uma benfeitoria totalmente reversível a qualquer tempo.”.

No entanto, a Comissão de Patrimônio Cultural (CPC-CAU/MG), diante dos fatos apresentados, considera que houve intervenção dissonante no patrimônio cultural edificado, pois de acordo com Decreto Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937:

“(…)

Art. 17. As coisas tombadas não poderão, em caso nenhum ser destruídas, demolidas ou mutiladas, nem, sem prévia autorização especial do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ser reparadas, pintadas ou restauradas, sob pena de multa de cinquenta por cento do dano causado.

Parágrafo único. Tratando-se de bens pertencentes à União, aos Estados ou aos municípios, a autoridade responsável pela infração do presente artigo incorrerá pessoalmente na multa.

Art. 18. Sem prévia autorização do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, não se poderá, na vizinhança da coisa tombada, fazer construção que lhe impeça ou reduza a visibilidade, nem nela colocar anúncios ou cartazes, sob pena de ser mandada destruir a obra ou retirar o objeto, impondo-se neste caso a multa de cinquenta por cento do valor do mesmo objeto.

(…)”

O objetivo do tombamento (finalidade) é a sua conservação para preservação do patrimônio cultural. Conservar é proteger do dano, da mutilação e da descaracterização. Não obstante, não é adequado entender a noção de conservação como de permanência absoluta, ou de completa inalterabilidade; ao contrário, se a coisa é, pela sua natureza, mutável, sua conservação importa proteger as condições básicas que permitam a continuidade de suas características, segundo a sua própria natureza.

É interessante ressaltar que a visibilidade do bem tombado exigida pela lei tomou, hodiernamente, interpretação menos literal. Não se deve considerar que prédio ou ombrelone ou pérgola que impeça a visibilidade seja tão somente aquele que, fisicamente, obste, pela sua altura ou volume, a visão do bem; não é somente esta a hipótese legal. Pode acontecer que edificação, pelo tipo de sua construção ou pelo seu revestimento ou pintura, torne-se incompatível com a visão do bem tombado no seu sentido mais amplo, isto é, a harmonia da visão do bem, inserida no conjunto que o rodeia. Entende-se, hoje, que a finalidade do art. 18 do decreto-Lei 25/37 é a proteção da ambiência do bem tombado, que valorizará sua visão e sua compreensão no espaço urbano. Neste sentido, não só prédios reduzem a visibilidade da coisa, mas qualquer obra ou objeto que seja incompatível com uma vivência integrada com o bem tombado. O conceito de visibilidade, portanto, ampliou-se para o de ambiência, isto é, harmonia e integração do bem tombado à sua vizinhança, sem que exclua com isso a visibilidade literalmente dita.

Entender o conceito de “patrimônio histórico e artístico” para “patrimônio cultural” significa compreender que o valor de um bem transcende em muito o seu valor histórico comprovado ou reconhecido oficialmente, ou as suas possíveis qualidades artísticas. É compreender que este bem é parte de um conjunto maior de bens e valores que envolvem processos múltiplos e diferenciados de apropriação, recriação e representação construídos e reconhecidos culturalmente e, aí sim, histórica e cotidianamente, portanto anterior à própria concepção e produção daquele bem. (In: Ana Cláudia Aguiar, trab. Mimeogr., “A Comunidade é a melhor guardiã de seu patrimônio?”, p.2, 1987).

Em documento oficialmente aprovado no II Congresso Internacional de Arquitetura e de Técnicos de Monumento Histórico (1964), e que veio a integrar a denominada “Carta de Veneza”, documento básico na orientação internacional de preservação, explicitou-se:

“A noção do monumento não é só a criação arquitetônica isolada, mas também a moldura em que está inserida. O monumento é inseparável do meio em que está situado e da história da qual é testemunho. Consequentemente, é conferido um valor cultural monumental tanto aos grandes conjuntos arquitetônicos quanto às obras modestas que adquiriram, no decorrer do tempo, significação cultural e humana”. (Castro, Sônia Rabello de. O Estado na Preservação de Bens Culturais: o tombamento. Rio de Janeiro: Renovar, 1991. P.85).

Diante do exposto, este Conselho entende que tanto os ombrelones anteriormente existentes, quanto os pergolados propostos, inseridos na paisagem urbana, geram um impacto negativo na ambiência e na leitura urbana do bem tombado, devendo ser retirados e elaborado um estudo de fachadas e de volumetria para nova proposta de interferência no bem tombado.

Tendo em vista a documentação encaminhada, apurou-se que a intervenção no conjunto de edificação, tombado em nível municipal, foi realizada de modo irregular, pois não houve responsável técnico habilitado, arquiteto e urbanista. Sendo assim, a aprovação do Conselho Municipal do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Cultural de Uberlândia (COMPHAC) foi equivocada, pois não considerou exigir que o projeto e execução da intervenção fossem realizados por arquiteto e urbanista, profissional habilitado para tais atividades, conforme estabelece a decisão recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no AgInt no Recurso Especial nº 1.813.857 – PR. Na referida decisão, firmou-se o entendimento segundo o qual apenas os arquitetos e urbanistas podem exercer as atividades de obras e projetos de restauro, com base nas atribuições da profissão descritas no artigo 2º da Lei nº 12.378, de 2010, e, principalmente, pelas disposições da Resolução CONFEA nº 1010, de 22 de agosto de 2005, considerada pelo STJ resolução conjunta entre arquitetos e urbanistas e engenheiros.

Cabe ressaltar que na 4ª ata da reunião do COMPHAC, realizada no dia 12 (doze) do mês de julho de 2021, foi verificada a participação do conselheiro André Luiz Borges de Ávila, representante do CAU/MG, que considerou que “o pergolado poderá causar interferência, tendo em vista que em Arquitetura, volume também é o vazio e quando o dossiê garante a volumetria devemos pensar nas visadas pois, o pergolado é uma materialidade e que poderá prejudicar a leitura de volumetria.”.

A CPC-CAU/MG considera ser necessário que os Conselhos Municipais realizem deliberações referentes às intervenções em bens tombados embasadas em perecer técnico de profissionais habilitados, sendo importante que os Conselhos deem relevância aos questionamentos levantados pelos membros do conselho com formação específica em Arquitetura e Urbanismo.

Tendo em vista que a Arquitetura e o Urbanismo vão além da materialidade do espaço faz-se necessário um estudo mais detalhado sobre a relação da volumetria com o entorno respeitando os requisitos do tombamento do edifício e da ambiência do entorno.

Sendo assim, a Comissão de Patrimônio Cultural recomenda que:

  1.  O Conselho Municipal de Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Cultural – COMPHAC de Uberlândia reveja a aprovação da intervenção do pergolado no Mercado Municipal de Uberlândia, considerando o vício da ausência de responsável técnico com atribuição para realização de projeto e execução em bem tombado, bem como, seja orientado a realizar deliberações amparadas no parecer técnico de arquitetos e urbanistas.
  2. A Prefeitura Municipal de Uberlândia seja orientada a solicitar a elaboração de novo projeto arquitetônico para intervir no Mercado Municipal de Uberlândia, bem tombado, de modo adequado, elaborado por um arquiteto e urbanista.

 

Diante das considerações apresentadas, a CPC compreende a existência da demanda dos comerciantes e da população local no tocante à cobertura do espaço, porém ressalta a importância do respeito à materialidade construtiva do bem cultural e dos requisitos legais definidos pelo tombamento.

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