
Ao palestrar em audiência pública na Câmara dos Deputados, nessa quarta-feira (29/04), o presidente do CAU/BR, Haroldo Pinheiro, defendeu a criação de um capítulo específico para os projetos de Arquitetura e Engenharia na nova Lei de Licitações. A audiência foi promovida pela Comissão Especial que estuda mudanças na Lei 8.666/93.
“Projetos são serviços técnicos de natureza intelectual, diferentemente da licitação de bens materiais. São serviços a serem idealizados, não produtos de prateleira”, argumentou o presidente do CAU/BR, que colocou o Conselho à disposição da Comissão para colaborar na revisão da lei no que toca às boas práticas de Arquitetura e urbanismo. Ele também defendeu:
= Obrigatoriedade de concurso público para contratação de projetos para obras de edificações, paisagismo e desenho urbano
= Vedação da “contratação integrada”, com exigência do projeto completo para contratação de obra pública
= Vedação da modalidade pregão para contratação de obras e serviços de Arquitetura e Engenharia
= Vedação do registro de preços para contratação de obras e serviços de Arquitetura e Engenharia
Outro palestrante, Mauro Ribeiro Viegas Filho, presidente do Conselho Diretor da Associação Brasileira de Consultores de Engenharia (ABCE), tem a mesma posição. Ele critica o dispositivo da legislação licitatória que permite a contratação de projetos por menor preço, defendendo as modalidades de melhor técnica ou melhor técnica e preço. “Não faz sentido contratar serviço de inteligência por menor preço, assim como não se contrata um médico mais barato para se fazer uma cirurgia ou qualquer outra atividade de valor intelectual”.
A Comissão é presidida pelo deputado Carlos Marun (PMDB-MS) e tem como relator o deputado Mário Heringer (PDT-MG). A audiência foi requerida pelos deputados arquiteto Luiz Carlos Busato (PTB-RS), Nelson Marchezan Júnior )PSDB-RS) e Carlos Marun.

PONTOS POSITIVOS E CRÍTICOS – Em sua apresentação, o presidente do CAU/BR fez uma análise da legislação licitatória em vigor no país e dos projetos que objetivam sua revisão. “O CAU/BR julga que a Lei 8.666/1993 foi importante no momento em que foi criada, mas hoje precisa ser atualizada”, disse Haroldo Pinheiro. “Ela “engessa” a máquina administrativa com procedimentos ultrapassados, não abrange serviços inexistentes há duas décadas e mostrou-se inócua no combate a práticas ilícitas”. Um ponto positivo da lei, contudo, é a separação entre o autor do projeto e o executor da obra. O projetista só pode participar da fase de execução da obra exclusivamente a serviço do poder público, nas funções de fiscalização, supervisão ou gerenciamento. “Trata-se de um paradigma da profissão para o setor público que deveria ser mais utilizado”.
“A 8.666/1993, contudo, não foi suficiente para exigir um planejamento rigoroso. O conceito de “projeto básico”, não raras vezes, é confundido com “projeto para aprovação”, ou meros desenhos esquemáticos, gerando projetos deficientes, não cumprimento de prazos e aditivos de preços”.
No caso da Lei 11.462/2011, que instituiu o RDC (Regime Diferenciado de Contratações Públicas), Haroldo Pinheiro apresentou vários exemplos demonstrando ser falso o argumento de que a “contratação integrada” acelerou as obras públicas e evitou aditivos de preços. Conforme dossiê feito pelo CAU/BR com o SINAENCO, um mês antes do início do torneio, apenas um contrato para obra de mobilidade urbana, entre 16 licitados pelo RDC, tinha sido concluído. O VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) de Cuiabá, contratado por RDC por R$ 1,4 bilhão, já custou R$ 1,8 bilhão e deve consumir mais R$ 511 milhões para ser concluído. A licitação foi feita em 2012, a obra deveria estar pronta na Copa e a nova previsão é 2018. Em fevereiro de 2015, a Controladoria Geral do Estado de Mato Grosso auditoria apontando a má qualidade do projeto básico e a condução da obra sem projeto executivo.
No setor aeroportuário, entre 26 contratos licitados pelo RDC, só os três de menor valor terminaram no prazo. A previsão atual é de que o conjunto das obras só deve ficar pronto em 2017, segundo auditores do TCU. Um exemplo são obras do aeroporto de Salvador, licitado por RDC em 2012, que não ficou pronto na Copa, teve o prazo reprogramado inicialmente para maio de 2015 e novamente para junho de 2016.
Entre as sugestões para a uma nova Lei de Licitações, o presidente do CAU/BR destacou o concurso público de projeto, lembrando que o Brasil é signatário dos dois documentos da UNESCO que recomendam a modalidade: Nova Delhi (1956) e Paris (1978). “Os concursos são a forma mais segura, sustentável e democrática para a contratação de projetos de arquitetura, permitindo a avaliação e a escolha do objeto antes de sua aquisição. Com eles, a qualidade do desenho e do espaço são assumidos como constituintes do bem estar e da qualidade de vida dos cidadãos”.
Quanto à contratação de projetos por pregão, ele argumentou que “o melhor preço é o preço justo, não o baratinho”, pois um projeto de melhor qualidade elimina dificuldades na execução e futuramente na manutenção da obra.
Em relação ao projeto completo, Haroldo Pinheiro argumentou que ele elimina riscos de atrasos ou aumentos de custos das obras, valoriza a qualidade dos equipamentos público e possibilita aos órgãos públicos de controle do Estado um melhor acompanhamento do que acontece na obra. Além disso, o projeto completo define bem as responsabilidades: “Quem projeta não constrói, e quem contrói não projeta. Essa separação de responsabilidade é fundamental para a lisura e defesa do interesse público em obras”.
“Outro aspecto é que nenhuma obra pode ser licitada pelo poder público sem a obtenção antecipada de licenças e alvarás. Eventuais questionamentos dos órgãos responsáveis devem ser resolvidos na fase de elaboração do projeto. Se a obrigação ficar por conta do empreiteiro, ele acrescentará na matriz de custos os imponderáveis a que estará sujeito (prazos de aprovação, por exemplo) e a obra ficará mais cara”. Haroldo Pinheiro lembrou ainda que “contratação integrada” leva o poder público a abrir mão de seu papel de planejador da infraestrutura do pais, dos espaços e das edificações públicas das cidades, delegando para as empreiteiras a definição da qualidade do meio ambiente construído brasileiro.
DEBATES – Mauro Ribeiro Viegas Filho, da ABCE, lembrou que a entidade colaborou ativamente na elaboração da Lei 8.666/1993, cujo texto sancionado saiu com um erro, prevendo entre as modalidades a “melhor técnica com melhor preço”, o que é incompatível. “Lutamos insistentemente para modificar essa corruptela. A Engenharia é muitas vezes confundida com atividade de construção, enquanto estudos, projetos é de concepção, não pode ser por contratado por melhor preço ou pregões”.
Segundo ele, nos Estados Unidos, o Brooks Act adota o critério de qualificação da empresa como o princípio básico para a contratação. Na Alemanha, projetos são contratados por técnica, a União Européia proíbe pregão eletrônico, o Banco Mundial e outros organismos multinacionais determinam que projetos de Engenharia devem ser contratados por técnica ou por técnica e preço. A ABCE propôs ao Ministério Planejamento uma mudança na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias), no sentido de que só possam ser designados recursos para obras após terem sido elaborados e pagos os projetos completos.
Em suas apresentações, os palestrantes ressaltaram que o valor do projeto corresponde geralmente de cinco a dez por cento do valor total do empreendimento. No debate com os deputados, eles foram questionados pelo relator Mario Heringer sobre como se pode definir se tais valores estão corretos. Mauro Viegas disse que existe um padrão internacional e que os percentuais dependem da complexidade da obra. Haroldo Pinheiro falou da existência da tabela de honorários do CAU/BR e lembrou que nos concursos públicos o custo do projeto é definido previamente.
O deputado Lúcio Mosquini (PMDB-RO) aprova a ideia da existência de um projeto completo antes da licitação das obras, mas disse que é preciso dar tratamento diferente para uma grande rodovia e uma pequena escola. Ele defende um regime diferenciado para as obras de pequeno porte. O deputado Eduardo Cury (PSDB-SP) disse que “nenhum governante vai querer, ao final de seu mandato, entregar só projetos: ele quer entregar obras. É preciso, então, simplificar a lei para isso poder acontecer, caso contrário haverá sempre ameaça de burla”.
Haroldo Pinheiro lembrou na década de 80, quando foi chefe de Engenharia da Câmara dos Deputados, foi possível realizar obras em prazos curtos, nos períodos de recesso dos parlamentares, com projetos feitos no restante do tempo. “Hoje, com as administrações esvaziadas de corpo técnico, as grandes empreiteiras se apresentam com soluções que partem da premissa errada, sem dar a importância devida, e no momento correto, ao projeto. Não há outro caminho a não ser o planejamento”. Mauro Viegas, por sua vez, lembrou que os projetos de infra-estrutura de grande porte devem ser vistos como projetos de Estado e não de um governo. “É um vício antigo do país que precisamos superar”.
Leia aqui todas as reportagens do CAU/BR sobre a Lei de Licitações
Publicado em 29/04/2015.
10 respostas
Muito boa a matéria!
Importantes os argumentos apresentados, pois expressam cuidados e alertas necessários às novas demandada sociedade brasileira e os vícios que as legislações já ultrapassadas provocam, causando inclusive corrupção, sobrepreço, prazos estendidos e o aculturamento que o bem público tem de ser mais barato, mesmo que implique em pior qualidade e como o argumento, fraco e torto, que um político quer entregar uma obra e não projeto, esquecendo que uma obra pública é um bem, um avanço,da sociedade brasileira e não os louros de um político, partido ou situação.
Parabéns ao CAU e força nesta importante empreitada!
Parabenizo ao Presidente Haroldo Pinheiro e ao grupo de trabalho do CAU BR pela ação. Gostaria que verificassem também o prazo para entrega dos projetos. Em sua maioria, as licitações contemplam projetos de arquitetura e complementares e o prazo de entrega é de 30 a 90 dias. Prazos praticamente impossíveis de se cumprir com qualidade técnica e planejamento.
PARABENIZO O PRESIDENTE NACIONAL DO CAU PELAS EXCELENTES DEFESAS.
Muitas leis são elaboradas sem o devido conhecimento de seus efeitos, sem antever as consequências que elas podem causar durante sua vigência. O imediatismo causa danos não só patrimoniais mas também no concerto social. Mesmo depois, quando os resultados se manifestam negativos, sua adaptação ou mesmo revogação exige uma luta heroica frente ao imobilismo e mesmo indiferença de quem de direito. A argumentação do Haroldo e do Mario Ribeiro com referência à lei 8.666 são muito pertinentes e já não era sem tempo que viessem à tona. Congratulo-me com os dois.
DISCORDO QUANTO A DIZER QUE OS PROJETOS EM SUA MANEIRA GERAL SÃO CONTRATADOS APENAS POR CRITÉRIO DE MENOR PREÇO. QUEM ASSIM PROPALA DESCONHECE AS LICITAÇÕES DE PROJETOS QUE ACONTECEM SISTEMATICAMENTE EM NOSSO PAÍS. POIS ANTES DO CRITÉRIO DO MENOR PREÇO, VIA PREGÃO, TOMADA DE PREÇO OU CONCORRÊNCIA SEMPRE OS EDITAIS EXIGEM DAS FIRMAS CONCORRENTES QUALIFICAÇÕES PRÉVIAS, COMO ATESTADOS VINCULADOS AO CREA OU AO CAU E CERTIFICADOS TÉCNICOS POR PARTE DOS RESPONSÁVEIS TÉCNICOS DAS EMPRESAS, PARA DEPOIS SÓ AÍ ENTÃO SER CONSIDERADO TAMBÉM O CRITÉRIO DE PREÇO. SE EXISTE DISTORÇÃO EM ACEITAÇÃO DE FIRMAS VENCEDORAS SEM QUALIFICAÇÃO NÃO É CULPA DELAS E SIM DO CORPO TÉCNICO DAS EMPRESAS CONTRATANTES QUE NÃO ANALISAM CORRETAMENTE O QUE PEDE O EDITAL, OU NA PRESSA DE SE LIVRAREM DO TRABALHO ACEITAM EMPRESAS INCAPACITADAS. PORTANTO NÃO EXISTE ESSA, PELO MENOS COMO RESPONSÁVEL TÉCNICO E PROPRIETÁRIO DE EMPRESA DE PROJETOS A MAIS DE 25 ANOS DE ACHAR QUE A LEI ESTÁ DEFASADA. É UM ERRO ESSE PENSAMENTO,MUITO PELO CONTRÁRIO É UMA EXCELENTE LEI QUE DEVE SER DEVIDAMENTE COBRADA QUANTO AO SEU CUMPRIMENTO E SER APERFEIÇOADA QUANTO A ESSE ASPECTO. ESSA DE SÓ CONTRATAR MEDIANTE APENAS O ASPECTO TÉCNICO SEM CONSIDERAR TAMBÉM O PREÇO SÓ BENEFICIA OS GRANDES ESCRITÓRIOS DE PROJETOS EM DETRIMENTO DOS ESCRITÓRIOS MÉDIOS E PEQUENOS. TAMBÉM QUANTO, SÓ ATRAVÉS DE CONCURSO PÚBLICO HAVER A POSSIBILIDADE DE CONTRATAÇÃO DE ESCRITÓRIOS DE PROJETOS PARA ÓRGÃOS PÚBLICOS, É UMA VISÃO APENAS DAS EMPRESAS DE PROJETOS, ESQUECENDO A NECESSIDADE POR PORTE DO CONTRATANTE, EM MUITAS OPORTUNIDADES DE UM PROJETO EXECUTIVO MAIS RÁPIDO,POIS SABEMOS QUE QUALQUER CONCURSO PÚBLICO DENTRO DE NOSSA REALIDADE DEMORA MUITO MAIS PELAS SUAS ETAPAS NECESSÁRIAS DE SAIR UM VENCEDOR.O CONCURSO PÚBLICO PODERIA SER COLOCADO COMO OBRIGATÓRIO EM PROJETOS DE DE GRANDE MAGNITUDE E IMPACTO SOCIAL, QUE DEVERIA SER DETERMINADO PELA NOVA LEI.
JÁ QUANTO AO RDC CONCORDO INTEIRAMENTE COMO CAU/BR.
Acredito que os arquitetos que estão em orgãos públicos tem plena capacidade de projetar e gerenciar as obras de seus respectivos órgãos, mas o que não pode acontecer é ser licitados projetos “básicos” ou só ante projetos e se passar as empreiteiras a responsabilidade de fazer os projetos complementares. Desse modo não há projeto executivos mas projetos fragmentados, sem compatibilização,e então sujeitos a todo ordem de atrasos, má execução, e aditivos. Licitações de obras públicas deveriam ser não por menor preço mas por melhor qualidade, melhor competência e de projetos completos, projetos executivos. Esse tem sido o grande mau de nossas obras públicas, onde se entregam um produto ruim, mau acadado e muitas vezes superfaturadas.
Concursos para obras públicas só funcionam se estipulados os valores orçamentários e o resultado final de seu processo seja um projeto executivo compatibilizado, com cronogramas e orçamento analítico.
Não concordo que todas as obras devam ser por concurso.
Alguns projetos exigem conhecimento muito especifico para serem realizados dessa forma, mas concordo que as demais condições de licitações hoje são muito ruins para nós.
Se os políticos se preocupassem menos com a INAUGURAÇÃO e se interessassem mais pela PÓS-OCUPAÇÃO, verdadeira finalidade de uma obra, os resultados certamente seriam melhores.
Mas para isso … teriam de aceitar o óbvio de que construção (obra) é o resultado de um processo sistêmico e que não há etapa técnica irrelevante, bem como, que este processo técnico para ser cumprido na integra, com o devido zelo e respossabilidade NÃO CABE EM UM MANDATO, basta verificar apenas a vida útil de uma construção.
Teriamos representantes com esta capacidade de aceitação? Políticos mais interessados na nação e menos com eleição.
A arquitetura está ai para colaborar com a sua antiga voz da experiência. Escuta quem quer!
Outras nações escutaram …
Boa a defesa Haroldo Pinheiro e do Mauro Ribeiro!
A 8.666, por experiência no convívio com Licitações e na prática do que se vê, não estimula o Planejamento, não estimula o desenvolvimento de novas técnicas construtivas, novas tecnologias, não estimula o investimento dos profissionais de engenharia e arquitetura, e mesmo das empresas a se tornarem melhores, mais qualitativas, mais ágeis.
O resultado das licitações pela 8.666 são na maioria o menor preço. Os atestados acima, referido pelo Itamar, só capacitam a empresa a esta apta. A pós ganho uma Licitação pelo menor preço se entrega qualquer coisa, menos qualidade que exige um bom conceito de projeto, técnica e documentação de qualidade. Isto é tempo, é planejamento.
Neste contexto, a grande maioria dos escritórios ficam fragilizado, sem recursos para investimentos que os qualifiquem para serem competentes.
Montados na 8.666 os departamentos de licitação da maioria dos Órgãos Públicos, são de pessoas incapazes de julgar um Projeto por “Melhor Técnica”, não há equipe para tal função.
Os Licitantes contratam pelo menor preço, pois já é praxe, “jurisprudência” se assim posso me expressar. Temem lá na frente ser julgado pelo TCU por ter contratado um projeto por um preço mais elevado!
O Estado é a mais importante referência de “cliente” de Projeto e Obra que temos. Se ele não dá importância ao Planejamento que é a base à qualidade de seu patrimônio edificado, isso reflete em toda em toda a cadeia produtiva como importante cliente que é. Planejamento, qualidade de projeto e nação desenvolvida, sempre caminham juntos.