O papel social do arquiteto e urbanista e o legado dos jogos olímpicos foram alguns dos temas discutidos neste sábado (24/09), durante a II Conferência Estadual de Arquitetos e Urbanistas e o 5º Encontro com a Sociedade, realizados pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro (CAU/RJ), na sede do IAB-RJ. A II Conferência, que tem o tema “A Cidade e a Urgência do Projeto”, continua segunda e terça-feira.
Para o presidente do CAU/RJ, Jerônimo de Moraes, o objetivo do 5º Encontro, previsto no Regimento Interno do Conselho, é promover o diálogo mais amplo com a sociedade. “A população enxerga o CAU como defensor da classe, mas, além de defender a profissão, o Conselho deve garantir os interesses da sociedade. Queremos ouvir a sociedade para melhor desempenhar nosso papel”.
O presidente do IAB-RJ, Pedro da Luz considera o evento uma preparação para o Congresso da UIA 2020. “Esse encontro, assim como o Congresso da UIA, deve servir para repensar a cidade brasileira e seu modelo de exclusão. Precisamos desnaturalizar a forma como as cidades se desenvolveram, que não é inclusiva”, afirmou.
Participaram da mesa de abertura, além dos dois presidentes, o Monsenhor Luiz Antônio Lopes e a presidente da Federação das Associações de Moradores do Município do Rio, Sonia Rabello. O Monsenhor fez um relato de seu trabalho à frente da Pastoral das Favelas. “Quando uma família é removida, a indenização que ela recebe não recompensa os laços afetivos e humanos perdidos”, disse.
Já Sonia Rabello afirmou que o caminho para ouvir a sociedade não tem sido simples. “Não existe unanimidade em relação a um projeto de cidade”, observou, a partir de sua experiência com as associações de moradores. “É da maior importância que instituições de natureza civil se reúnam para debater a cidade, porque isso significa uma força política junto ao chefe do executivo e, principalmente, junto aos vereadores. Sem a sensibilização dos legisladores não conseguiremos planos que agreguem os vários interesses públicos”, concluiu.
O exemplo da Rocinha
O primeiro Diálogo do CAU discutiu o papel social da arquitetura e a responsabilidade do projeto, com a presença do arquiteto e urbanista Luiz Carlos Toledo, que desenvolveu o Plano Diretor Socioespacial da Rocinha, e José Martins de Oliveira, do projeto Rocinha sem fronteiras.
“Trabalhar na Rocinha foi uma experiência que mudou minha vida e minha forma de projetar”, contou Toledo. “Cheguei à comunidade com um olhar míope, mas que começou a ficar focalizado pouco a pouco. Percebi que um beco não é só um beco, pode ser o corredor de uma habitação social. Um beco pode funcionar muito bem se for corretamente iluminado e ventilado”, disse.
O arquiteto e urbanista ressaltou a importância da participação dos moradores na elaboração dos projetos, estimulando a capacitação da população local. Toledo afirmou ainda que a Rocinha é um verdadeiro exemplo de cidade compacta.
José Martins de Oliveira explicou que a Rocinha sem Fronteiras é um grupo de moradores que se reúne há dez anos e busca exercer seus direitos e deveres. Morador da Rocinha há quase 50 anos, ele falou sobre a relação conflituosa entre o poder público e a comunidade. “Em 2013, entramos com representação no Ministério Público contra o estado por não terminar as obras do plano inclinado e da canalização do esgoto”, contou. Martins também questionou o fato de a estação de metrô da Linha 4 recém-inaugurada se chamar São Conrado. “Os moradores da Rocinha são a maioria dos usuários da estação”.
Minha Casa Minha Vida e as Habitações Sociais
O primeiro debate do dia deu continuidade ao tema das experiências em habitação social, abordando ainda a assistência técnica e o programa Minha Casa Minha Vida. A geógrafa Ana Lucia Britto, professora da FAU/UFRJ, avaliou o funcionamento do programa Minha Casa Minha Vida e alguns aspectos que, para ela, colaboram para reduzir a qualidade das habitações construídas.
“Os promotores dos empreendimentos são do setor privado e, portanto, visam ao lucro. Para isso, o empreiteiro considera duas questões: o preço da terra e a construção em grande escala. Como a oferta de terras em áreas centrais da cidade é muito restrita, as habitações são construídas em áreas periféricas, muitas vezes, em áreas sem infraestrutura urbana”, explicou. Ela citou o exemplo do condomínio Valdariosa, em Queimados, que recebeu uma unidade do programa. No entanto, a região não possui abastecimento de água.
Jurema Constâncio, representante da União de Moradia Popular, ressaltou a necessidade de assessoria técnica para a população que deseja construir casas de melhor qualidade e fez uma comparação entre o programa Minha Casa Minha Vida tradicional e o MCMV Entidades, em que os moradores constroem suas casas segundo modelos de mutirão e autogestão, citando o exemplo da cooperativa de habitação Esperança. A mesa contou também com a presença da advogada Eliane Souza de Oliveira da Pastoral de Favelas e do Conselheiro do CAU/RJ Antônio Augusto Verissimo.
O legado olímpico e a nova agenda urbana
O último debate, coordenado pelo vice-presidente do CAU/RJ, Fernando Valverde, contou com uma longa apresentação do diretor de projetos da Empresa Olímpica Municipal, Roberto Ainbinder. Ele fez uma breve retrospectiva das tentativas do Rio de sediar os Jogos Olímpicos e Paralímpicos, lembrando que, quando foi escolhido como sede, o Rio derrotou as cidades de Tóquio, Madri e Chicago. “Os desafios da cidade nos ajudaram a vencer, pois o Rio era uma cidade que podia ser transformada pelos eventos”, afirmou.
Ainbinder explicou que os jogos foram organizados considerando três “mandamentos”: legado, economia de recursos públicos e não deixar “elefantes brancos” para a cidade. Segundo ele, os eventos esportivos possibilitaram que várias obras de infraestrutura saíssem do papel.
Como exemplo de legado, Ainbinder citou as mudanças na área do Porto Maravilha, a ampliação da rede hoteleira, a qualificação dos entornos das instalações, a integração da malha viária com a implantação de BRTs e do VLT, controle de enchentes da região da Tijuca, a duplicação do Elevado do Joá, entre outros. “Para cada um real gasto em instalações esportivas (R$ 7,07 bilhões no total), cinco foram investidos em obras de legado (R$ 24,6 bilhões no total)”, disse.
O diretor de projetos da Empresa Olímpica Municipal informou que foram construídas 15 novas instalações esportivas, todas feitas por meio de concurso público, e ressaltou que a Arena do Futuro e o Parque Aquático foram projetados de forma a se transformarem em escolas públicas e outros dois centros aquáticos menores. Ainbinder afirmou que está em andamento licitação para gestão dos equipamentos que permanecem no Parque Olímpico. Citou ainda o prefeito de Barcelona ao repetir que os Jogos Olímpicos devem servir à cidade e não o contrário.
O economista Marcelo Neri, diretor da FGV Social, apresentou a pesquisa sobre legado pré-olímpico, realizada pela instituição, que afirma que indicadores de educação, trabalho, serviços públicos, transporte, inclusão digital e desenvolvimento social melhoraram desde o anúncio da realização dos Jogos até agora, o que, não necessariamente, garante uma relação de causa e efeito entre a melhora dos índices e os Jogos.
Neri também apresentou dados sobre o envelhecimento da população carioca. Segundo ele, o Rio é uma cidade de “idosos bronzeados” e mostrou que a população jovem está concentrada em favelas. “Os arquitetos e urbanistas deveriam estudar Copacabana (bairro que possui muitos idosos) e estudar as soluções que têm sido adotadas”, orientou, acrescentando que o futuro do Rio de Janeiro está nas favelas, se considerados os dados demográficos.
Para o mediador do debate, o coordenador executivo da Casa Fluminense, Henrique Silveira, a nova agenda urbana da cidade deve estar focada na igualdade, democracia e desenvolvimento sustentável. “O Rio de Janeiro deve se entender como uma das maiores metrópoles do país. Devemos pensar em novos eixos de desenvolvimento, adensando a periferia, que ainda é formada por cidades-dormitórios. Outra questão é o saneamento básico e a despoluição da Baía de Guanabara. Não fizemos um dever de casa do século XIX. Outro ponto é a urbanização de favelas”, pontuou. “É uma pena que as favelas não tenham sido incluídas nesse legado olímpico”.
FONTE: CAU/RJ
Publicado em 26/09/2016