Sempre que acontece algo importante no Rio a sua repercussão alcança todo o país. Não há dúvida de que essa realidade elevou consideravelmente a autoestima do carioca e influenciou a divulgação da sua cultura. Não obstante esse reconhecimento observa-se que o clima de otimismo que pairava sobre a cidade vem dando lugar a um sentimento de desesperança.
Boa parte desse mal-estar se deve à conjuntura econômica nacional e seus reflexos na vida da cidade. Além das relações com um governo federal sem credibilidade, o Rio depende de conjecturas políticas com um governo estadual medíocre e refém dos seus próprios erros. Para agravar a situação a cidade está entregue a uma administração municipal apática e dominada por conflitos de gestão interna e de relacionamento externo.
Para complicar esse quadro, assiste-se o crescimento da violência urbana interferindo no cotidiano da cidade. Enquanto empresas e lojas fecham as portas, o mercado imobiliário permanece estagnado. No entanto, em morros e outras áreas devolutas prospera um mercado paralelo de construções informais com foco nas camadas da população que não dispõem de recursos para adquirir a sua moradia em áreas urbanizadas.
Não se espantem ao saber que quase um quarto da população carioca vive em aglomerações urbanas informais desprovidas de urbanização, de saneamento básico, de coleta de lixo e de outros serviços disponibilizados na cidade. E que ainda por cima são obrigadas a se submeter à tirania de traficantes e milicianos que controlam pela força a vida nessas comunidades.
Esta é uma questão que atravessa anos sem que se encontre uma forma consensual de atuar nessas áreas de interesse social. A alternativa recorrente adotada pelo Estado tem sido a construção de grandes conjuntos habitacionais em localidades afastadas dos núcleos urbanos. Além do equívoco urbanístico, trata-se de projetos de baixa qualidade e de obras sujeitas à degradação precoce. Com o passar do tempo, a imagem desses conjuntos tende a se assemelhar a de guetos de pobreza relegados ao abandono.
Era de se esperar que em regimes democráticos as benesses do modelo econômico vigente chegassem aos que ocupam a base da pirâmide social, o que não acontece. Basta verificar o número de trabalhadores desempregados e de pessoas que vivem pelas ruas lutando pela sobrevivência. Em um país como o nosso, marcado por indicadores humanos indecorosos, não se justifica, em nenhuma hipótese, a redução de investimentos em áreas de interesse social.
Sei que não se pode atribuir exclusivamente ao aspecto financeiro a responsabilidade pelos dramas da nossa sociedade. No entanto, é visível que a desigualdade de renda vem contribuindo significativamente para o aumento dos conflitos sociais e da violência urbana. A sensação de prazer que toma conta do indivíduo ao adquirir um determinado produto apresenta como contrapartida a frustração de quem não consegue realizar tal desejo.
Mesmo que de forma indireta esse processo vem contribuindo para o crescimento do mercado da ilegalidade. Contrabando de mercadorias e comercialização de produtos falsificados são exemplos que saltam aos olhos em nossas cidades. A corrupção endêmica que se alastra pela sociedade faz parte de uma engrenagem promíscua que nivela criminosos sem eira nem beira aos corruptos de colarinho branco. A diferença entre eles encontra-se no tamanho do montante arrecadado com o produto do roubo.
Se a sociedade não atentar para estas questões, em breve veremos a anomia e a barbárie predominar na cidade. Antes que isso aconteça, precisamos nos reinventar e construir as bases de uma sociedade mais justa, honesta e participativa. O saudoso geógrafo Milton Santos alertava que se as cidades continuassem entregues exclusivamente ao livre jogo do mercado, a tendência seria ver as desigualdades crescerem e a formação de espaços urbanos desprovidos de cidadania. O que precisamos de fato é de cidades que assegurem a cidadania para todos os seus cidadãos.
Espero que os atuais conflitos ideológicos não desestimulem os indivíduos a tomarem iniciativas conjuntas visando resgatar os valores da solidariedade humana. Trata-se de uma tarefa complexa que exige o esforço individual e coletivo da população, e o apoio indispensável dos governos e das organizações de interesse social e cultural. Se não houver uma rápida resposta a esse desafio correremos o risco de assistir a derrocada do humanismo e a ascensão de alguma forma de totalitarismo. Afinal, não são poucas as sociedades que ao longo da história foram espezinhadas por ditaduras de diferentes espécies.