Novembro é um mês de grande significado para a população negra no Brasil, marcado por ações e reflexões em torno da Consciência Negra. Dentro desse contexto, o dia 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra, ganha destaque como um momento para celebrar conquistas e reforçar a luta por igualdade e reparação histórica. Para discutir a presença e os desafios enfrentados por arquitetos e urbanistas negros, o Perspectiva CAU conversou com a arquiteta e urbanista Stephanie Ribeiro, que compartilhou suas experiências e perspectivas em relação a profissão.
Stephanie Ribeiro ingressou na faculdade de arquitetura em 2012 e, desde o início, enfrentou dificuldades relacionadas à representatividade e ao racismo estrutural. “Na minha formação, percebia a ausência da pauta racial no currículo, assim como a falta de referências de arquitetos negros no mercado. Era difícil encontrar prédios que valorizassem a cultura negra ou que fossem projetados por profissionais negros”, conta.
Os desafios não se limitaram ao ambiente acadêmico. Durante sua graduação, na Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC Campinas), Stephanie Ribeiro foi vítima de ataques racistas e precisou registrar um boletim de ocorrência. Já no mercado de trabalho, lida com preconceitos que questionam sua presença como arquiteta. “Muitas vezes, as pessoas não acreditam que sou arquiteta. Já ouvi frases como ‘Jura que você é arquiteta?’. Essa incredulidade reflete o racismo estrutural que permeia a sociedade”, diz.
Apesar dos obstáculos, Ribeiro reconhece avanços importantes nos últimos anos. “Hoje vemos arquitetos negros ganhando espaço, como na Casa Cor e em concursos significativos. No Rio de Janeiro, por exemplo, teremos o Museu da História e Cultura Afro-Brasileira (Muhcab), liderado por uma equipe de arquitetos negros, sob a chefia de Marcos, que é uma referência no Brasil”, destaca.
A arquiteta e urbanista também celebra iniciativas como o projeto Arquitetas Negras, coordenado por Gabriela de Matos, premiado internacionalmente, e o Projeto Aproximação, que busca inserir jovens negros no mercado de arquitetura. “São ações fundamentais, mas ainda pequenas frente ao tamanho e à diversidade do Brasil. Contudo, são exemplos que apontam para um futuro mais inclusivo”, frisa.
Educação como ferramenta de transformação
Recentemente aprovada no mestrado em Artes pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), Stephanie Ribeiro vê a educação como um pilar para a reparação histórica e a luta pela igualdade. “Sou fruto das cotas raciais e do ProUni, e isso foi determinante na minha trajetória. A educação democratiza o acesso e permite que mais negros ocupem espaços antes inalcançáveis”.
Ribeiro ressalta, no entanto, a carência de conteúdos que valorizem a herança africana e afro-brasileira. “Na arquitetura, há elementos com raízes profundas na cultura negra, como os Sankofas nos portões ou o trabalho artesanal, mas isso é pouco abordado. Precisamos superar a ideia de que a questão racial só cabe em discussões sobre sofrimento, reconhecendo também a produção intelectual e artística dos negros”.
A arquiteta compartilha como as artes têm influenciado seu trabalho e visão estética. Inspirada por artistas como Maria Lira Marques e pelas mulheres do Vale do Jequitinhonha, ela explora a conexão entre o fazer manual, a ancestralidade e a arquitetura. “Essas mulheres não apenas criam cerâmicas, mas também transformam seus ambientes com materiais tirados de seus quintais. Isso carrega uma ancestralidade poderosa”.
Destaca também um movimento modernista na arquitetura africana, que conheceu durante uma viagem a Londres. “Foi fascinante ver como o modernismo foi adaptado ao contexto africano. É um lembrete de que arquitetos negros têm o direito de experimentar e buscar identidade em todos os aspectos”.
Como mensagem, neste primeiro ano em que o Dia da Consciência Negra é reconhecido como feriado nacional, Stephanie sugere: “Procure quebrar a ignorância sobre o que significa ser negro no Brasil. Leia, visite exposições, conheça o trabalho de artistas, arquitetos e designers negros. Não ache que está tudo bem, porque não está. A maior parte da população negra ainda vive às margens da sociedade, e muitas dessas pessoas são mulheres. Precisamos de ações coletivas para mudar essa realidade”.
Além disso, reforça a importância de iniciativas como o Projeto Aproximação e incentiva a sociedade a buscar um futuro onde escolhas como a sua – ser arquiteta – sejam mais comuns e menos questionadas. “A arquitetura é minha forma de expressão e resistência. Espero que muitos outros jovens negros possam encontrar na educação e no trabalho o caminho para construir sua própria história”.