Déa Torres de Paranhos, filha de Alfredo de Mattos Paranhos e Olga Torres de Paranhos, nasceu no dia 5 de março de 1915. Em 1930, com 15 anos, ingressou na Escola Nacional de Belas Artes da Universidade do Rio de Janeiro, no curso especial de Arquitetura, na mesma turma de Oscar Niemeyer.
Se formou como Engenheira-Arquiteta em 1934, com apenas 19 anos, sendo a única mulher da turma a adquirir o título de arquiteta e a primeira a se registrar no CREA, em 1935.
Ainda na sua fase estudantil, Déa participou de um importante movimento social feminino: a União Universitária Feminina, que tinha como objetivo principal assessorar e apoiar mulheres em sua vida universitária e contava com um programa de bolsas de estudos. A iniciativa foi criada e desenvolvida por Bertha Lutz e Carmen Portinho, protagonistas do movimento pelo sufrágio feminino no Brasil.
Atuou profissionalmente no serviço público ao lado de Carmen Portinho e Affonso Eduardo Reidy. Ingressou na Prefeitura do Distrito Federal e depois passou a trabalhar na Superintendência de Urbanização e Saneamento do Estado da Guanabara (SURSAN).
Durante o seu trabalho na Prefeitura, Carmen Portinho criou a revista PDF – Prefeitura do Distrito Federal, que depois mudou o nome para Revista Municipal de Engenharia. Déa também participou dessa revista escrevendo junto com Carmen dois artigos: o primeiro para o Volume III nº 5 da revista, em novembro de 1936, chamado Aerofotogrametria; e o segundo para o Volume IV nº 2, em março de 1937, chamado Aerofotogrametria – Notas de aulas de Curso de Urbanismo da Universidade do Distrito Federal.
Em 1937, Carmen Portinho reuniu em sua casa um grupo de onze mulheres, suas amigas e companheiras, e nesta reunião foi fundada a Associação de Engenheiras e Arquitetas Brasileiras, que mais tarde passou a se chamar Associação Brasileira de Engenheiras e Arquitetas (ABEA). Déa estava entre essas pioneiras que tinham como objetivo reunir mulheres, engenheiras e arquitetas, para participar do desenvolvimento nacional, promovendo o intercâmbio de ideias, informações e contatos profissionais.
Participou do primeiro curso de Urbanismo, uma especialização com duração de três anos, oferecido pelo Instituto de Artes da Universidade do Distrito Federal, junto com Carmen, e defendeu seu trabalho final de curso em 1938. Elas eram muito amigas e moravam no mesmo prédio, no bairro do Leme, no Rio de Janeiro.
Participou do I° Congresso Brasileiro de Urbanismo, realizado no Rio de Janeiro, e fez parte da Terceira Comissão de Estudos do Congresso, com o nome de Aplicação e Execução: Plano Regulador e Regional – Financiamento das obras de urbanização. Essa comissão tinha como principal objetivo debater a confecção de planos reguladores e os seus procedimentos de execução, assim como a formação de fundos especiais para famílias em áreas de desapropriação e a organização de assistência social dentro do plano urbanístico da cidade.
Em 30 maio de 1942, Déa foi citada como parte de uma delegação para eleger os profissionais responsáveis pelos trabalhos das obras para a Estrada de Ferro Central do Brasil. Em 16 de abril de 1949 foi promovida para “arquiteto” no quadro permanente e novamente em 16 de dezembro de 1949 recebeu uma nova promoção. Por fim, em 14 de junho de 1952, foi citada como uma das servidoras responsáveis pelas obras de diversas ruas da cidade. Sua atuação profissional, mesmo pouco registrada, é notória, considerando as suas promoções em um curto espaço de tempo.
Participou das obras do Aterro do Flamengo e da obra de alargamento do Túnel Rio Comprido-Laranjeiras (O Túnel da Rua Alice), iniciada durante o governo do prefeito Mendes de Morais e concluída em 1952. Trabalhou durante toda a sua carreira profissional na SURSAN, participando de diversas obras pela cidade, tendo notoriedade e sendo inclusive citada por Lota de Macedo Soares em uma carta ao então governador Carlos Lacerda, após sua nomeação como assessora do Departamento de Parques da Secretaria Geral de Viação e obras e a Superintendência de Urbanização e Saneamento, em 1961.
Alguns anos mais tarde, assessorou Fernando Nascimento da Silva no desenvolvimento do livro Rio de Janeiro em seus 400 anos. A publicação conta a história da cidade por meio da visão de diversos engenheiros, arquitetos, sanitaristas, geógrafos, geólogos e historiadores. A obra traz um resumo histórico do desenvolvimento urbano da capital reunindo diversos artigos, fotos e mapas. A primeira edição data de 1965 e foi lançada pela Editora Record.
Déa Torres de Paranhos foi sem dúvida uma pessoa à frente de sua época. Era ligada ao mundo das artes e viajava sempre que possível para o exterior. Infelizmente, por volta do ano de 1966, após uma viagem à Iugoslávia, começou a sentir um incômodo nos olhos e acabou por perder a visão, sendo então obrigada a se aposentar. Era uma mulher independente que morava sozinha, não chegou a se casar e nem teve filhos. Devido à perda da visão, acabou se mudando para a casa de uma prima onde morou por um ano até se reestabelecer. Refez sua vida em sua nova condição e voltou a morar sozinha até o fim de sua vida, em 2001.
Cinthia Lobato Serrano
Arquiteta e Urbanista graduada pela Universidade Federal Fluminense (2010), Cinthia Serrano é mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal Fluminense (2013) com pesquisa sobre o resgate de pioneiras no cenário profissional. Tem experiência na área de Arquitetura e Urbanismo, com ênfase em Modernismo, atuando principalmente nos seguintes temas: patrimônio moderno, arquitetura moderna, patrimônio em risco e urbanismo, arquitetura comercial (lojas e restaurantes).
Entrevista com a pesquisadora
- Explique a sua pesquisa resumidamente (metodologia, variável e unidade de análise, recorte temporal).
A pesquisa realiza um resgate histórico das pioneiras no cenário profissional tanto da Arquitetura quanto de áreas afins, que na época era um tema ainda pouco explorado no ambiente acadêmico. Após a minha dissertação, outras seguiram esses importantes passos, tratando sobre a presença da mulher na Arquitetura brasileira. O trabalho buscava o entendimento sobre a evolução social feminina, assim como o seu ingresso no ambiente universitário e a conquista do mercado de trabalho. Foi realizado um estudo sobre o papel feminino na sociedade, o ensino de Arquitetura no Rio de Janeiro, com análise dos livros de matrículas e dos recebimentos de diplomas da Escola Nacional de Belas Artes (ENBA) – no período do início do século XX até 1944, e dos registros profissionais do CREA-RJ, de forma a buscar as profissionais que conquistaram um espaço no ambiente predominantemente marcado pela presença masculina. Buscado revelar alguns aspectos dessa conquista no âmbito mais restrito esta dissertação focaliza, por diferentes razões, as trajetórias da arquiteta Déa Paranhos, engenheira Carmem Portinho e arquiteta Lina Bo Bardi como figuras representativas desse cenário da primeira década do século XX.
- O que te motivou a pesquisar sobre o tema?
Eu sentia um grande desconforto por só ouvir falar de arquitetos homens famosos e pensava: “será que não existem mulheres interessantes neste universo? Afinal eu sou mulher, a minha faculdade tinha mais de 70% de estudantes mulheres e mesmo assim estudamos apenas Lina Bo Bardi.”
Essa inquietude, unida ao contexto em que fiz o mestrado, onde tínhamos a primeira presidente mulher no país, motivaram a escolha do tema.
Senti então uma necessidade em fazer um resgate histórico sobre o papel feminino na sociedade e sobre o ensino de Arquitetura no Rio de Janeiro.
- Qual a relevância da(s) arquiteta(s) pesquisada(s) para a historiografia da Arquitetura e do Urbanismo?
No recorte temporal da dissertação, foram pesquisadas Carmem Portinho, Déa Paranhos e Lina Bo Bardi. Carmem e Lina, muito mais conhecidas, tiveram bastante relevância em suas carreiras. A Déa, um pouco menos conhecida, teve uma vida de trabalho mais ligado à prefeitura do Rio, tendo como área de atuação o Urbanismo.
- Comente os dificuldades e/ou especificidades enfrentadas pela(s) arquiteta(s) pesquisada(s) no exercício profissional relacionadas ao fato de ser(em) mulher(es)?
A maior dificuldade era realmente relacionada a encontrar essas mulheres que iniciaram os estudos de Arquitetura. A falta de disciplinas voltadas para uma visão ampla social tanto na graduação como na pós-graduação também pode ser destacada. A visão da cidade ainda é muito marcada, mas também devemos olhar o homem, no sentido do grupo que utiliza aquela cidade, tendo uma visão mais humanista e social. Hoje, se fosse realizar novamente essa pesquisa, abrangeria aspectos psicológicos e estudos de psicologia e comportamento humano.
No recorte temporal da pesquisa, a sociedade como um todo ainda era muito voltada para a mulher dentro de casa, como provedora do acolhimento de seus filhos e familiares. Muitas mulheres ainda se colocavam em segundo lugar em relação aos seus maridos, muitas vezes contribuindo com seus trabalhos, mas sem receber os créditos.
- Indique link(s) ou arquivo(s) para demais informações sobre a sua pesquisa, ou artigos publicados relacionados ao tema (podendo incluir referências bibliográficas de outras autorias).
Sites
CAU – Conselho de Arquitetura e Urbanismo.
Decreto no 11.749, de 13 de outubro de 1915. Acesse AQUI.
Escola de Belas Artes da UFRJ.
FAU – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo.
G1 – Site administrado pelo grupo “O Globo” . Matéria: “Dilma será a 11ª mulher presidente na América Latina” de 01 de novembro de 2010.
IAB – Instituto de Arquitetos do Brasil.
Revista Ciência Hoje, publicada em 1995.
Documentários
COHEN, Peter (direção e roteiro). Arquitetura da destruição. Narração: Bruno Ganz. Suécia, 1989 (119min.). FERRAZ, G. Isa; MICHILES, Aurélio.
Lina Bo Bardi. São Paulo: Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, 1993 (50min.).
Filme
Reidy, a construção da utopia (2008)
Flores raras (2013), que conta a história da arquiteta Lota Macedo.