
O desafio para a execução da Nova Agenda Urbana, aprovada no ano passado durante a Habitat III – Terceira Conferência das Nações Unidas sobre Moradia e Desenvolvimento Urbano Sustentável, em Quito, Equador, foi o principal assunto da mesa-redonda que abriu nesta quinta-feira (16/03) as discussões do V Seminário Legislativo de Arquitetura e Urbanismo, em Brasília. O evento é promovido pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR) em parceria com a Comissão de Desenvolvimento Urbano da Câmara dos Deputados.
“Nosso trabalho não terminou em Quito, ele se iniciou em Quito. Estamos só começando. Vinte anos é um prazo médio em termos de desenvolvimento e precisamos dar andamento às previsões do documento da Nova Agenda Urbana”, afirmou a arquiteta e urbanista Marja Edelman, Secretariado da Habitat III para América Latina e Caribe.
A representante da ONU destacou que um dos principais lemas da Nova Agenda Urbana é “Não deixar ninguém para trás”. Segundo ela, isso implica em promover, nas políticas urbanas e habitacionais, igualdade de gênero, mobilidade acessível para todos, gestão e resiliência de desastres e consumo sustentável nas cidades.

DEBATE
O deputado Edmilson Rodrigues (PSOL/PA), que moderou a mesa-redonda, disse que as atenções precisam se voltar para a execução das políticas – e não para sua elaboração. “Temos o Estatuto da Metrópole, legado do ex-deputado Zezéu Ribeiro; temos o Estatuto das Cidades; e a lei de consórcios públicos, que são avanços, mas são quase letras mortas enquanto a gestão municipal e a integração regional sejam os grandes desafios”.
O parlamentar também criticou a medida provisória que alterou a dinâmica da regulamentação fundiária urbana no país (MP 759/2016). “Quantas terras griladas em todo o país vão ter um estatuto de propriedade consumado? Isso torna fato a MP antes mesmo de ela ser debatida no Congresso Nacional. A deputada Luiza Erundina, que é titular na Comissão Especial que analisa o projeto, convocou reunião com os movimentos sociais e estamos fazendo emendas para tentar diminuir os danos”.
Edmilson Rodrigues, que foi prefeito de Belém (PA), destacou também a importância de iniciativas públicas e privadas que apoiem tecnicamente e com recursos diretamente os municípios. “Na condição de prefeito, conheci vários projetos, alguns deles financiados pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). No caso de Belém, tivemos apoio do programa “Monumenta”, surgido inicialmente da necessidade de reconstrução de Quito. Com o aval da União, o BID passou a apoiar diretamente os municípios, o que é muito importante”.

O secretário de Gestão Territorial de Habitação do Distrito Federal, arquiteto e urbanista Thiago de Andrade, é preciso considerar as especificidades de cada município e região ao pensar na implementação de políticas urbanas. “A Nova Agenda Urbana é o ‘o quê’, isso é mais fácil de conciliar, pois paira acima dos interesses de cada cidade. O difícil é o ‘como’, o caminho das pedras da implementação. Isso é impossível dar uma receita única em um documento como este, e mesmo em uma legislação nacional ou estadual”.
Para Andrade, um dos avanços da Habitat III foi exatamente considerar os governos locais já na concepção da Nova Agenda Urbana. De acordo com o gestor público, o aprimoramento das cidades brasileira exige uma mudança cultural dos arquitetos e urbanistas e da sociedade em relação a Arquitetura e ao Urbanismo. “Precisamos recuperar o projeto como síntese entre planejamento e desenho, indissociável de sua execução. O projeto não é um papel – é uma forma de resolver conflitos. O que ocorre atualmente é que conflitos entre os vários estudos exigidos pelas normas – ambientais, sociais, de trânsito e outros – acabam paralisando o poder público e tiram do projeto executivo o papel de harmonizar divergências técnicas, políticas e sociais em torno da obra”.

O arquiteto e urbanista, que já foi presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil – Departamento do Distrito Federal (IAB/DF), destacou ainda o papel dos concursos públicos de Arquitetura e Urbanismo na melhoria das cidades. Ele citou vários exemplos de editais lançados pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional do Distrito Federal (Codhab-DF), que avança agora para a escolha de propostas destinadas a glebas inteiras, incluindo urbanização, paisagismo e edifícios públicos. “O concurso do Masterplan da Orla do Lago Paranoá, que vamos lançar, deve ser um dos concursos de maior importância na história de Brasília. Quem afirma a contratação via concurso público é mais lenta, se engana: é mais rápida e eficiente. E esses concursos não são feitos em detrimento dos ateliês internos, que ficam focados em projetos de acessibilidade e requalificação, fazendo o projeto executivo todo internamente. Isso porque ele dá menos trabalho do que a contratação e exige muito mais conciliação do que trabalho braçal técnico”.
Thiago de Andrade defende que o concurso público de projetos, inclusive, seja obrigatório para as obras públicas. Ele ressaltou ainda a importância da participação política dos arquitetos e urbanistas para a concepção e realização de leis e políticas urbanas e habitacionais adequadas. “Se os arquitetos não fizerem política, os políticos farão arquitetura, como disse Haroldo Pinheiro, presidente do CAU/BR. É de fato importantíssima a atuação do CAU e das entidades de Arquitetura e Urbanismo. É importante ocupar os espaços. As agendas para o poder público precisam vir da sociedade civil organizada”.
Assista ao vídeo da Cerimônia de Abertura e Mesa-Rendonda
DESAFIO É EXECUTAR
Isabela Sbampato, coordenadora do Conselho das Cidades e representante da Secretaria Nacional de Habitação do Ministério das Cidades, elogiou o texto da Nova Agenda Urbana. “Todo acordo com tantos países não é o ideal, mas o possível. O importante é que o Brasil consegue se reconhecer no texto, que participamos ativamente da construção. Mesmo tendo ainda o desafio do ‘como fazer’, é uma oportunidade para os arquitetos e urbanistas reconhecerem seu papel importante nesse processo”, afirmou a arquiteta e urbanista.
Segundo o arquiteto e urbanista Celso Saito, secretário de Planejamento e Urbanismo de Maringá (PR), “muito se fala nos desafios do planejamento urbano, mas mais difícil do que planejar é executar”. Segundo ele, a ocupação de funções públicas por arquitetos e urbanistas é fundamental para implementar a Nova Agenda Urbana e para melhorar a qualidade das cidades brasileiras.

Saito destaca a integração metropolitana como um dos principais obstáculos para o desenvolvimento das cidades brasileiras. “Maringá é uma cidade jovem, mas já reconhecida como uma das melhores infraestruturas municipais do país. Acontece que, se olharmos não apenas o município, mas a região metropolitana, o cenário muda. Ainda há muito a ser feito quando pensamos no contexto regional”.
O secretário afirma que as soluções urbanísticas são mais efetivas quando discutidas por cada cidade com seus moradores, diretamente. Ele também elogiou as iniciativas do CAU para divulgar e estimular a discussão da Nova Agenda Urbana entre os gestores municipais e arquitetos e urbanistas paranaenses. “Quando as orientações vêm de cima pra baixo, quando cabe ao gestor municipal apenas executar ou à sociedade apenas acatar, acho que é muito mais difícil implementar qualquer política”.

CERIMÔNIA DE ABERTURA
Na cerimônia de abertura do Seminário Legislativo, o presidente do CAU/BR, Haroldo Pinheiro, destacou o compromisso do Conselho na promoção da Nova Agenda Urbana. “Desde 15 de dezembro, Dia Nacional da do Arquiteto e Urbanista, iniciamos uma provocação direta aos nossos prefeitos, em vários meios de comunicação, perguntando se eles concordam com os postulados decididos em Quito, na Habitat III”.
Haroldo destacou ainda a importância da participação dos arquitetos e urbanistas no evento. “Já pela quinta vez, numa história de cinco anos de vida do Conselho, estamos reunidos neste Seminário organizado pela nossa instância federativa, para discutir os projetos de lei que navegam aqui nas casas do Congresso Nacional. Evento é aberto aos colegas para que nos apontem os rumos a tomar em audiências públicas e no assessoramento aos parlamentares para que tomem as melhores decisões em assuntos relacionados à nossa área profissional”.

O deputado Joaquim Passarinho (PSD/PA) elogiou o Seminário Legislativo. “Gostaria de louvar a atitude do CAU de vir dentro do Congresso trazer os representantes de Arquitetura e Urbanismo do país para que a gente possa ter uma agenda legislativa, acompanhar o que acontece nesta Casa, não só acompanhar a elaboração de leis que possam favorecer não a uma classe, mas à cidade, principalmente, e acima de tudo: não deixar passar algumas ideias que sempre colocam a Arquitetura e o Urbanismo em segundo plano”.
O parlamentar criticou as tentativas de reforma da lei de licitações que preveem a contratação integrada de projeto e obra ou que não priorizam o projeto executivo para obras públicas. “Aqui na Câmara, via de regra, aparecem aqueles que querem dar rapidez às obras e para isso a primeira coisa é tirar o arquiteto da frente. Tira Arquitetura, tira projeto, tira projeto executivo, fazendo com que possa ser, de repente, mais rápida a contratação, mas não a conclusão. Com certeza com recursos muito maiores daqueles que foram orçados inicialmente”.

Na visão do senador Ricardo Ferraço (PSDB/PA), é preciso fortalecer a agenda legislativa da Arquitetura no Congresso Nacional, fazendo com que os arquitetos e urbanistas atuem como protagonistas no processo. “Estamos associados a toda agenda que diga respeito à valorização da atividade da Arquitetura, que é uma atividade central e definitiva no convívio coletivo com a capacidade que tem em planejar e desenvolver o ambiente em que vivem as pessoas”.
A presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio Grande do Norte (CAU/RN), Patrícia Macêdo, disse que uma das missões da autarquia é levar ao debate assunto relacionados à área de interesse da sociedade. “É uma das nossas funções enquanto presidentes do CAU”, destaca.

Para Cícero Alvarez, presidente da Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA) e secretário-executivo do Colegiado das Entidades Nacionais dos Arquitetos e Urbanistas (CEAU), o momento tumultuado que o país vive requer uma visão social não de governo, mas de Estado. Ele criticou iniciativas legislativas recentes do Governo Federal e do Congresso. “Quantos projetos, como a MP 759/2016, que não deveria ser uma medida provisória; como a PEC 61/2015, que tira uma série de fiscalizações dos projetos que vão para os municípios, inviabilizando uma série deles; como a tentativa da retirada da modalidade de concursos da nova lei de licitações, que não vão conta só os arquitetos e urbanistas, mas contra o desenvolvimento sustentável do país”.