CIDADES

Para arquitetos, desabamento em São Paulo expõe falhas em políticas habitacionais

Os arquitetos e urbanistas Nabil Bonduki, Valter Caldana e Caio Santo Amore são unânimes em uma constatação sobre o desabamento do prédio no Largo do Paissandu, em São Paulo: o episódio deixa evidentes erros e problemas na elaboração e na implementação de políticas habitacionais e urbanísticas, especialmente de longo prazo, na capital paulista e nas grandes cidades brasileiras.

 

Edifício Wilson Paes de Almeida, no centro de São Paulo, era ocupado por um movimento social de defesa ao direto a moradia
Edifício Wilson Paes de Almeida, no centro de São Paulo, era ocupado por um movimento social de defesa ao direto a moradia (Foto: Corpo de Bombeiros de São Paulo)

 

NABIL BONDUKI

 

Em artigo publicado na Folha de S. Paulo, o conselheiro do CAU/SP Nabil Bonduki, que foi vereador, relator do Plano Diretor Estratégico de São Paulo e secretário municipal de Cultura, afirma que a questão é antiga. “A ocupação de prédios que não cumprem sua função social se iniciou nos anos 1990. Além de organizar famílias que buscavam um abrigo próximo ao trabalho, os movimentos de moradia denunciavam a especulação e pressionavam o poder público por programas de produção de habitação no centro”.

 

Para o arquiteto e urbanista, há diversos instrumentos de política urbana para resolver a problemática dos centros urbanos, mas os governos nunca deram prioridade à questão. “O Estatuto da Cidade (2001) e o Plano Diretor (2002 e 2014) criaram instrumentos para combater a especulação com imóveis vazios e subutilizados, como o IPTU progressivo no tempo, e para estimular a produção de moradia em áreas consolidadas, como as Zeis 3 (Zonas Especiais de Interesse Social). Foi regulamentada a dação em pagamento, mecanismo que permite à prefeitura pagar a desapropriação de imóveis com as dívidas do IPTU dos proprietários”, relata.

 

VALTER CALDANA

 

O tema também foi abordado por Valter Caldana, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, coordenador do Laboratório de Políticas Públicas da instituição e membro do Conselho Municipal de Política Urbana da Prefeitura de São Paulo, em texto publicado no jornal Estado de S. Paulo. Para ele, a falta investimento em novas alternativas e em projetos habitacionais adequados gera ocupações precárias como a do edifício no Largo do Paissandu. “O que se fez nos últimos anos foi o investimento em uma única solução: comprar terra barata, longe do centro da cidade, para fazer casas baratas e vendê-las de maneira subsidiada para a população que não tem acesso à moradia. No entanto, não se pode achar que há apenas uma única solução para um problema complexo”.

 

Caldana aponta três instrumentos que, segundo ele, acelerariam as políticas de habitação necessárias para enfrentar a questão. “O primeiro seria a regularização fundiária, porque diminui parte da pressão por moradia ao dar segurança jurídica para quem mora em condições precárias. A segunda é utilizar instrumentos mais ágeis e eficientes, como a locação social, por meio da qual o poder público ou a iniciativa privada constroem unidades e as colocam para aluguel subsidiado, mas continuam sendo proprietários desses imóveis. O terceiro instrumento é qualificar os projetos do ponto de vista de arquitetura e urbanismo, ou seja, fazê-los inseridos na cidade preexistente, próximos de infraestrutura, renda, emprego, lazer, saúde e educação”.

 

CAIO SANTO AMORE

 

No blog Cidades para que(m)?, Caio Santo Amore, professor da USP e arquiteto da Assessoria Técnica Peabiru TCA, afirma que várias iniciativas de reformar o edifício esbarraram em problemas burocráticos, técnicos ou na falta de recursos.

 

“Ao longo de muitos anos houve algumas tentativas e propostas diversas de reformá-lo e dar ao edifício um uso regular. A reconversão para habitação parecia muito difícil e muito custosa, dadas as características da arquitetura original: edifícios de “planta livre” ou com pouca fachada, como ocorre com a maior parte dos edifícios projetados e construídos para abrigarem usos comerciais, requerem modificações estruturais que podem inviabilizar essas obras. Aventou-se a possibilidade de uso educacional ou de implantação de empresas de criação (startups) que pudessem “movimentar” aquela região da área central de noite. A Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) avaliou que não teria recursos para a reforma, a prefeitura também acabou abrindo mão do projeto e o prédio permaneceu ali, cumprindo uma função social pela ação direta do movimento de moradia e das pessoas que ali estavam”.

 

Para Amore, não havia soluções imediatas para a situação do edifício no Largo do Paissandu. O profissional defende que a resolução de questões como essa está em ações de longo prazo. “Não faltaram “vontades políticas” (um termo bem genérico que ajuda a esconder as responsabilidades dos nossos governantes com a garantia de direitos básicos de cidadania para a maioria da população). O caso é tão complexo que nem mesmo uma conjunção das três esferas federativas seria capaz de resolver o assunto em curto prazo. E se não há caminho para as soluções “regulares”, “formais”, a necessidade de moradia se impõe e acaba submetendo pessoas e famílias que não têm opção, que não têm quase nada a perder, a viverem naquelas condições”.

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