O primeiro Grande Debate do 21º Congresso Brasileiro de Arquitetos (CBA), na noite desta quinta-feira, 10, teve como tema Espaço e Democracia: o Direito à Cidade. Os três painelistas reunidos no Salão de Atos da UFRGS, em Porto Alegre, abordaram conceitos teóricos dessa pauta e traçaram paralelos com a realidade dos centros urbanos no Brasil e em outros países.
A primeira fala da noite foi do arquiteto e planejador urbano Claudio Acioly Jr., chefe de Capacitação e Formação Profissional da ONU-Habitat, que relaciona o direito à cidade ao direito à habitação adequada. O primeiro trata “do direito de viver em algum lugar em segurança, paz e dignidade”, mediante alguns requisitos como segurança da construção e oferta de serviços, “tudo a um preço razoável”.
Já o segundo é entendido como “um direito coletivo dos habitantes das cidades, em especial dos grupos vulneráveis e desfavorecidos, que se conferem legitimidade de ação e organização baseados nos usos e costumes com o objetivo de alcançar o pleno exercício a um padrão de vida adequado”.
Levantamento da ONU de 2013 e que está passando por nova verificação aponta que, na América Latina, de cada quatro pessoas que vivem em área urbana, uma está em assentamento informal. No mundo, são pelo menos 890 milhões de pessoas vivendo nessas condições.
Além disso, segue Acioly, “sabendo que o uso residencial ocupa 50% da cobertura da terra urbanizada, qualquer intervenção que se faz na habitação vai ter impacto econômico, de tipologia, densidade e índice”.
Esse é, para ele, o argumento para se colocar a habitação no centro da nova agenda urbana. “Se estivermos realizando o direito à habitação adequada, estaremos possibilitando o acesso, na prática, do direito à cidade”, completa.
Esperança na esquerda da sociedade
O economista e sociólogo Carlos Vainer recebeu aplausos do público logo no início da sua fala ao manifestar que “as organizações internacionais são especialistas em fazer diagnósticos nos quais os responsáveis pela situação que os diagnósticos identificam não são identificados”.
Questionando as causas de como chegamos no estágio atual no debate de direito à cidade, citou o discurso da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) que sucedeu o primeiro dia de manifestações das ‘jornadas de junho’, em 2013. Ao afirmar, segundo Vainer, que ‘é a cidadania, e não o poder econômico, que tem que ser ouvido em primeiro lugar’, ela teria cometido um “sincericídio”: afirmar que o poder econômico tem mesmo prioridade nas políticas dos governos.
À frente do Laboratório Estado, Trabalho, Território e Natureza, onde dirige a Rede de Observatório de Conflitos Urbanos e o Núcleo Experimental de Planejamento Conflitual, Carlos Vainer aponta para “cidades cada vez mais contaminadas, que não identificam quem causa a exclusão”.
Fenômeno herdado no Brasil dos períodos autoritário, durante a ditadura militar, e neoliberal dos anos 1990, Vainer aponta que nem mesmo a esquerda conseguiu pautar adequadamente esse debate, pois, ao mesmo tempo que praticou ações distributivas, promoveu um progressivo processo de desestímulo à participação popular.
Provocando risos do público, encerrou sua apresentação dizendo não querer desanimar ninguém e apontando que há esperança. “Não vivemos apenas a esquerda de estado, há também a esquerda da sociedade”: os coletivos que se apropriam da cidade em diferentes nichos culturais e territoriais.
Muitas vezes acusados de despolitização, Vainer acredita que, ao contrário, esses são grupos ultrapolitizados, só que ainda fragmentados. “Mas podem convergir, e aí nasce a possibilidade da construção de uma nova cidade”, conclui.
Histórico de participação deve ser considerado
A arquiteta e filósofa Rita Velloso, vice-diretora da Escola de Arquitetura da UFMG, aponta que, no Brasil e na América Latina, a pauta do planejamento participativo esteve, entre as décadas de 1960 e 1990, aliado ao debate sobre o enfrentamento da pobreza urbana dos grandes centros.
“No caso do Brasil, havia desde 1963 uma proposta sistematizada pela reforma urbana centrada na questão fundiária”, apontou, citando estudos de Ermínia Maricato e Lúcio Kowarick. Para Rita, “no que toca à democracia participativa, precisamos olhar para o que se passou nas lutas urbanas recentes”.
Rita fez referência à ocupação Eliana Silva, que abriga 30 mil pessoas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, integrante do Movimento de Luta por Bairros e Favelas. De uma integrante do movimentou, ouviu que “não se trata de habitação. Habitação é só o começo para que eu possa ter paz de espírito e dormir direito, ter saúde psíquica. Só uma casa não resolve, embora sem ela, nada haveria”.
Debate democrático sobre a cidade
O debate teve mediação do presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil no Rio Grande do Sul (IAB-RS), Rafael Passos, que destacou a postura de diálogo mesmo diante de divergências entre os palestrantes.
Essa postura está resumida na frase final de Claudio Acioly, reconhecendo que são vários os vieses envolvidos no debate sobre o direito à cidade. “Essa heterogeneidade de ideias no fundo busca o mesmo ideal: essa cidade democrática, que oferece oportunidade para todos, mesmo que não haja um processo de revolução”.
Saiba mais sobre a presença do CAU/BR no o 21o. Congresso Brasileiro de Arquitetos
Fonte: CBA