Referência nos estudos sobre azulejaria, a arquiteta e urbanista Dora Alcântara escolheu uma profissão dominada por homens e viu esse quadro se reverter ao longo das décadas. Aos 85 anos, assistiu ao aumento da presença das mulheres na profissão e espera que essa transformação renove a arquitetura brasileira. Formada pela Faculdade Nacional de Arquitetura, atual FAU/UFRJ, dedicou a carreira também ao ensino e à preservação do patrimônio. Em 2016, o CAU/RJ homenageou a arquiteta e urbanista por sua trajetória durante a II Conferência Estadual de Arquitetos e Urbanistas do Rio de Janeiro.
De acordo com dados do CAU/BR, 62% dos arquitetos e urbanistas em atividade no Brasil são mulheres. Como a senhora vê o aumento de mulheres nas turmas de arquitetura?
Na década de 1960, quando comecei como assistente e me tornei professora, o percentual de mulheres nas turmas de arquitetura já começava a aumentar bastante. Isso não acontece só na arquitetura. Se olharmos para as turmas de Letras, História, Filosofia, até mesmo Medicina ou Engenharia, o número de mulheres aumentou muito. É uma fase de emancipação feminina. Tivemos uma presidente mulher. E não é só no Brasil ou na Argentina, mas até na Alemanha. Há uma ascensão da mulher na vida profissional e nas posições de comando.
Por que, mesmo com esse aumento na população feminina entre os arquitetos e urbanistas, tão poucas mulheres são reconhecidas como destaques na profissão?
Esse crescimento da participação feminina ainda é uma coisa recente, de duas gerações. Talvez daí elas não terem se notabilizado tanto. Na verdade, também não apontamos tantos nomes célebres entre os homens. A fase em que tivemos número maior de arquitetos reconhecidos foram as décadas de 30 e 40, fase em que nossa arquitetura teve maior projeção internacional. Nesse tempo a profissão era quase que exclusivamente masculina.
Em um tempo que a profissão era predominantemente masculina, como foi a escolha pelo curso de Arquitetura?
Fiquei muito em dúvida. Gostava de História, Filosofia, fiquei muito inclinada ainda a fazer Engenharia, talvez porque meu pai fosse engenheiro. Como a Arquitetura exigia muito do desenho e o meu não era essas maravilhas, não tinha certeza se seria a escolha correta. Mas meu pai me convenceu que talvez eu me encontrasse mais na Arquitetura, que é muito diversificada em áreas de estudo. Sempre achei muito especial você idealizar uma forma, calcular essa forma e construir, torná-la um espaço vivo, um espaço real para as pessoas viverem. É uma participação no habitat humano. Isso me parecia formidável.
Como a participação das mulheres pode contribuir para o mercado de Arquitetura e Urbanismo?
Acho muito bom homens e mulheres trabalharem juntos, pois são sensibilidades complementares. À medida que a mulher entra no mercado, tenho esperança de que a fusão de sensibilidades nos leve a apresentar algo de novo, de especial, na arquitetura.
Como surgiu o encanto pelos azulejos?
Fui para São Luís por causa do trabalho do meu marido. Levei então a recomendação do Dr. Rodrigo [Melo Franco, fundador do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – SPHAN], que pediu que eu propusesse medidas para a preservação do patrimônio na cidade. O que me encantou muito na pesquisa foi a azulejaria da fachada. Quando voltei ao Maranhão, após o nascimento da minha filha, fiz o primeiro levantamento de azulejos. Como não tinha máquina fotográfica, fui desenhando, fazendo o croqui de cada um dos azulejos. Conheci então um cônego que tinha uma câmera e pediu para me acompanhar. Fotografamos tudo que encontramos.
Por Mariana Costa e Ana Stern, ex-assessoras de Comunicação do CAU/RJ
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