Fábio Müller é arquiteto e urbanista. Dr. Professor Associado III no CAU|UFSM. Conselheiro Federal Representante das IES no CAU/BR. Coordenador da Comissão de Ensino e Formação do CAU/BR.
Na atualidade, as tecnologias da informação e da comunicação são presenças em número significativo de campos da vida pessoal e das relações profissionais.
As gerações de ora e adiante nascem e desenvolvem-se envoltos e com uso delas, tendo-as como inerentes substratos do cotidiano.
Indiscutível, entre as várias camadas sociais e etárias, quase indistintamente, o quanto de avanço essas tecnologias permitem nas relações e nos labores, aproximando pessoas e contextos, ampliando oportunidades de conhecimento e de experiências, otimizando processos e incrementando resultados e produtos.
O dilema – que é um desafio – não é a sua existência, em si, mas o uso que das tecnologias faz o homem nesse tempo histórico, o qual se entende deveria ser equilibrado e compatível com preceitos éticos, de moralidade e eficiência.
No âmbito do ensino e formação em Arquitetura e Urbanismo, o que se apresenta é um debate necessário sobre sua pertinência e adequação – papel, espaço e dimensão – que devem tomar nos métodos e práticas pedagógicas para, potencialmente, atualizar e qualificar o ensino tradicional.
Nessa perspectiva, importante considerar a natureza matérica, prática e espacial da disciplina e do ofício de Arquitetura e Urbanismo, construtora literal da dimensão de vida do homem no planeta ao transformar, com criatividade e engenhosidade, arte e técnica, a primeira natureza em segunda na forma das nossas cidades, edificações e espaços abertos.
Isto pontuado, cabe declarar que o conselho profissional de arquitetas e arquitetos e urbanistas considera as TIC’s, e o consequente Ensino à Distância por elas oportunizado, não como MODALIDADE DE ENSINO VÁLIDA EM ARQUITETURA E URBANISMO, mas ferramentas úteis no processo de ensino e formação, desde que utilizadas de forma complementar à interatividade presencial, a qual deve ser a tônica de construção de conhecimento na área por ser coerente com a natureza do ofício em si.
Nossa visão, portanto, é de que o EAD não deve SUBSTITUIR a carga horária presencial, especialmente em disciplinas profissionalizantes, tampouco serem utilizadas para desvincular o futuro profissional da realidade social e das vivências profissionais, da relação dialógica com o espaço a ser transformado e qualificado, afastando-o, também, das técnicas e tecnologias de construção e das pessoas e comunidades para as quais deve a Arquitetura e Urbanismo proporcionar qualidade de vida e segurança.
Mesmo considerado o potencial das TICS, até o momento, em termos de EAD, cabe ter ciência de que o que se vê dominar no Brasil, no Ensino Superior de Graduação, é um uso raso, superficial, precarizante da estrutura pedagógica, docente e infraestrutural dos cursos, desqualificando o ensino e formação em Arquitetura e Urbanismo ao reduzir carga horária e a interatividade nas várias disciplinas de fundamentação profissional, ao afastar os estudantes dos desafios da realidade a modificar, da tangibilidade dos materiais e sistemas construtivos, da operacionalidade das técnicas de edificar e da experiência das relações de trabalho no mercado profissional.
A supressão geral, pelo EAD, reflete, também, na redução do número e das condições da carreira docente, exigindo ainda maior dedicação de tempo sem os devidos suportes trabalhistas e compatível remuneração, assim como reduz os espaços de ateliês, bibliotecas, canteiros experimentais e laboratórios, impactando pesquisa, extensão e estágio supervisionado e deixando de proporcionar atividades complementares poderosas, como seminários, visitas técnicas e viagens de estudo, elementos fundamentais a uma formação integral consistente.
Felizmente, desde o último ano, quando da divulgação do Censo da Educação Superior de 2022, o próprio Ministro da Educação Camilo Santana revelou-se preocupado com esse estado de coisas, mencionando que o crescimento exponencial do EAD no Brasil, nas condições verificadas, acende um alerta quanto à qualidade do ensino ofertado na modalidade. Mesmo ponderando o quanto pode facilitar a vida do trabalhador ao democratizar o acesso ao Ensino Superior, reconhece que há de se avaliar qual tipo de curso pode ser em EAD para promover uma boa formação, afirmando querer prezar pela qualidade da oferta e que, nesse sentido, há determinados cursos que são impossíveis, em suas palavras, de serem feitos em EAD – o que entendemos ser o caso da Arquitetura e Urbanismo!
Nessa mesma linha, a partir da fala do ministro, também a presidente executiva do Instituto Todos pela Educação lançou, por vídeo, nas redes sociais, o alerta de que o MEC precisa fazer alguma coisa sobre o EAD no Brasil imediatamente! Em suas palavras, “É um assunto que exige a atenção de todos nós. Poucos grupos ganham muito e provocam graves consequências para a educação”.
O cenário é, de todo, dramático, mas uma janela de oportunidade parece, então, abrir-se, com a notícia de um novo Marco Regulatório do EAD anunciado para ser assinado pelo presidente da República Luís Inácio da Silva em breve, se devidamente, antes, ouvidos os conselhos profissionais, que entendem do ofício e, portanto, sabem a formação necessária, contribuindo com o MEC no estabelecimento da estrutura de cargas horárias, modalidade, métodos e práticas de formação na atualidade.
Educação profissional é coisa séria, não é mercadoria.
É a segurança da sociedade e o futuro do país o que se está tratando, no limite, cabendo reflitamos e revisemos os rumos em prol de um ensino, verdadeiramente, inclusivo e potencializador, porque de qualidade!
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