ARTIGOS E VÍDEOS DE CONTEUDISTAS CONVIDADOS
Objetivando aprofundar o debate da “Carta aos (às) Candidatos (as) nas Eleições de 2022”, o CAU Brasil e as entidades do CEAU convidaram conteudistas para escreverem artigos e gravarem depoimentos sobre os temas de sua especialidade.
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Comentários sobre o planejamento das cidades e de regiões
“Esta breve Agenda Urbana oferece comentários sobre o Planejamento das Cidades e de Regiões como instrumento de “uma Política de Desenvolvimento Econômico e Social e de Ordenamento Territorial do país“
Por Jorge Guilherme Francisconi
Arquiteto pela FAU/UFRGS (1966), Master in Regional Planning – MRP (1968) e PhD em Ciências Sociais pela Maxwell School of Public Administration and Citizenship da Syracuse University (1972), com ênfase em Economia Urbana, Planejamento Regional e Regiões Metropolitanas. A prática profissional foi dedicada às relações entre teoria e prática do saber urbano-regional.
Em sua Carta aos Candidatos 2022, o Colegiado Permanente de Entidades Nacionais de Arquitetura e Urbanismo (CEAU) e o Fórum de Presidentes dos CAU/UF oferecem 20 propostas básicas aos (às) candidatos (as) à Presidência da República, aos Governos dos Estados e do Distrito Federal, ao Congresso Nacional e às Assembleias Legislativas estaduais e distrital. A Carta aos Candidatos correspondendo à necessidade de integrar gestores federais e estaduais com as municipalidades para enfrentar, de forma interfederativa, o momento crítico que vive o Brasil. País onde mais de 85% da população vive em metrópoles e cidades carentes de gestão e governança de qualidade, onde as condições de vida e disparidades urbanísticas reforçam as injustiças sociais, econômicas, culturais e o acesso à cidade, onde novas tecnologias consolidam novas formas de prosperidade e de segregação e onde a arquitetura busca oportunidades.
O texto que segue oferece comentários e agenda de trabalho para inclusão do “Planejamento das Cidades e de Regiões” na “Política de Desenvolvimento Econômico e Social e de Ordena-mento Territorial” que a Carta menciona. Trata-se portanto de oferecer ao leitor uma Agenda Urbana baseada nos fundamentos do planejamento urbano — território, gestão interfederativa, “fazejamento” do planejamento, com propostas objetivas para quatro categorias de ação— urgentes, essenciais, complementares e interfederativas.
- FUNDAMENTOS DO PLANEJAMENTO DE CIDADES E DE REGIÕES
Os fundamentos estão na essência do planejamento de cidades e de regiões. A presença dos fundamentos sustentam atividades e ações para que os resultados sejam alcançados, o primeiro fundamento sendo o território porque o território acolhe, é transformado e influencia as atividades produzidas por políticas econômicas e sociais. Tudo acontece no território, nele vive o cidadão.
O segundo fundamento é a gestão interfederativa e os programas de trabalho que a Carta aos Candidatos 2022 apresenta demonstram sua fundamental importância. O objetivo sendo integrar as atividades de gestores e legisladores federais e estaduais com aquelas à nível municipal.
O terceiro fundamento é o “fazejar”— condição “sine qua non” do planejar. O planejamento é fruto do saber teórico e o fazejamento do saber aplicado das ciências urbanísticas. Planejar é pensar, fazejar é agir. Ou seja: o fazejar é fundamental para implantar o direito à cidade, reduzir as disparidades regionais e promover o desenvolvimento urbano sustentável.
Quanto aos procedimentos para alcançar os resultados desejados basta lembrar Cerdà, o criador do urbanismo, que na etapa de planejamento definia as leis, recursos técnicos e financeiros, e métodos a serem adotados. Assim como simulava o uso do projeto por usuários. No Brasil, o Estatuto da Cidade (art. 4º) indica os instrumentos disponíveis para promover o “fazejamento” de planos e projetos urbanos. Quanto ao uso e ao usufruir projetos urbanos, vale lembrar os prédios e ambientes de Paris e Barcelona, dentre outras, que nos convidam a flanar pela cidade.
O planejamento de cidades e regiões no Brasil exige a inserção dos quatro fundamentos citados: território, gestão interfederativa, fazejar para que o projeto se torne realidade e planejamento das etapas do fazejamento, o que envolve desde as normas legais, recursos financeiros e tecnologias construtivas até a simulação do funcionamento e uso, do usufruir e do flanar no espaço urbano.
- CATEGORIAS DE AÇÃO
Para promover o planejamento de cidades e regiões no Brasil é necessário dispor de políticas públicas nacionais e estaduais com normas para cada categoria de ação — as ações indicadas sendo ao essenciais para o processo, implantação e obtenção de resultados. As categorias de ação adotadas nesta Agenda são as urgentes, essenciais, complementares e interfederativas.
Dentre as ações urgentes, a prioridade cabe à padronização, qualificação e difusão de conceitos adotados na cartografia e em instrumentos de planejamento territorial, como planos diretores urbanos (PDUs), Leis de Ordenamento e Uso do Solo (LUOS) e leis de zoneamento. Na categoria atividades essenciais de gestão e governança, que sustentam o “fazejamento” cabe definir normas nacionais para instrumentos administrativos, para mais tarde chegar a um Código Urbanístico, e normatizar procedimentos, como o processo participativo, para que o cidadão tenha acesso à cidade e os ODUS sejam alcançados.
A categoria ações complementares inclui a importância do saber puro e aplicado, a endogenia que caracteriza universidades e centros de pesquisa e ensino, a dualidade que há entre a lei do CAU e as diretrizes curriculares do Ministério da Educação na qualificação do arquiteto urbanista, e a importância do conhecimento fáctico na gestão, governança e qualificação do território. A segundo ação complementar trata da gestão metropolitana.
A Agenda Urbana conclui com ações para institucionalizar e fortalecer a gestão interfederativa. A primeira proposta é para criação de Agência Nacional que coordene práticas interfederativas e interdisciplinares adotadas nos níveis federal, estadual e municipal. A segunda trata das tecnologias inteligentes e de comunicação (TICs) na implementação da Agenda Urbana, a partir de politicas e projetos de apoio e fortalecimento de programa nacional de Cidades Inteligentes.
II.1. AÇÕES IMEDIATAS E URGENTES – NORMAS PARA PADRONIZAR ATIVIDADES
A consolidação de conceitos e normas que afetam o uso do solo urbano, por ora dispersas em dezenas de leis e decretos federais, estaduais e municipais, é fundamental para governança dos cerca de 5.500 municípios existentes no país. Entende-se como necessária a promulgação de Código Urbanistico Nacional que consolide e aprimore os conceitos e procedimentos dispostos na legislação dispersa que trata do território urbano, mas este é um objetivo de longa maturação. De imediato há componentes básicos do planejamento territorial de cidades e regiões que podem ser consolidados e padronizados, como a cartografia e georreferenciamento, assim como as normas urbanísticas e planos diretores urbanos, dentre outros abaixo indicados.
II.1.1. A Cartografia Urbana é instrumento essencial para o planejamento e para gestão do território. A cartografia permite conhecer, acompanhar e avaliar o uso e ocupação do território urbano nas diferentes escalas — metrópole, cidade, bairro, gleba — e o ambiente natural. A cartografia é essencial para identificar imóveis públicos e privados; fortalecer a segurança jurídica de transações imobiliárias, cumprimento da legislação urbana e ambiental, e muito mais.
A cartografia brasileira é de altíssima qualidade, mas permanece subutilizada porque grande parte das prefeituras não dispõe e/ou não sabe como utilizar informações cartográficas na gestão urbana. Seja para arrecadação do IPTU ou monitoramento da iluminação pública. Para suprir esta lacuna cabe ao governo federal promulgar normas (art. 21, XV da CF) e projetos de apoio técnico e financeiro para padronizar conceitos, procedimentos, representações cartográficas e aplicações práticas da cartografia e uso do georrefenciamento. Seja para qualificar a gestão e planejamento do território de cidades como também para sustentar planos diretores de subsolo que definam a disposição de tubulações para energia. comunicação, águas pluvial e saneamento, túneis e metrôs e outros. Mas para isso a União precisa atualizar as normas nacionais que tratam dos padrões cartográficos porque elas estão defasadas e são insuficientes para responder às demandas por cartografia aplicada do país.
Para uso no planejamento e gestão urbana, a demanda da maioria dos municípios brasileiros é bastante simples. O que facilitará a padronização de conceitos e da graficação da cartografia usada no planejamento e gestão urbana. Além disso, tornará mais fácil comparar estudos, projetos e planos, e fortalecer o uso de marcos jurídico-administrativos de forma cartográfica.
A expedição de normas que padronizem conceitos e graficação da cartografia urbana, essencial para gestão urbana e regional no país, cabe ao Governo Federal, o qual deverá coordenar a elaboração e promulgação de normas que definam: (i) Categorias de Uso e Objetivos da cartografia e do georreferenciamento — as categorias e níveis da demanda cartográfica podendo ser compatíveis com os adotados em estudos da rede urbana que IBGE e IPEA conduzem; (ii) Categorias Básicas de Atividades Urbanas e Ambientais segundo a legislação federal vigente e compatíveis com a diversidade e as demandas locais; (Iii) Normas de Representação Gráfica das categorias de atividades urbanas e ambientais indicadas em normas acima referidas.
A difusão e uso de instrumento pelas prefeituras exigirá iniciativas públicas e privadas de apoio técnico e financeiro à implantação, operação e custeio de seu uso. Mediante plataformas e aplicativos, ou geoportais municipais, “microrregionais” e metropolitanos (art.25, 3 da CF) será possível incentivar o compartilhamento e a interoperabilidade de metadados produzidos por Infraestrutura de Dados Espaciais. Para alcançar resultados sendo essencial estimular “start-ups” de mapeamento segundo critérios de oficialização de mapas e aprimoramento de cartas geotécnicas. Cada atividade contando também com programas de treinamento e capacitação de operadores e usuários, tarefa que pode ser cumprida mediante o uso de plataformas e aplicativos de cidades inteligentes.
A padronização da cartografia urbana e urbano-ambiental é tema urgente e prioritário. A padronização de conceitos e padrões gráficos é essencial para gestão territorial definida em planos, projetos, normas e leis que tratem de áreas urbanizadas, rurais e ambientais de municípios e metrópoles. Assim como em atividades de estudo, pesquisa e planos territoriais por instituições que se utilizam da cartografia e do georreferenciamento.
II.1.2. Normas Urbanísticas nacionais com definição de conceitos básicos, atividades, instrumentos, procedimentos e tudo mais que a gestão, governança e planejamento de cidades e regiões exigem, devem ser definidas a nível federal. As normas devendo ser compatíveis com os objetivos dos instrumentos normativos (PDUs, LUOS, Leis de Zoneamento, etc), com os padrões da demanda observados nas heterogêneas características urbanas do país. A padronização deverá ser cumprida pelo poder legislativo e em decretos e sanções do poder executivo.
O (a) plano diretor urbano (PDU) deverá ter prioridade por ser a norma urbanística mais difundida e utilizada na gestão e planejamento de cidades. Criado para ordenar, qualificar e orientar o desenvolvimento urbano das cidades, é utilizado sem que conteúdo e procedimentos atendam sequer ao que determina o Estatuto da Cidade e normas da ABNT. O que resulta em grande diversidade no conteúdo e nas práticas adotadas, o que gera muita incerteza jurídica. Além disso, pouco se sabe sobre seu impacto na gestão, na governança e na qualidade de vida de cidades e metrópoles e essa é uma questão fundamental quando da elaboração das normas urbanísticas nacionais ora sendo propostas.
Os planos diretores são instrumentos fundamentais do planejamento da gestão e governança urbana, mas só beneficiam a população quando implantados e usufruídos (“fazejados”). Para que atendam às expectativas da população é necessário que na gênese do PDU estejam os marcos regulatórios nacionais e estaduais, os diagnósticos e as proposições de natureza cientifica e as manifestações da comunidade. Concluída a proposta básica, caberá ao vereadores aperfeiçoar e e aprovar o projeto de lei e ao Prefeito sancionar lei que estabelece o PDU municipal.
O PDU deverá definir modelo físico-morfológico e funcional-cultural da cidade que se deseja ter e definir os investimentos e obras a serem executadas a curto, longo e médio prazo, durante o período de “fazejamento”. Com duas ressalvas. Primo, que os projetos aprovados sejam compatíveis com os recursos humanos e financeiros que a Prefeitura dispõe ou pode dispor. Segundo, que que os PDUs promovam a construção de cidades que atendam às demandas diárias e aprimorem a qualidade de vida da população – temas raramente avaliados e com frequência tangenciado em planos diretores urbanos no país. Tudo para que ao final surja um PDUs enxuto e preciso, sem generalidades e informações desnecessárias
As normas para padronizar, revitalizar, atualizar e disseminar o uso de PDUs devem estabelecer planos com diferentes níveis de complexidade, e indicar o ciclo de atualização e os indicadores de avaliação do impacto. Cada nível de complexidade corresponderá a uma categoria de cidade, as categorias sendo definidas segundo a região, o estrato populacional e as condições financeiras e técnico-administrativas das prefeituras. Desta forma será possível compatibilizar o conteúdo do PDU com a categoria de cada cidade. Algo similar ao que estão fazendo IBGE e IPEA no apoio à elaboração da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU) pelo MDR.
Cada categoria de PDU será objeto de normas federais que estabeleçam seu conteúdo mínimo e ofereçam metodologias, estratégias e instrumentos, indiquem os resultados que cabe alcançar os indicadores de avaliação de seu impacto. Para simplificar procedimentos, algumas categorias poderão poderão unificar r PDUs e LUOS em um só documento. Recuperando assim uma prática adotada com sucesso nos anos 60 e 70.
Outra questão essencial do planejar/fazejar urbano é a (b) superposição e conflitos de normas territoriais estaduais e federais com normas municipais. Esse conflito afeta a elaboração e o impacto de planos diretores, reforça o cipoal administrativo da gestão municipal e gera profunda incerteza jurídica na gestão de vários temas, como meio ambiente, segurança r preservação do patrimônio histórico. Para harmonizar normas e marcos jurídicos será necessário aprovar normas interfederativas compatíveis com as condições observadas nos municípios.
II.2. ATIVIDADES ESSENCIAIS DO PLANEJAMENTO E DA GESTÃO URBANA
O Planejamento de Cidades e Regiões só beneficia a população quando implantado. Como acima lembrado, se Planejar é preciso, Fazejar também é preciso. Sem fazejamento é impossível garantir o direito à cidade, reduzir as gritantes disparidades urbanísticas ou implantar os ODUS. Daí a importância de um sistema interfederativo que estabeleça normas que definam o conteúdo de PDUs por categorias de cidades, que fortaleçam o impacto do processo participativo, que concentrem esforços em questões urbanas prioritárias. Para que isso aconteça sendo necessário aperfeiçoar normas e práticas em uso.
II.2.1. Planos Diretores Urbanos – PDUs na Gestão e Governança Urbana
Planos diretores urbanos, como foi dito, devem ser claros e precisos para que orientem as atividades da gestão pública a partir de saber urbanístico que responda às expectativas da comunidade. Neste sentido, a função de cada PDU é similar às partituras que definem o conteúdo de sinfonias orquestrais. A diferença está no objeto. O PDU rege o futuro do território urbano e a relevância dos executantes é aqui maior do que em orquestras. A ocupação do território, a morfologia e a práxis urbana são oferecidos pelos instrumentos de gestão a partir do que o PDUs indica sobre onde e como fazer e utilizar. O objeto podendo ser a pavimentação de calçadas, ruas e avenidas; o recuo de prédios; o local de escolas e serviços de saúde; áreas para sistemas de saneamento, núcleos de habitação, sistemas de transporte público, e tantos outros.
II.2.2. Processo Participativo na Gestão e na Governança Urbana
O processo participativo é obrigatório segundo o Estatuto da Cidade e necessário para que o planejamento urbano tenha sucesso, mas a participação precisa ser aprimorada para evitar os procedimentos heterogêneos, por vezes anárquicos, observados no país. Para fortalecer o papel do processo participativo cumpre buscar inspiração em normas nacionais adotadas em países ibéricos e saxônicos, onde os procedimentos participativos adotados na elaboração de planos diretores e projetos urbanos têm sido mais eficientes e produtivos aqueles adotados no Brasil.
II.2.3. Redução de Disparidades Urbano-Sociais e Causas Identitárias
O maior desafio que a urbanização brasileira enfrenta consiste em evitar que o território de cidades e metrópoles seja usado como instrumento que fortalece disparidades sociais do país e, para reduzir a influência negativa da urbanização em disparidades que envergonham a sociedade brasileira é necessário promover politicas interfederativas.
Para isso caberá à União, com estados e municípios, promover (i) a mensuração de disparidades urbanas mediante a criação de índice de disparidades urbanas similar ao Coeficiente Gini adotado por economistas; (ii) a revisão de leis e normas do setor público que reforçam disparidades urbanas, como PDUs, LUOS e as que regem a provisão de serviços; (iii) a criação e implantação de programas técnico-financeiros de combate às disparidades urbanas, nos quais caberá incluir o acesso à nova tecnologias de informação e comunicação .
As três linhas de ação citadas exigem tempo de maturação para produzir resultados concretos, mas são essenciais e, de imediato, cabe promover estudos e pesquisas que permitam conhecer melhor as múltiplas causas das disparidades urbanísticas; indicar os indicadores que serão usados de índice que permita mensurar a qualidade urbanística de cada área, mensurar a disparidade urbana de cada cidade e avaliar o impacto de alguns instrumentos de gestão urbana. Como PDUs e LUOS, programas e projetos setoriais, o processo participativo, o uso de novas tecnologias. Mediante o “Indicador de Disparidades Urbanas” (IDUrb), similar ao Coeficiente de Gini e na Curva de Lorenz, será possível ir além do descritivo e do estatístico, e entender a dinâmica e impacto de Politicas de Combate às Disparidades Urbanas — fundamentais para que o poder público recupere territórios urbanos dominados por organizações criminosas.
Quanto as causas identitárias, as entidades que enfrentam a discriminação racial, étnica, sexual e outras estão bem organizadas e são muito atuantes. Muitos membros dessas causas também enfrentam disparidades sociais e preconceitos gerados pela urbanização e é fundamental que se defina bem a fronteira daquilo que diz respeito à redução das disparidades urbanísticas (para reduzir desníveis sociais mediante qualificação urbanística) daquilo que diz respeito às causas identitárias. Segundo o ex-deputado federal e ex-Ministro Aldo Rebelo “a transformação social é uma coisa mais difícil, complexa, mais distante. As reivindicações identitárias são mais fáceis de serem alcançadas, mas não abalam o sistema.”
II.2.4. Desafios Administrativo e Incertezas Jurídicas
Nos dias de hoje, os gestores urbanos enfrentam denso cipoal administrativo e incertezas jurídicos que resultam na judicialização e crescente nível de intervenção do Ministério Público em atos administrativos do gestor urbano. Este problema precisa ser resolvido com urgência porque conflitos entre normas administrativas federais, estaduais e municipais prejudicam a gestão urbano-territorial, limitam o uso de instrumentos urbanísticos inovadores, dificultam a solução de problemas urgentes e importantes. Como exemplo, a requalificação de prédios tombados ou ociosos (retrofit), o uso do patrimônio imobiliário ocioso e a gestão de áreas sujeitas à legislação urbana e à legislação ambiental.
II.2.5. Fomento da Arquitetura de Qualidade e da Beleza Urbana
Às normas urbanísticas cabe estimular a arquitetura de qualidade e a beleza dos espaços urbanos, e assim fomentar o talento de arquitetos, urbanistas e planejadores urbanos e estimular a população a usufruir suas cidades. Nos dias de hoje observa-se que PDUs e LUOS promovem uma paisagem urbana bastante medíocre e de baixa qualidade e por isso é necessário promover acurada avaliação e redefinição do conteúdo destas normas urbanísticas municipais.
Também a União e os estados precisam revisar normas que interferiram em edificações, provisão de serviços públicos, tecnologias e fomento ao trabalho em casa (home office). No âmbito da União, avaliar o impacto do conteúdo e responsabilidades definidas em tombamentos pelo IPHAN, financiamentos para habitação social e normas para mobilidade, pessoas com deficiências que afetam a estética de prédios e espaços urbanos. No âmbito dos estados cabendo avaliar o impactode normas adotadas por bombeiros, por entidades de segurança e policiamento e por entidades ambientais, dentre outras.
III. TEMAS COMPLEMENTARES:
Temas complementares são aqueles que influenciam a governança de cidades e regiões de forma própria e diferenciada. Tais como a inserção de universidades e centros de estudo na questão urbana e a governança metropolitana conduzida pelos estados.
III.1. O PAPEL DAS UNIVERSIDADES, CENTROS DE PESQUISA E ONGS
A solução da crise urbana depende depende muito de iniciativas de instituições de ensino e pesquisa pura e aplicada, as quais precisam mergulhar na crise urbana em busca de respostas e soluções para os desafios que ora enfrentam o planejamento e o fazejamento urbano e regional no país. Para tanto podendo inspirar-se no que ocorreu no passado, quando instituições como o IBAM, SAGMACS, COPPE, CEDEPLAR, IPPUC, PROPUR, FAU/UnB e FGV atuaram integrados às prefeituras e governos estaduais, ao SERHAU, IPEA, IBGE, CNPU e Ministério das Cidades.
Temos hoje poucos exemplos de instituições acadêmicas que apoiem a inovação e a governança urbana e os “núcleos de conhecimentos de fundamentação e de conhecimentos profissionais” permitirão suprir esta lacuna e melhor capacitar o arquiteto urbanista nas onze “unidades de atuação profissional”. Tema ignorado nas diretrizes curriculares do Ministério de Educação que as mais de 700 (setecentas) FAUs do país adotam. Ou seja: a “valorização da atividade profissional do Arquiteto e Urbanista” carece de núcleos de conhecimento para cada atividade profissional e para isso será necessário contar com o apoio dos Ministérios de Educação (CAPES, CNPq, FINEP) e da Cultura (IPHAN), de universidades estaduais e de gestores públicos.
O Planejamento Urbano e Regional é uma das unidades de atuação que constam na lei do CAU e a criação de núcleos de conhecimento é fundamental para prática do planejamento urbano e regional interdisciplinar. Para isso cabendo avaliar núcleos existentes, recuperar conceitos e fundamentos seminais de urbanistas e arquitetos brasileiros e atenuar a dominância de autores estrangeiros na ambiente acadêmico. Seja nos fundamentos conceituais e ideológicos, seja na concepção de politicas regionais e planos diretores urbanos, seja em projetos de espaços e edificações. Os graves problemas urbanos do país precisam ser recolocados como prioridades do ensino, da pesquisa e da qualificação de arquitetos e urbanistas.
Aos núcleos de conhecimento da questão urbana caberá tratar da gestão do planejamento e do fazejamento, da governança e do participativismo, das disparidades urbanísticas e das causas identitárias, da gestão metropolitana e de conurbações e aglomerados, do parcelamento do solo e da regulação fundiária, do patrimônio histórico, do patrimônio imobiliário abandonado e da requalificação de prédios (“retrofit”). Além do estimulo à arquitetura de qualidade e a beleza dos espaços urbanos e outros acima citados. Temas atuais que exigem saber interdisciplinar porque envolvem a economia, sociologia, direito urbano e fundamentais para o aprimoramento da urbanização do país.
III.2. GESTÃO E PLANEJAMENTO METROPOLITANO
Durante o século passado surgiram as grandes metrópoles mundiais e a gestão metropolitana passou a ser tema global. No Brasil dos anos 60 surgem as primeiras iniciativas e estudos. O planejamento e a gestão metropolitana torna-se prioridade interfederativa nos anos 70 e 80, e várias entidades metropolitanas assumem papel importante na politica urbana do país. A partir dos 90 e da nova Constituição, a questão metropolitana perde importância, ainda que grande parte da população brasileira more em áreas urbanas onde o tecido urbano, a prestação de serviços e a dinâmica diária ignora e independe dos limites municipais. Com cidades municipais estão coladas umas às outras para constituir metrópoles e aglomerados, nos quais há “funções públicas de interesse comum” de natureza supra-municipal e com características próprias e específicas em cada local.
A Constituição Federal entregou aos estados a competência para instituir regiões metropolitanas e aglomerados urbanos“ com o objetivo de “integrar a organização, o planejamento e execução de funções públicas de interesse comum” (art. 25) e, na medida em que a União não promulgou as normas gerais previstas na CF (art.24), os estados criaram regiões e aglomerados segundo seus interesses e entendimentos. Por essa razão temos hoje mais de 70 regiões metropolitanas, heterogêneas e inoperantes, criadas pelos estados na expectativa de obter recursos financeiros da União. Em Santa Catarina, por exemplo, todo território estadual é metropolitano, em Roraima a metrópole ocupa matas. O Estatuto da Metrópole (2016) chegou tarde e não teve impacto.
Frente ao que se observa, a gestão metropolitana precisa ser totalmente reformulada mediante vigorosa ação interfederativa que, partindo da estaca zero, estabeleça normas gerais com conceitos técnicos e bases jurídicas sólidas para gestão e planejamento de regiões metropolitana, de aglomerados urbanos e de RIDES.
- GESTÃO INTERFEDERATIVA NO PLANEJAMENTO E GESTÃO DE CIDADES E REGIÕES
A eficiência e a qualidade do planejamento de cidades e regiões, objeto desta Agenda Urbana, dependem de decisões dos que forem eleitos para os Poderes Executivo e Legislativo, Federal, Estadual e DF, em 2022. Para implantar a necessária gestão interfederativa é necessário dispor de Agência Nacional da Urbanização (ANUrb) que conduza a questão urbana no país e consolide a “renovação do planejamento e da governança urbana” que estiver em andamento na União e nos estados
IV.1. AGÊNCIA NACIONAL DE URBANIZAÇÃO – ANURB
A criação de Agência Nacional de Urbanização (ANUrb) permitirá institucionalizar a administração interfederativa urbano-territorial no país, cabendo à ANUrb definir prioridades e estratégias, promover e acompanhar programas e projetos urbanos interfederativos, consolidar e expedir normas de procedimentos de o planejamento e gestão de cidades e regiões e oferecer apoio técnico e financeiro à urbanização nacional, segundo as competências atribuídas na CF aos municípios, estados, DF e à União.
A Agência Nacional de Urbanização (ANUrb) será administrada por Diretoria e quadros técnico-administrativos com poderes normativos e gestão de fundo financeiro; Conselho Executivo integrado por representantes do poder executivo federal, estadual e municipal e de entidades selecionadas, ao qual caberá inclusive resolver questões que, por ora, são de competência ministerial; e Conselho Administrativo que reúna representantes do setor público e do setor privado, de instituições que representam interesses da população e de universidades, ou pessoas de notório saber. A ANUrb disporá de fundo financeiro dotado de sub-contas para atividades setoriais, para sustentar suas atividades e para promover projetos prioritários.
Os Estados poderão criar Agencias Estaduais de Urbanização (AEUrb) para coordenar atividades interfederativas em seus estados, tais saneamento, habitação popular, transporte público, segurança pública, serviços de bombeiros, meio ambiente e governança metropolitana.
IV.2. PROGRAMA CIDADES INTELIGENTES
Na medida em que o conceito de Cidade Inteligente permanece incerto, com mais de 180 definições segundo Alex Abiko da ABNT, o melhor conceito para diferenciar Programa Cidades Inteligentes aqui proposto é o de o uso obrigatório da tecnologia da informação e comunicação (TIC) na gestão e governança urbana.
O objetivo deste programa será o de promover a difusão em massa de aplicativos que utilizem TICs para fortalecer a governança e a cidadania urbana, o planejamento e a gestão de cidades e regiões. No uso das TICs cabendo sempre evitar que plataformas e aplicativos fortaleçam ou criem novos padrões de discriminação e disparidades de qualquer espécie. Em particular, evitar que reforcem disparidades econômicas, sociais, culturais ou territoriais.
Os objetivos indicados ao longo desta Agenda Urbana reforçam a importância a necessidade de programa federal que fortaleça a criação, produção e uso de TICs no território urbano e atenda demandas de “Cidades com Governança Inteligente.” Diferente do que ocorre atualmente, quando o uso de TICs e conceitos difusos de cidade inteligente são usados por uma infinidade de pessoas e instituições. Ao programa nacional ora proposto cabendo oferecer incentivos institucionais e apoio técnico e financeiro à criatividade, produção, difusão e consumo de plataformas e aplicativos criados para atender demandas e peculiaridades da urbanização brasileira. As prioridades devendo ser definidas a partir de Agenda Urbana a ser definida. Sem esquecer que vários temas citados constam na Carta Brasileira Cidades Inteligentes de 2021.
Arq/Urb Jorge Guilherme Francisconi, MRP, PhD
Brasília, junho de 2022
Pela valorização do território vivido, berço da política
“É preciso não apenas um compromisso genérico, nacional, mas a explicitação no Plano de Governo de compromissos e ações macroregionais para os presidenciáveis e regionais para os governadores“
Por Maria Adélia de Souza
Em uma Carta a candidatos a serem eleitos pelo voto popular, é preciso deixar clara a ideia que poderá sustentar compromissos políticos vigorosos com o futuro, quando for compreendida a indissociável relação entre política e planejamento e a precedência do pacto político sobre o pacto da gestão que precisam ser atualizados, para o encaminhamento e restauração da jovem e frágil democracia brasileira. No Brasil, o pacto político realizado pelas elites se revela na manipulação da gestão realizada em função dos interesses dos donos do poder cujo confronto fazemos, desde sempre, na difícil construção da nossa Historia.
Inicio este breve texto com uma ideia que considero exemplar e inspiradora desta discussão, em um momento eleitoral. Ela contém uma reflexão sobre “lugar e valor do indivíduo” pois cada indivíduo e cada coisa para existirem, usam o território, constituem lugares, esses espaços do acontecer solidário permanentemente definidos, inclusive, no processo de produção e construção da cidade e da região. O lugar, alías, está no centro desta reflexão.
O mundo de hoje, dada a possibilidade de aceleração e sobreposição espaço/tempo propiciadas pelas novas tecnologias, não admite mais ideias dualistas e fragmentadas sobre a realidade, sobretudo, aquelas feitas por análises setoriais: economia, finanças, logistica, habitação, saneamento, etc. expressas, ainda, nas metodologias do planejamento territorial (urbano e regional) e na maioria dos discursos dos candidatos de todos os partidos e posições políticas.
A globalização, globalidade, sistema mundo, tal como ele é chamado por alguns autores expõem com objetividade, a ideia de totalidade1, totalidade concreta.2 É preciso, então, tangê-la no processo de produção do conhecimento e avanço do pensamento sobre o planejamento das cidades e regiões, bem como na formulação da Politica que move as estruturas sociais e, no processo eleitoral, que é uma de suas dimensões.
Há tempos nos ensinaram que o mundo é uma totalidade em movimento. Além disso, não podemos esquecer que esse mundo de hoje está agindo em tempo real, nos lugares e nas localidades, do mesmo modo ou, de maneiras e projetos distintos, porém, concomitantes (sobreposição espaço/tempo). Essa é a essencia do funcionamento do processo de globalização que, direta ou indiretamente, por suas manifestações, atinge toda a humanidade. E, por isso mesmo, essa concepção de mundo se reflete no espaço da vida humana – o espaço geográfico – no qual, nesta atualidade, a cidade se tornou a forma/conteudo mais emblemática do modo de vida civilizatório reinante, o que acaba interferindo inquestionável e diretamente no planejamento territorial (urbano e regional). E, há que distinguir esses conceitos – a cidade, o urbano e o regional – pois cada qual tem um significado e merece um tratamento específico nos processos político e de planejamento que sobre eles decidem e, dos quais, resultam a gestão pública e privada. Em uma democracia, as normas (leis) produzidas politicamente, devem ser obedecidas por ambas instituições e organizações.
Os lugares são constituídos pela política, para a viabilização de interesses sejam eles das pessoas, das instituições, das organizações. O lugar, depois dessa definição é entendido como algo abstrato e, não pode ser confundido com localidade, ou seja, a cidade, o bairro, o distrito. As localidades abrigam milhares de lugares que as animam, que se constituem e se dissolvem cotidianamente e, às vezes, instantaneamente. O lugar, portanto, nesta perspectiva se constitui como a base da Política. Bom lembrar, para melhor compreensão desta reflexão, que os lugares hoje se constituem também, virtualmente e, têm sido usados nos processos eleitorais.
Temos estudado e aprendido que o conhecimento sobre o uso do território e a constituição dos lugares, berço da Política, nos permite contribuir com o aprofundamento do entendimento das dinâmicas da sociedade brasileira e resgatar a visibilidade de sujeitos e agentes da nossa História: dos negros, das mulheres, dos povos originários, das comunidades LGBTQIA+, para citar apenas alguns deles.
Ninguém pode ter mais dúvidas que os lugares constituídos pelos negros, desde o início da escravidão há séculos, escancaram nas paisagens brasileiras suas limitações ao acesso do uso do território, estabelecido pelos donos do poder político.
Essa é a ideia de que cada pessoa vale também pelo lugar que constitui, que frequenta e que define seu valor como produtor, consumidor, cidadão. Isso depende da sua capacidade e possibilidade de acessar e usar o território, ditadas pela natureza das relações sociais, das relações políticas, em permanente conflito. Ensinamentos do excelente livro O espaço do cidadão de Milton Santos3.
Essa deformação no uso do território, promovida pelas gestão dissociada da Politica, dá origem a dois processos: um que denominamos de seletividades socioespaciais, ou seja, partes da cidade e do território da nação, do estado, da região, do município onde reina a abundância, ou seja, tem tudo para poucos e partes onde reina a escassez, onde não tem nada em termos de equipamentos e serviços públicos e de interesse coletivo, para a grande maioria.
O segundo, que decorre do primeiro é aquele das desigualdades socioespaciais, a maior perversidade do mundo do presente, cujo combate deveria ser o primeiro item de um discurso político competente e democrático, nesta atualidade, para toda a classe política. Caso contrário, torna-se falacioso falar em planejamento territorial seja ele urbano ou regional. A cidade, como veremos mais adiante, não tem como entrar nesse pacto territorial, pois sua existência está voltada para dinâmicas de outra natureza, especialmente àquelas vinculadas à reprodução capitalista. Esse pacto se dá pelos agentes do mundo urbano, produto maior da civilização atual, globalizada.
O uso do território escancara a injustiça social que predomina em uma sociedade violenta como a nossa. Estudos empíricos existem para demonstrar tudo isso com muita clareza, propriedade e rigor, como aqueles que revelam a concentração dos homicídios, a ausência de habitação, saneamento básico, das escolas e do emprego formal nas periferias, e da abundância de infraestruturas e de equipamentos e serviços de toda natureza, do banal ao mais sofisticado, apenas, nos bairros mais ricos de qualquer cidade brasileira.
Diante da demanda que nos foi feita pelo CAU BR, serão abordados, a seguir, 4 (quatro) tópicos e, ao final, exibidas algumas propostas que poderiam fazer parte das discussões das assessorias dos candidatos e dos partidos para a elaboração das plataformas de governo, para que o território vivido, usado, praticado, que é uma categoria de análise social possa, efetivamente, ser considerado e trazido para as discussões políticas e para o processo de planejamento.
E, para que a Política e a gestão incluam o chão de todas e todos!
Bom lembrar o que nos ensinou A. Fremont (1976,p: 193) “temos diante de nós um espaço geográfico humanamente desvalorizado, reduzido a uma função onde nele se aprende e se vive na alienação”. Espaço geográfico, espaço da vida humana visto apenas como forma vazia, como fragmento alimentador de interesses empresariais e de grupos que articulam com maestria as formas dissimuladas do grande capital: o fundiário, o produtivo, o financeiro, o imobiliário e o comercial, como tão bem nos ensinou Alain Lipietz em seu magnífico O Capital e seu espaço.
São os seguintes aspectos, base para a discussão aqui proposta, que serão apenas anunciados:
- A cidade não é sinônimo de urbano. Como lidar com essa diferença nos Governos, na implantação de políticas de interesse coletivo e social?
A partir de um memorável e importante I Seminário de História Urbana, organizado pela Faculdade de Arquitetura e seu Programa de Pós Graduação da UFBA e pela ANPUR – Associação Nacional de Planejamento Urbano e Regional realizado em novembro de 1990 em Salvador, portanto, há mais de 30 anos, tornou-se inaceitável a não atualização dos conceitos de cidade e do urbano, tal como eram compreendidos, até então.
A cidade é uma uma materialidade produzida, construída, resultante de uma intensa e complexa atividade de produção, logo de interesses e relações sociais em seus distintos aspectos, cujos compromissos articulam as manifestações do capital explicitadas acima. A grande maioria da população busca na cidade a construção de seu futuro, pelo trabalho que nela existiria de forma abundante! No entanto, para muitos, a cidade não tem sido lugar da vida, mas da morte, tal como ela nasce, lá no neolítico, quando os grupos humanos vão abandonando o nomadismo pois inventam o trabalho (primeira dominação da natureza) e estacionam, pois descobrem a possibilidade de obter comida produzida por eles mesmos ali onde estavam e, também, para reverenciar e proteger o corpo de seus mortos, ensina-nos a história da cidade.
Difícil, nesse processo, imaginar a conquista do Direito à Cidade! Isso não tem sido atributo seu! Aquilo que na cidade com suas dinâmicas trazem o novo são os processos que definem o urbano, de cunho civilizatório, sempre a serem questionados, que ampliam o grau de consciência dos indivíduos sobre sua existência e, por isso mesmo, são importantes “espaços de revelação”, logo de esperanças e revolução, no sentido mais autêntico dessa palavra, qual seja, de profunda transformação.
O processo urbano é transformador, não a cidade que é produto autêntico do processo de produção, de exploração do trabalho, como materialidade que é! E é assim que ela precisa ser compreendida! E, não são apenas, através dos aspectos técnicos, formais e normativos com os quais os planejadores, urbanistas e políticos costumam lidar com ela. A cidade é uma imensa máquina de produção, logo de relações sociais criadas pelo modo de vida urbano, a ser tratada pela Política e não apenas pela técnica, seja ela qual for.
A cidade, brutalmente, segue seu destino como campo privilegiado da produção – ela mesma – e da acumulação. E essa brutalidade resiste aos planos que para ela têm sido produzidos, os denominados planos diretores que exigem uma urgente revisitação metodológica.
- A compreensão dos elementos da Política e Gestão Urbana.
Ressalte-se, inicialmente a importância do conhecimento das análises do uso do território como fundamento dos diagnósticos de gestão da cidade: o território em ação a serviço do cidadão. O território só existe quando usado, caso contrário, há uma despolitização da discussão. A discussão sobre a cidade, portanto, deve dar-se na questão essencial e política que é aquela sobre o uso do seu território. Usa-se o território para existir, desde o momento em que nascemos. Por isso, essa abordagem é central no processo de construção de um projeto de nação que precisa ser exibido para a realização dos pactos eleitorais, com os eleitores lá onde eles vivem! E que se dão, nos lugares para tanto constituídos, sobretudo no espaço público!
Então, os termos desterritorialização, re-territorialização são escapismos inaceitáveis. Impossível desterritorializar-se, pois ainda não podemos levitar, flutuar, de modo algum! Essa maneira de pensar despolitiza a questão séria que é aquela do direito ao uso do território, fundamento de qualquer política territorial, urbana ou regional. Não o direito à cidade!
Junte-se, a isso, a compreensão de conceitos que constituem um caminho de método, que julgamos banalizados no processo de discussão sobre o direito ao uso do território, pois são interdependentes e hieráquicos e que se apresentam como verdadeiras etapas do processo político a serem pactuadas: a elaboração de uma Política Territorial, dela decorrente a construção de um Planejamento Territorial que, por sua vez é composto de Programas que indicam os Projetos que finalmente se desdobram em Ações explicitadas no uso que fazem do território. É aí que a região se faz necessária como ferramenta ideológica do instituto democrático. Região como subespaço da descentralização do poder pela explicitação dos pactos políticos exibidos territorialmente. Isso é urgente para um país imenso como o Brasil. A região não é uma categoria permanente mas mutável, pois, ferramenta ideológica. Porque não incorporá-la à discussão Politica?
Assim, chegamos em um ponto importante desta questão: não pode haver Gestão Pública sem Política, pois a gestão sem formalizar e respeitar os pactos políticos firmados durante o processo eleitoral, apenas transforma a Política em migalhas, como nos ensina Edgar Morin (1997), em seu magnifico livro Politique de Civilization, lamentavelmente ainda não traduzido para o português.
A Gestão é pública, dos recursos públicos. A Política envolve tudo, toda a sociedade, suas organizações, instituições e pessoas. Daí, é preciso esclarecer a separação entre a gestão pública e a gestão privada! Logo, não há “politica pública”! Outro escapismo que escamoteia o exercício privado, na gestão publica! Essa distinção é necessária para o correto trato da coisa pública, responsabilidade de Professores, como eu, que existem para ensinar, quando isso nos é permitido, como é o caso deste texto sob nossa responsabilidade.
A questão que se apresenta em nosso país é que ainda não praticamos a Política, no sentido mais nobre do seu significado mas, apenas, realizamos a política eleitoral, nos tempos de eleição, que se alongam durante todo o mandato do eleito e, assim, a Política de interesse de todos é deixada de lado! E, lidando apenas com a gestão como moeda de troca política, se vende um mandato e um país, com a comercialização do uso do seu território, vale dizer de seu povo e suas riquezas.
- A efetiva introdução do TERRITÓRIO USADO como categoria social de análise, de planejamento e ação política e governamental.
Insistimos na questão do território usado como componente essencial da luta sobre as desigualdades socioespaciais, da compreensão política dos processos de constituição das seletividades socioespaciais e os enormes investimentos públicos consumidos para realizá-las. Assim, como nos ensina Milton Santos, criamos nas cidades verdadeiras “zonas luminosas”, bem equipadas, modernizadas onde vivem os ricos e as “zonas opacas”, mal equipadas, sem quase ou nenhum equipamento ou serviços de interesse coletivo, lá onde vivem os pobres. E, no território nacional ampliamos a constituição pelo uso de altas densidades técnicas criando o que denominamos “meio técnico-cientifico informacional”, dando fluidez ao território para a maior aceleração da acumulação capitalista. Assim tem sido feito no Brasil, com os enormes recursos voltados à produção dessa fluidez territorial, como por exemplo, no Centro Oeste e na Amazônia Legal, a serviço do capital depredador e de uma dada exploração do agronegócio servindo, especialmente, às grandes corporações estrangeiras, a partir inclusive de processos violentos sobre os moradores antigos dessas regiões.
Essa produção da fluidez – hoje metaforicamente denominada de mobilidade – acontece tanto na cidade como no país, em detrimento da existência de um território viscoso, habitado por homens e mulheres pobres, lentos, longe da volúpia do mundo globalizado, porém, sobreviventes da tragédia que lhes é imposta pela natureza do urbano que aí está, pautado no consumo desenfreado e criador de “consumidores mais que perfeitos e cidadãos imperfeitos”.
É sobre isso que as candidaturas também precisam discutir e estabelecer seus compromissos políticos!
Por isso se constituem os lugares do mando, do comando e os lugares – aos milhares – do fazer, vinculados à uma importante dinâmica de usos do território, com milhares de possibilidades, pois assentadas na vida social e coletiva indo do indivíduo, da família, da comunidade, em princípio unidades básicas do encontro e da solidariedade, até a nação.
- A região como instrumento ideológico e político da descentralização das ações do governo (as regiões administrativas) e do poder: os conselhos regionais e a decisão sobre fundos de ação regional.
A região, um subespaço, uma circunscrição a ser constituída no espaço geográfico, é uma ferramenta ideológica que pode e deve ser colocada a serviço do planejamento territorial democrático. Assim, ela é aliada aos processos históricos de natureza política para manutenção ou transformação das realidades socioespaciais, para o bem ou para o mal. A região, conceito geográfico consagrado, hoje pode ser considerada uma ferramenta ideológica e concreta da democratização, permitindo que “cada um cuide do seu pedaço” defina seu futuro, construa suas demandas, elabore orçamentos, organize sua participação política.
Com a regionalização, há necessidade de montagem de um sistema nacional de participação política regional que nasce de forma mais consistente à partir dos lugares. Desta ideia podem surgir alternativas interessantes para uma reforma política que considere o território usado e a regionalização como critérios de constituição do poder político nacional. Não é mais admissível políticas denominadas democráticas sem o uso da regionalização como ferramenta da política e da gestão. Na política, pela descentralização territorial do poder, regionalmente, sob a coordenação dos distintos níveis de governo, isto é, entre os níveis nacional, estadual ou municipal com suas atribuições constitucionais e, na gestão, pela sua descentralização e possibilidade de monitoramento das atividades de uso do território desde o município, em todos os níveis da federação, pelo cidadão.
Dessas considerações, surgem algumas propostas pelas quais temos lutado há meio século, como planejadora territorial:
- Algumas propostas:
Proposta nº 1: A explicitação territorial (urbana e regional) das propostas dos candidatos. Um país continental e diverso como o Brasil exige esse princípio político na formulação de compromissos políticos regionalizados e não apenas setorializados.
Diretrizes macroregionais precisam decorrer dos compromissos políticos dos candidatos à presidência da república e regionais para os governadores, correspondendo às suas escalas de poder, de modo a falar com o eleitor, lá onde ele vive. As propostas para cada região brasileira, ou para cada estado federativo, dependendo da sua natureza e abrangência, precisam ter também especificidades regionais e locais. É preciso não apenas um compromisso genérico, nacional, mas a explicitação no Plano de Governo de compromissos e ações macroregionais para os presidenciáveis e regionais para os governadores.
Proposta nº 2 – Formulação de uma Política Nacional de Uso do Território Brasileiro.
Formulação de diretrizes, programas e projetos de ação que estimulem usos do território de interesse do país e coíbam usos predadores, ajustando-os às características das distintas regiões.
Proposta nº 3 – A implantação de sistema de planejamento e monitoramento do uso do território informatizado, em todos os niveis da federação.
Este sistema é a base essencial para a implantação de politicas territoriais sejam elas urbanas ou regionais, pois se constitui em uma base concreta para a realização da política nacional de uso do território.
Proposta nº 4 – Proposta Pacto Territorial versus Pacto setorial (vigente).
Em um processo eleitoral, o combate às seletividades e desigualdades socioespaciais é o compromisso politico a ser assumido pelos candidatos. Daí a proposta que defendo, entre outras, neste breve documento, de discutir o planejamento territorial versus o planejamento setorial. O pacto territorial significa oferecer ao cidadão, lá onde ele vive, próximo a ele, todos os equipamentos e serviços considerados banais, que lhes são devidos por direito existencial: água, luz, saneamento, habitação, emprego, equipamentos básicos de saúde, segurança, educação, lazer. O pacto setorial, hoje existente e que organiza a estrutura da gestão pública em todos os níveis da federação brasileira rompe com a ideia de totalidade anunciada logo no início destas considerações, além de atender exclusivamente aos interesses hegemônicos.
No entanto, esta CARTA elaborada pelo CAU BR também oportuniza a possiblidade de alargamento e atualização das discussões durante o processo eleitoral, predominantemente economicista e financista, a ser também realizada pelos professores e pesquisadores dessas disciplinas implicadas nas análises aqui feitas, especialmente as análises territoriais e geográficas, o planejamento territorial, o urbanismo e a arquitetura, buscando qualificar e politizar o debate, para além do eleitoral, buscando transformações estruturais com a apresentação de conhecimento e ideias que se sustentem na compreensão do século XXI que mostra sua cara e que já escancara o tempo da mudança.
Está já caminhando o que denominamos na Geografia Nova de Período Popular da História, acionado há séculos pela movimentação humana, em diferentes escalas geográficas. Hoje ela é propulsionada e acelerada não apenas por guerras e desastres naturais e humanos como a fome, mas pela possibilidade de lançar a âncora da existência no futuro, oportunizada pela difusão incontrolável da informação e da comunicação através do uso das novas tecnologias e pela possibilidade de acesso ao mundo (espaço geográfico) pelo seu conhecimento cada dia mais profundo e que vem sendo obtido pelas populações punidas e massacradas pelo modelo civilizatório vigente, especialmente, pelos “senhores da guerra e da fome”.
Razões do nosso inabalável otimismo.
Arquitetos de Família: uma proposta de ATHIS para o território
Uma proposta de ATHIS como atuação permanente nos territórios, segundo uma abordagem da Saúde Ambiental
Por Mariana Estevão
Arquiteta e Urbanista, especialista em Engenharia de Saúde Pública e em Gestão de Infraestrutura Física em Saúde. Idealizadora do Projeto Arquiteto de Família e fundadora da ONG Soluções Urbanas. Nos últimos anos vem se dedicando à formação continuada de arquitetos para atuação com ATHIS e Arquitetura Social.
A pandemia da Covid-19 tornou mais evidente a relação entre a inadequação habitacional e a Saúde Pública, não só pela falta de saneamento, algo que já era notório, mas também nas questões relativas à precariedade das edificações. Essa relação sempre foi considerada pelo setor saúde. As condicionantes ambientais, bem como as sociais, são determinantes de saúde que influenciam as bases conceituais que fundamentam a Atenção Primária de Saúde.
Fui convidada a contribuir no Eixo B: Habitação, Saúde Pública e Meio Ambiente, para tratar especialmente do tema Habitação, devido à minha experiência com Assistência Técnica para Melhorias Habitacionais, mas eu me sinto recompensada pela oportunidade de poder relacionar todos os três assuntos, pois não vejo como tratá-los de forma fragmentada.
Desde a criação do Projeto Arquiteto de Família, há mais de duas décadas, o objetivo principal sempre foi promover saúde a partir da requalificação da moradia autoconstruída. Essa relação, inicialmente, foi mais facilmente compreendida pelos profissionais e instituições de saúde. Foi graças à Cooperação Técnico-científica com o Instituto Vital Brazil, empresa pública produtora de insumos de saúde da Secretaria de Saúde do Estado do Rio de Janeiro, que foi possível aplicar o projeto e desenvolver a metodologia no Morro Vital Brazil, em um núcleo que atuava como um misto de responsabilidade social institucional e desenvolvimento de pesquisa aplicada, em cooperação com outras instituições de pesquisa, entre elas a Escola Nacional de Saúde Pública, da Fiocruz.
Ao longo de sete anos de atuação nesse território, entre 2009 e 2016, o projeto se desenvolveu como uma assessoria técnica direta às famílias, em articulação com o núcleo de saúde da família local e com a Associação de Moradores, ainda que boa parte das famílias não se sentisse representada por ela. A diferença de um processo como esse, para o de uma assessoria técnica iniciado a partir dos movimentos organizados por moradia, é que o grupo demandante, está mobilizada e organizada em torno de uma causa. O que, em geral, torna o processo convencional, defendido tanto pelos movimentos organizados, quanto pelas assessorias técnicas, mais legítimo. O processo de organização social de quem vive o problema da moradia e a mobilização dos recursos, garantindo o protagonismo, a auto-gestão e autonomia, são processos muito mais ricos, mas nós vivemos em um país com enormes desigualdades sociais, que levam a condições de vulnerabilidade social extremas.
Vivemos em um país aonde a situação de precariedade da moradia, muitas vezes fazia uma mãe, agente comunitária de saúde, passar a noite tirando a água da chuva que entrava pela porta com um rodo e vigiando o talude acima, para que as filhas pudessem dormir e que com a construção de uma canaleta de drenagem e uma pequena contenção atrás da casa, pelos Arquitetos de Família, o problema foi resolvido.
De outra mãe da Rocinha, onde o índice de tuberculose é 70% maior do que a média nacional, que recebeu a orientação de um médico para deixar de trabalhar, para cuidar da filha, já com medicação prescrita para a doença, quando o problema estava na casa insalubre e que depois que a casa recebeu janelas para garantir ventilação cruzada, a filha ficou bem.
Quando são dados da Associação Brasileira de Psicopedagogia de 2003 que a Síndrome do Desconforto do Sono Infantil, impactam diretamente no aprendizado e no aproveitamento escolar.
Nos faltam dados para avaliar uma série de outros impactos à saúde. Os do calor excessivo, por exemplo, que podem aumentar os riscos de hipertensão.
Em uma casa no Morro Vital Brasil, adotamos cinco diferentes soluções construtivas para resolver problemas de conforto térmico, todas de baixo custo e outras de redução de umidade, para serem validadas pelo Laboratório de Conforto Térmico e Eficiência Energética da UFF e os resultados foram surpreendentes: redução drástica da temperatura interna da casa e a eliminação do uso dos antibióticos pelas três crianças que viviam nela.
Ainda que o nosso olhar e a nossa atenção fossem para as unidades habitacionais e suas famílias, não deixamos de olhar para o território como um todo. Para atuar com esse público, não organizado em um movimento por moradia, mais vulnerável, social e ambientalmente, tivemos que agregar outros saberes e estratégias que gerassem o processo de organização e mobilização comunitários desejado, que favorecessem o “empoderamento”, a participação e a autonomia.
O Arquiteto de Família tinha como foco, Promover Saúde, mas foi por meio da Economia Solidária, das Tecnologias Sociais e da Educação Popular que garantiu que as famílias se apropriassem dos saberes e que a assessoria técnica, ainda que na “mão invertida”, pudesse obter os resultados transformadores e permanentes, desejados.
Nós temos hoje a Lei 11.888/2008, que garante a Assistência Técnica para Habitação de Interesse Social às famílias com renda inferior à três salários mínimos, mas será necessário que Estados e Municípios criem programas para colocar em prática essa Lei.
Desde a criação da nossa Lei da ATHIS, ouço falar que ela é o “SUS da Habitação” ou o “SUS da Arquitetura”, mas ela é, no máximo uma ferramenta do que tem que ser um Sistema Único de Habitação. Precisamos olhar, defender e reivindicar toda a estrutura necessária para garantir que as pessoas possam ter moradia digna e acessível para chamar de sistema e isso se refere a toda uma cadeia produtiva, não só o acesso ao profissional de forma gratuita. Por mais que eu defenda a implementação da Lei como Política Pública nos 5.570 municípios desse país. Mais do que isso, a Lei trata das famílias com renda até três salários mínimos, mas nós temos 93% das construções do país sendo erguidas sem arquitetos!
Precisamos falar de trabalhadores da construção civil qualificados, sobre acesso a materiais de construção, recursos e logística, sobre crédito com juros acessíveis e financiamento à fundo perdido, sobre acesso à terra e infraestrutura e ATHIS também, com interdisciplinaridade. Sem falar da formação dos próprios arquitetos e urbanistas para atuar com esse público e com essa lógica, mas isso faz parte do processo e é tema de outro Eixo.
Como proposta de Programa de ATHIS para melhorias habitacionais nos territórios das favelas e periferias, o processo mais lógico e efetivo seria criar núcleos de ATHIS que atuem de forma integrada às UBSs e CRASs. De forma a garantir uma atuação permanente e contínua, que permita estabelecer vínculos de confiança com os moradores e lideranças comunitárias, garantindo os processos de reforma evolutiva das casas e a manutenção preventiva das vias e áreas públicas.
Trago como contribuição para esse movimento, nesse processo político, um breve histórico de outro movimento importantíssimo que ocorreu há algumas décadas e que muito nos diz respeito, mas que pouco sabemos sobre ele: do setor saúde e que deu origem à atenção básica à saúde, adotada hoje pelo SUS e aplicada nos territórios pela Estratégia de Saúde da Família.
Os movimentos que consolidaram a Atenção Primária à Saúde e o princípio de Promoção da Saúde:
Todos os fundamentos da Atenção Primária à Saúde e o princípio de Promoção da Saúde são decorrentes de um movimento que teve início com as duas missões de especialistas ocidentais à China Nacionalista, no início da década de 1970, promovidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que inspiraram a nova perspectiva em saúde, foram publicados relatórios que formaram as bases para os movimentos que convergiram na conformação de um novo paradigma e que, em 1978 lançaram a proposta de Saúde Para Todos no Ano 2000, na Conferência Mundial de Saúde Alma-Ata, evoluindo para a estratégia de Atenção Primária de Saúde, na Primeira Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, com a promulgação da Carta de Ottawa, em 1986.
As primeiras observações no cuidado com a saúde, que chamaram a atenção em uma comparação entre ocidente e oriente, nas missões enviadas à China, foi que esse cuidado, extrapolava a tradicional abordagem da atenção médica. Os princípios estavam relacionados à uma série de ações de organização da comunidade local, inicialmente localizadas nos ambientes rurais e de estruturação territorial e institucional, de caráter comunitário, como apoio às escolas e a construção de unidades básicas de saúde; organização das pessoas para o cuidado com a saúde ambiental; estímulo aos cuidados preventivos e valorização da medicina tradicional bem como campanhas de saúde em todos os níveis como forma de favorecer mudanças de hábitos e costumes danosos à saúde e a consciência coletiva por deveres com a higiene pessoal, do ambiente doméstico, das ruas e locais públicos; a preservação ambiental, a prevenção contra incêndios, a manutenção e uso de água potável e tudo baseado no estabelecimento de relações de autoconfiança, participação social dos diferentes segmentos, nos diferentes níveis de discussão e tomada de decisão, desde o planejamento das ações à destinação dos recursos disponíveis.
Ainda que a Declaração de Alma-Ata tenha sido considerada pouco madura, já era clara a ideia de que para uma saúde plena, a intervenção de outros setores sociais e econômicos, além do setor saúde se faziam necessários. Também já se fazia destaque para a necessidade de participação comunitária e do indivíduo em todos os processos.
Em 1981, em uma Conferência Nacional de Saúde do Canadá, foi introduzida a ideia de que o contexto social era um poderoso determinante de saúde, porque moldava o comportamento individual. Essa mudança de percepção, refletiu a revisão no enfrentamento do problema: onde promover saúde deixa de ser tanto uma questão de estilo de vida, para se tornar uma questão orientada em fatores sociais e ambientais.
Em 1984, mais uma conferência canadense introduz dois novos conceitos: o de política pública saudável e o de comunidade ou cidade saudável. Admitindo-se, a partir daí a interferência de decisões políticas externas ao setor saúde e o “empoderamento” e a participação social, através da descentralização do poder, adoção de tecnologias apropriadas, com a proposta de fortalecer o conceito da Promoção da Saúde a partir da ideia de “cidade e comunidade saudável”, traduzida pela noção de saúde ambiental.
Todas essas ideias culminaram com a Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, em Ottawa, em 1986, pela Organização Mundial da Saúde e a Associação Canadense de Saúde Pública, evidenciando a correlação entre os conceitos de atenção primária à saúde, promoção da saúde e cidades saudáveis.
O conceito de Promoção da Saúde foi se enriquecendo com a série de contribuições das declarações internacionais periodicamente formuladas nas conferências internacionais realizadas sobre o tema.
Em 2000, quando, teoricamente dever-se-ia ter obtido “Saúde para todos”, sabemos perfeitamente que essa meta não tinha sido atingida, mas o Brasil tinha conquistado o SUS, garantido na nossa Constituição Federal em 1988. Pode-se dizer que foi uma grande conquista e conhecer esse processo, suas origens e fundamentos é importante para fortalecermos essa luta. Uma avaliação feita aqui no Brasil e publicada pelo Ministério da Saúde naquele ano, decorridos 25 anos, após a publicação da Declaração de Alma-Ata, apontava as evoluções e os muito pontos ainda por evoluir, mas podemos identificar, entre elas muitos pontos contidos nas Conferências Mundiais de Meio Ambiente e nos ODS da ONU.
Em 2009, aconteceram, em todo o Brasil, as Conferências de Saúde Ambiental em todas as esferas de Governo. Essas Conferências reuniram as Secretarias e Ministérios das Cidades, Saúde e Meio Ambiente. A proposta era que fossem bianuais, mas surpreendentemente ficaram restritas àquele ano. O resultado deixou evidente que boa parte dos problemas de saúde e impacto ambiental poderiam ser evitados com investimentos infraestrutura e habitação. O relatório final, resultado da Conferência Nacional está disponível no documento abaixo e segue a proposta de integração dos temas do Eixo que agora, voltamos a reunir.
Relatório final: CLIQUE AQUI.
Na ocasião das conferências, fizemos uma conferência local no Morro Vital Brazil e discutimos os temas pela abordagem da Saúde Ambiental com os moradores do território e levamos os resultados para a Conferência Estadual do Rio de Janeiro.
Agora, com a pandemia de Covid-19, com a necessidade do isolamento social, mas com a clareza de que as pessoas não teriam moradia adequada para permanecer tanto tempo dentro das suas casas com famílias numerosas, em casas com pouca ou sem nenhuma ventilação natural, ou que precisariam manter hábitos de higiene, mas que muitas delas não tinham banheiro salubres, outras, sequer tinham banheiro, instalações e redes sanitárias.
Quando tantas famílias precisaram continuar indo às ruas e se arriscando nos transportes públicos lotados para garantir o sustento das famílias. Moradia e trabalho sempre foram temas correlacionados.
Volto a destacar os temas desse Eixo e a relevância deles aparecerem de forma integrada nessa Carta. Se hoje, Habitação, Saúde Pública e Meio Ambiente aparecem juntos no âmbito de uma mobilização de arquitetos e urbanistas, é assim que devem permanecer enquanto proposta de programas e política públicas. Na atuação de uma assessoria técnica em uma periferia, para promover melhorias habitacionais, é tratando da saúde humana que a mensagem sobre a necessidade do cuidado com o ambiente faz mais sentido.
Durante a pandemia, diferentes iniciativas protagonizadas por arquitetos e urbanistas pelo país, algumas delas financiadas por editais de fomento dos CAUs de alguns Estados, outras por ONGs, deram conta de ações emergenciais para atender a famílias em condição de vulnerabilidade extrema. As soluções de instalação de pias coletivas, construção de banheiros, campanhas educativas, distribuição de alimentos, para garantir que as famílias pudessem permanecer nas suas casas, foram de suma importância, mas agora precisamos de estratégias de médio e longo prazo. Seguida das intervenções que garantam o acesso à infraestrutura urbana, precisamos da atuação permanente e contínua de profissionais no território, em conjunto com as estruturas locais, as lideranças e os moradores, pela redução das vulnerabilidades socioambientais para o enfrentamento de epidemias e mudanças climáticas.
Desde 1.947 a OMS define saúde como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença”.
Precisamos aprender com o histórico de construção política do SUS e com os fundamentos teóricos da nossa Política de Saúde e entender que uma atuação integrada levaria à objetivos em comum, com otimização de recursos. Tirar a proposta das Cidades Saudáveis do plano das ideias, das discussões acadêmicas e trazer para o planejamento urbano real, das cidades onde vivemos o dia a dia.
Os problemas que relacionavam os temas Habitação e Saúde Pública e Meio Ambiente, sempre fizeram parte da vida das pessoas que vivem nas periferias ou em condições inadequadas de moradia e saneamento e se tornam proporcionalmente mais críticos, quanto mais vulneráveis são as condições socioambientais. A percepção de que Moradia Digna é uma questão de Saúde Pública trazida pela pandemia, que hoje defendemos como uma causa, deixa claro que precisamos defender a criação de estratégias e programas convergentes com as propostas da Atenção Primária de Saúde, de Promoção da Saúde e de Cidades e Comunidades Saudáveis. Esses são o ponto de partida para se pensar nos Programas de ATHIS para os territórios periféricos, fortalecendo as redes sociais e comunitárias, capazes de contribuir positivamente com a criação de territórios social e ambientalmente menos vulneráveis e formando gerações de indivíduos e grupos sociais autônomos, participativos e conscientes sobre a relação saúde-ambiente.
MCMV,2
“De fato, a Habitação é tema complexo. Em geral, é tratado apenas como promoção de moradia, mas na cidade contemporânea a Habitação não é só a casa, engloba também a infraestrutura, os serviços públicos, os equipamentos sociais, a mobilidade. Habitação é cidade.”
Por Sérgio Magalhães
Ex-presidente do IAB (2012/2017) e presidente do Comitê Executivo do 27º Congresso Mundial de Arquitetos da União Internacional de Arquitetos (UIA2021RIO).
O presidente eleito, em seu primeiro pronunciamento após a vitória, comprometeu-se a proteger pessoas e famílias que vivem em situação de rua através da retomada do programa Minha Casa, Minha Vida – MCMV.
É uma boa notícia o tema da habitação estar na pauta prioritária do novo governo. Por certo, o necessário redesenho do MCMV incluirá garantir o protagonismo da família na decisão de como, onde e em que condições morar. A participação social na elaboração dos programas de governo, como condicionou o presidente eleito, evitará que conjuntos residenciais negociados entre governos e empreiteiras sejam um prato servido pronto.
De fato, a Habitação é tema complexo. Em geral, é tratado apenas como promoção de moradia, mas na cidade contemporânea a Habitação não é só a casa, engloba também a infraestrutura, os serviços públicos, os equipamentos sociais, a mobilidade. Habitação é cidade.
A Habitação tem larga repercussão na economia, na política, na saúde, na educação, na cultura e até no planeta. O clima depende da cidade. Uma cidade expandida em baixa densidade, sem boa infraestrutura, com mobilidade deficiente, não impacta apenas as pessoas, que sofrem em seu quotidiano, impacta todos aqueles fatores. Essa interdependência pede que o tema seja tratado permanentemente e de modo transversal às políticas de Estado.
Reconheçamos que no Brasil a questão é mais grave. Desde meados do século passado, a população brasileira cresceu quatro vezes, o que alguns demógrafos consideram algo inédito no mundo em tão pouco tempo. No mesmo período a população urbana cresceu quinze vezes. E o número de moradias urbanas cresceu trinta vezes!
E como foram produzidas estas novas moradias? Oitenta em cada cem domicílios foram construídos exclusivamente com os recursos das famílias; vinte em cada cem, apenas, tiveram algum financiamento ou foram promovidas pelos governos. Esse quadro se desenrola desde o BNH até o MCMV, sem mudanças.
Recursos importantes foram destinados no segundo mandato de Lula e no governo de Dilma Roussef. Não obstante, a percentagem de moradias construídas pelo MCMV em relação às que foram construídas no país não ultrapassou a percentagem média de moradias financiadas desde os tempos do BNH. Continuamos nos mesmos 20% – e até menos.
Isso demonstra a enorme potência do povo brasileiro na produção da sua moradia. Mas, não é suficiente. Também explicita que a cidade é uma construção compartilhada, onde cabe ao coletivo a produção das infraestruturas e serviços. A escassez de Estado nos territórios populares, das favelas, loteamentos e periferias de nossas cidades é corolário da falta de política habitacional e urbana no país.
Sendo redesenhado, como é desejável, o MCMV,2, além de oferecer financiamento para a decisão das famílias, precisará contemplar a urbanização desses assentamentos populares existentes, onde as famílias já construíram suas moradias.
Nesse tema o país tem boa experiência, como é o caso do Programa Favela-Bairro, no Rio de Janeiro, ou o Renova São Paulo, em São Paulo, bem como em outros estados. A Colômbia, em Medellin e em Bogotá, seguiu e inovou essa experiência brasileira com ótimos resultados.
Cuidar da cidade significa qualificar os seus espaços públicos para a interação social, buscar a equidade pela universalização das infraestruturas e serviços públicos, bem como torná-la atenta ao planeta e ao clima. Afinal, a cidade é o lugar da maioria da população mundial. No nosso caso, de 85% dos brasileiros.
Agora em novembro, no Egito, na Conferência da ONU sobre questões climáticas, a COP27, em que o Brasil deverá reinserir-se como protagonista, seria útil reforçar a questão urbana como parceira da sustentabilidade global. O tema da Habitação é central para o planeta e é básico para o desenvolvimento do país.
Ademais, tratar bem da cidade significa cuidar do povo.
Propostas para uma política urbana à brasileira
Não é por falta de leis, planos, propostas, competência técnica ou órgãos voltados para a gestão de nossas cidades que elas são tão desiguais e predatórias, socialmente e ambientalmente.
Por Erminia Maricato
Arquiteta, urbanista, professora, pesquisadora e ativista; coordenadora nacional do Fórum BRCidades
O PASSADO RECENTE
O Brasil se tornou predominantemente urbano a partir de meados dos anos 60 do século XX. Portanto, dos seus 520 anos de vida, o Brasil viveu mais de 400 anos sob hegemonia agroexportadora e passa a ser predominantemente urbano há apenas 60 anos atrás. O processo de urbanização se deu de forma avassaladora: em 120 anos o país passou de 10% da população nas cidades, em 1900, para mais de 85%, em 2017. Estamos falando de um gigantesco processo de transferência de pessoas do campo para a cidade já que, apesar da abundância de terras, a Reforma Agrária não se verificou. Estamos tratando ainda de um país que tem uma das maiores populações do planeta.
Embora esse processo tenha acontecido em tempos de liberdade da mão de obra, antes escravizada, num Estado formalmente independente e republicano- incluindo ainda o forte processo de industrialização que teve lugar entre 1940 e 1980- as raízes coloniais, escravistas, patriarcais, patrimonialistas e oligárquicas estiveram, e estão, fortemente presentes na produção e uso de nossas cidades que podem ser classificadas entre as mais desiguais do mundo.
PROPOSTAS INSTITUCIONAIS PARA A POLÍTICA URBANA- UM POUCO DE HISTÓRIA
Em 1963 por iniciativa do IAB- Instituto de Arquitetos do Brasil, foi organizado o Seminário de Habitação e Reforma Urbana com a presença e representação de várias categorias profissionais e até parlamentares. Esse evento se deu no contexto das chamadas “reformas de base” conduzidas por partidos políticos, sindicatos, movimentos sociais, entidades profissionais, que buscavam a superação da condição nacional de subdesenvolvimento, por meio da elaboração de propostas em torno dos temas como reforma política, administrativa, agrária, da saúde, da educação, entre outras. A América Latina vivia um momento de promessa emancipatória contra a tradição de dependência. As resoluções do seminário de 1963 organizou um conjunto de propostas e firmou as bases de uma utopia que tem alimentado, desde então, uma profusão de leis, medidas, planos, além da criação de órgãos públicos e implementação de políticas públicas que são criadas ou extintas nesse período. No centro do debate que se manteve mais vivo ou menos vivo durante os anos que nos separam do seminário está a questão fundiária (propunha-se superar a “estrutura fundiária arcaica” implementando “limites ao direito de propriedade”), a proposição de um órgão central federal e um fundo nacional de habitação, com autonomia financeira além de planos nacionais territorial e de habitação. Outros temas importantes como o desenvolvimento tecnológico da indústria da construção ou normatização dos materiais ou pré fabricação de componentes para construção também fizeram parte dessa importante formulação.
Independente da conjuntura política, o Seminário de 1963 vem inspirando propostas de política urbana e estrutura institucional governamental e jurídica, seja em períodos ditatoriais seja em períodos democráticos. Vamos lembrar apenas as iniciativas mais importantes. Durante o Regime Militar foram criados vários de política urbana como foi o caso do SERFHAU- Serviço Federal de Habitação e Urbanismo acompanhado do Fundo de Financiamento de Planos de Desenvolvimento Local Integrado (Decreto nº 59917 de 30/12/1966 / PE – Poder Executivo Federal). Sucedendo o SERFHAU foi criado a CNPU- Comissão Nacional de Política Urbana e Regiões Metropolitanas e depois o CNDU- Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano (1979). A política habitacional (que incluiu saneamento e transporte) era gerida por dois organismos, o BNH- Banco Nacional de Habitação e o SFH- Sistema Financeiro da Habitação, com a participação de órgãos executores estaduais ou locais – Companhias Habitacionais Cohabs. Esse sistema financiou mais de 4 milhões de moradias com recursos privados (SBPE) e semi-públicos (FGTS) que impactaram a morfologia das grandes cidades brasileiras o que está longe de significar um resultado territorialmente justo pois deu prioridade às classes médias e alimentou, ao invés de coibir, a especulação fundiária e imobiliária. Importante lembrar, também desse período, o PL 775 de 1983, versão precursora da lei Federal 10.257/2001, Estatuto da Cidade, enviado pelo governo militar ao Congresso Nacional.
Com o fim do ciclo ditatorial e a volta das eleições diretas para governadores e prefeitos das capitais, em 1985, o BNH é extinto e criado o MDU- Ministério do Desenvolvimento Urbano que por sua vez é extinto em 1989. Vive-se um período de retorno do protagonismo das organizações sociais que vão desaguar na reforma da Constituição Federal brasileira. Uma articulação social construída em torno da proposta de Reforma Urbana, que incluía o IAB- Instituto de Arquitetos do Brasil e a FNA- Federação Nacional dos Arquitetos-, deu origem à proposta de Emenda Constitucional de Iniciativa Popular que inspirou um capítulo na Constituição de 1988. Além de instituir a função social da propriedade urbana e da cidade a CF 88 foi marcada pela descentralização das competências relacionadas ao desenvolvimento urbano, ao transporte e ao saneamento. Tentava-se romper com a gestão extremamente centralizada de obras que impactavam realidade muito diversas em um país de dimensões continentais. Continuando na relação de órgãos institucionais inspirados no Seminário de 1963, podemos citar a Secretaria de Política Urbana e Política de Habitação do governo FHC, criada em 1996 e subordinada ao Ministério do Planejamento. Finalmente cabe lembrar a criação do Ministério das Cidades em 2003. Este ministério foi acompanhado da instituição de uma ampla estrutura participativa: Conferência Municipal das Cidades, Conferência Estadual das Cidades e Conferência Nacional das Cidades. As resoluções desse processo de filtragem de propostas, que vinham do poder local e, portanto, constituíam um sistema federativo, eram debatidas no Conselho Nacional das Cidades que contava com participação de movimentos sociais, entidades profissionais e empresariais além de representantes dos entes federativos. A partir desse processo participativo foi elaborada a Politica Nacional de Desenvolvimento Urbano, divulgada, em 2005, por meio de 8 Cadernos do Ministério das Cidades, impressos e digitalizados que trataram dos temas: 1) Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, 2) Participação e Controle Social, 3) planejamento Territorial Urbano e Política Fundiária, 4) Política Nacional de Habitação, 5) Política Nacional de Saneamento Ambiental, 6) Política Nacional de Sustentabilidade Urbana Sustentável, 7) Trânsito, questão de Cidadania, 8) Capacitação e informação para o Desenvolvimento Urbano, 9) Eficiência energética em Habitações de Interesse Social.
Além das instituições, as propostas de políticas públicas e os planos referidos, a partir da Constituição de 1988, forças sociais organizadas se dedicaram à conquista de um significativo arcabouço legal modernizante, até 2016: Estatuto da Cidade (2001), Lei Federal de Consórcios Públicos (2005) , Lei Federal do Fundo de Habitação de Interesse Social (2005, de iniciativa popular), Lei Federal do Saneamento (2007), Lei federal de Resíduos Sólidos (2011), Lei Federal da Mobilidade Urbana(2012), o Estatuto da Metrópole (2015).
O prestígio dos planos municipais, que depois ficaram conhecidos como Planos Diretores, pode ser constatado em dois diferentes momentos do período que estamos tratando, isto é, após os anos 60, quando o país se torna predominantemente urbano. O primeiro se deu durante o Regime Militar. O SERFHAU manteve um fundo, o Fiplan, para apoiar financeiramente Planos de Desenvolvimento Local Integrado. (1967/1974). O segundo momento, após a criação do Ministério das Cidades, durante a vigência do Estatuto da Cidade, o apoio financeiro alcançou mais de 500 municípios e envolveu um forte movimento de profissionais e movimentos sociais na implementação do que ficou conhecido como Plano Diretor Participativo. A defesa desta geração de PDPs, que se encontra sob forte pressão de forças de orientação neo liberal antiregulatória tem ocupado muitos urbanistas, no Brasil todo, quando estas linhas são escritas. A Emenda Constitucional de Iniciativa Popular de Reforma Urbana não havia dado ao Plano Diretor essa centralidade que ele ganhou no texto da Constituição e no período que estamos tratando. A produção de Planos em série durante o período da ditadura forneceu um antídoto contra o que Flavio Villaça chamou de “plano discurso”. Na Constituição de 88, entretanto, o Plano Diretor é localizado como peça chave de encaminhamento dos conflitos fundiários que devem ter solução, portanto, na escala do município.
Aplicação do IPTU progressivo para a propriedade ociosa, o direito de superfície, o direito de preempção, o solo criado ou outorga onerosa, as operações urbanas, a usucapião especial urbana, a regularização fundiária, a desapropriação com títulos da dívida pública, a produção cooperativa de moradias, cartas de crédito, a institucionalização de regiões metropolitanas e aglomerados urbanos, as competências federativas, as formas de participação social…além das discussões sobre recursos e formas de financiamento, todos esse temas foram tratados em numerosas oportunidades nos últimos 60 anos. Parte dos urbanistas reconhecem avanços mas o saldo sobre a desigualdade urbana, deixa muito a desejar.
Uma extravagante distância separa o arcabouço legal e institucional conquistado da realidade da produção do espaço urbano informal (irregular, sem leis, sem Estado) que constitui mais regra do que exceção. Historicamente excluídos da posse formal da terra, a maior parte da população brasileira constrói sua própria cidade impactando fortemente o meio ambiente e suas vidas. Essa é a condição da urbanização na periferia do capitalismo: moradia digna para alguns, cidades para alguns, leis e direitos para alguns… O espaço urbano da moradia precária inclui várias formas de provisão da moradia : casas inacabadas, insalubres, congestionadas, localizadas em favelas situadas em áreas ambientalmente frágeis como beira de córregos, área de proteção dos mananciais, encostas sujeitas a escorregamentos, linhas de drenagem das águas de chuva…As terras que não interessam ao mercado são as que sobram para quem ganha abaixo de 5 salários mínimos, ou seja, para mais de 60% da população brasileira, com consequências predatórias para a saúde, o meio ambiente e a poluição de recursos hídricos.
OS CICLOS DE INVESTIMENTO PÚBLICO
Durante o período que estamos tratando aqui ocorreram dois ciclos de investimento significativo em habitação e infraestrutura urbana. O primeiro se deu na década de 70 quando, sob a gestão do BNH- Banco Nacional de Habitação e SFH- Sistema Financeiro da Habitação, o governo autoritário financiou mais de 4 milhões de moradia). O segundo se deu entre 2007 a 2015, durante os governos democraticamente eleitos de Lula e Dilma Roussef, quando foram financiadas mais de 5 milhões de moradia. Não cabe detalhar aqui as características destes dois ciclos que guardam diferenças (o PMCMV buscou atender faixas de rendas mais baixas com significativo subsídio) e nem há espaço para a referência às obras de infraestrutura urbana com grande protagonismo das empresas de construção pesada. Mas é importante destacar uma semelhança que marcou negativamente o crescimento urbano nos dois períodos: a ausência de regulação da terra urbana ou ausência da aplicação da função social da propriedade prevista da Constituição Federal, no Estatuto da Cidade e nos Planos Diretores. Esse significativo e histórico investimento sem a necessária regulação fundiária levou a uma maior extensão das periferias e à dispersão urbanística com os conhecidos impactos sobre o aumento do preço da terra e da moradia, o aumento do custo de manutenção dos serviços e da infraestrutura urbana e a insustentabilidade ambiental. Foi possível verificar em ambos os ciclos, embora em momentos muito diferentes das conjunturas econômicas global e nacional, um novo padrão de verticalização e um novo padrão de espraiamento em nossas cidades além do aumento do preço da terra, dos imóveis e dos aluguéis. O nó que impede o acesso formal à terra, pela maior parte da população brasileira, no campo e na cidade, mostra todo o vigor de suas raízes centenárias, mesmo com a economia sob hegemonia do capital financeiro, ou até potencializado por ela.
A política de mobilidade urbana, ainda que marcada por grandes obras de transporte coletivo em ambos os períodos, apresentou uma piora medida pelo tempo dos trajetos das viagens diárias, promovido pelo protagonismo do transporte individual motorizado aprofundando a fratura urbana entre incluídos ao direito à cidade e os excluídos: aqueles que vivem uma parte da vida nos transportes e, nos fins de semana, vivem o exílio nas periferias violentas.
SOBRE EXPERIÊNCIAS EXITOSAS
A partir da década de 80, o Brasil viveu o ciclo das chamadas Prefeituras Democráticas e Populares. Ao invés de reproduzir as prestigiadas teses urbanísticas modernistas do chamado Primeiro Mundo (países do capitalismo central), o Brasil desenvolveu e implementou propostas originais, criativas, adequadas à nossa realidade que trouxeram um reconhecimento internacional ao país. Programas como: a) Urbanização e regularização de áreas precárias e favelas (circulação viária e de pedestres, pavimentação, drenagem, água, esgoto, coleta de lixo, iluminação pública, eliminação de riscos de enchentes e desmoronamentos, construção de equipamentos coletivos), b) produção de moradias com assistência técnica e participação social em cooperativas, c) integração modal nos transportes, corredores de ônibus e promoção de tarifa social ou tarifa zero, d) Pontos de Cultura, e) CIEPs- Centros Integrados de Educação Pública, entre outras iniciativas. Mas o programa mais conhecido internacionalmente, desse período, foi o OP- Orçamento Participativo. O OP promovia a chamada inversão de prioridades: investimentos orientados pelas necessidades sociais contrariando a lógica da valorização imobiliária e dos lobbies que historicamente dominaram o Estado brasileiro como acontece nos dias de hoje. Na recuperação dessa memória vamos encontrar experiências em praticamente todas as capitais e muitas das cidades de porte médio no Brasil. Essa memória permite recuperar também um grande número de arquitetos e arquitetas que trabalharam intensamente na construção desse novo paradigma incluindo as práticas de Extensão Universitária. Nas experiências de assistência técnica aos movimentos sociais para a produção ou melhoria da habitação surgiram escritórios modelos que inspiraram a lei Federal 11.888, de ATHIS-Assistência Técnica à Habitação de interesse Social, de 2008. Trata-se de, apoiados em arcabouço legal avançado, recuperar essa memoria que une competência técnica, inovação, experiência, adesão à realidade, efetividade, compromisso social e democrático além do controle social sobre o orçamento público.
PROPOSTAS
O que foi exposto permite afirmar que não é por falta de leis, planos, propostas, competência técnica ou órgãos voltados para a gestão de nossas cidades que elas são tão desiguais e predatórias, socialmente e ambientalmente. É evidente também que a partir de 2019, com a crise econômica, política, social, ambiental, decorrentes da chamada globalização neo liberal (menos Estado e mais mercado) e alimentadas pelas raízes conservadoras escravistas/oligárquicas estamos vivendo uma regressão civilizatória. Recuperar o Ministério das Cidades ou, o que seria mais interessante, o MDUR- Ministério do Desenvolvimento Urbano e Regional- e sua estrutura participativa pode ser importante mas não basta. A reconstrução da democracia no Brasil passa pelas capilaridade das cidades, das praças, das escolas, das igrejas…Passa pela reconstrução de uma cidadania informada. A democratização do acesso à terra com direito à cidade será uma conquista da sociedade organizada e informada ou não acontecerá.
Outra conclusão importante: planos regulatórios não bastam. Os planos devem orientar o investimento (frequentemente temos planos sem obras e obras sem planos) e definir ações. As emendas parlamentares devem obedecer à prioridades definidas nos Planos de Ação traçados com a participação da cidadania informada. Em síntese, vamos alinhavar uma proposta possível :
a) Criar um FUNDO NACIONAL PARA O DESENVOLVIMENTO URBANO cujas prioridades gerais sejam definidas por diretrizes federais, objetivas e transparentes, e cuja gestão seja descentralizada, sob controle social (Conselho Municipal ou Metropolitano do Fundo para o Desenvolvimento Urbano). Que a distribuição dos recursos obedeça critérios de indicadores sócio econômicos, municipais e metropolitanos.
b) Elaborar um PLANO DE AÇÃO MUNICIPAL OU METROPOLITANO (como condição para receber recursos do Fundo Federal mas que oriente também o investimento municipal) que defina prioridades de investimentos públicos de acordo com mapeamento local de indicadores de vulnerabilidade social/econômica/urbana. As prioridades de investimentos devem incluir, necessariamente : 1)urbanização e regularização de áreas precárias e favelas, melhorias habitacionais, eliminação de riscos de desmoronamentos e enchentes, saneamento ambiental com garantia de água e esgotos, aplicando, sempre que possível SBN- Soluções Baseadas na Natureza. 2) política de acesso à terra ou imóveis públicos e privados, especialmente quando não cumprem a função social, (com destaque para as áreas com concentração de empregos e equipamentos sociais) para a produção de novas moradias sob arranjos diversos: produção cooperativa em parcerias do poder público, promoção municipal ou estadual com assistência técnica, loteamentos populares com assistência técnica, promoção de parcerias de cooperativas e a iniciativa privada, além da produção empresarial regulada e inserida na cidade consolidada. 3) Definir prioridades de investimento no transporte coletivo. Dar efetiva prioridade à mobilidade não motorizada e ao transporte público não poluente. Apoiar a transição de um modelo de remuneração do serviço pela tarifa para remuneração por fundo público baseada na qualidade do serviço prestado. Implementar a tarifa zero ou tarifa social. 4) Definir áreas a serem preservadas com a produção de agricultura orgânica e projeto de economia solidária coerente com uma política local de SAN- Segurança Alimentar e Nutricional 5) Criar uma rede de equipamentos sociais, destinados à infância e juventude de bairros marcados pela vulnerabilidade social e violência, para as práticas do esporte, da arte, da cultura, em complementação ao ensino fundamental e médio.
c) Implementar campanhas pedagógicas envolvendo comunidades, escolas públicas e privadas, igrejas, sindicatos, sobre 1) a realidade sócio territorial e a história de sua cidade, 2) seus direitos previstos em leis e planos 3) necessidade de acompanhamento dos investimentos públicos 4) engajamento social na mitigação da crise climática em especial na preservação dos recursos naturais 5) redução, reuso, reciclagem e correto descarte dos resíduos sólidos.
d) Estruturar e capacitar uma equipe de controle do uso e ocupação do solo com especial atenção à proteção de áreas ambientalmente frágeis e reservatórios de água de modo a evitar a produção de situações de riscos de enchentes, desmoronamento, desmatamento e poluição da rede hídrica.
Arquitetura, urbanismo e comunicação no Brasil
“Não teremos avanços na arquitetura e urbanismo se não destacarmos os bons projetos e iniciativas, do Brasil e de outros países”
Por Paulo Markun
Jornalista e escritor. Trabalhou nos principas veículos de comunicação do Brasil desde 1971. Presidiu a Fundação Padre Anchieta entre 2007 e 2010. Criou jornais, revistas e newsletter. Dirigiu documentários e séries de Tv. Tem 15 livros publicados.
Ninguém valoriza o que desconhece. Por isso, como apontado na carta aos presidenciáveis, é preciso valorizar a arquitetura e o urbanismo. E isso passa por conquistar e garantir mais espaço para a arquitetura e o urbanismo nos meios de comunicação, hoje afinal aparentemente mais diversos e democráticos do que nos anos 50 do século passado. Não teremos avanços na arquitetura e urbanismo se não destacarmos os bons projetos e iniciativas, do Brasil e de outros países.
A fórmula já foi praticada no Brasil com sucesso. E por isso, em vez de A razão me recomenda produzir um texto cheio de afirmações categóricas sobre a importância dessa valorização, permitam-me relembrar uma história meio pessoal.
Há mais de 50 anos, como jornalista, lido com o assunto, que era o único tema de minhas reportagens, nos meus primeiros anos de ofício, tanto no Estadão, quanto na Folha de S. Paulo.
Foi assim que conheci um arquiteto e um jornalista que tiveram um papel relevante na promoção da profissão quando eu ainda usava calças curtas: Fábio Penteado, que nos deixou em 2011 e Nahum Sirotsky, que se foi em 2015.
Tive pouco contato com Nahum, que entrevistei ao fazer um perfil da revista qe ele criou e marcou época, a saudosa Senhor – na verdade, minha fantasia nos anos 90 era tentar fazer algo parecido e falhei redondamente numa publicação chamada Radar.
Já Fábio Penteado passou de fonte a amigo muito querido. Convivemos longamente, fomos bons amigos, mas fui, principalmente, um dos muitos ouvintes para as ideias, os sonhos e os pesadelos de Fábio – boa parte destes últimos, infelizmente, realizados no Brasil de hoje, que ele, certamente, estaria a lamentar e a tentar mudar.
A história que se segue começou no final dos anos 50 e está reconstituída numa biografia ainda inédita do arquiteto, que espero, possa um dia ser publicada.
Eram tempos agitados em muitos campos no Brasil – inclusive na arquitetura. Naquele cenário, o bar do IAB, no mezanino do prédio da seção paulista do Instituto de Arquitetos, no centro de São Paulo, firmou-se como um ponto de encontro da intelectualidade paulista. Não havia uma semana em que não circulasse por ali alguém interessado em conhecer as ideias e os trabalhos dos arquitetos paulistas.
Quem apareceu certo dia no bar, na hora do almoço, geralmente concorrido, foi Nahum Benhamin Sirotsky. Paulistano de nascimento, 30 anos, cabeleira farta, sotaque de gaúcho, voz de baixo profundo, que lhe permitia imitava muito bem o cantor norte-americano Paul Robeson, trabalhara em O Globo e no Diário da Noite e era chefe de reportagem da era editor da revista Visão, fundada em 1952, no Rio de Janeiro, pelo grupo norte-americano Vision Inc.
Visão, naquele momento, era a terceira revista mais importante do país, depois de O Cruzeiro e da Manchete, mas o inquieto Nahum estava sempre em busca de novos espaços. Para divulgar a revista, entregou um exemplar a cada arquiteto sentado na grande mesa junto ao balcão. Em seguida, começou a explicar como pretendia mudar a imprensa brasileira, com novas seções: Medicina, Energia Atômica, Arquitetura e Urbanismo. Segundo ele, até as propagandas veiculadas deveriam espelhar a verdade.
Ao folhear seu exemplar, Fábio viu um anúncio de um revestimento de forro. O mesmo material utilizado dois anos antes, num prédio que pegara fogo. Não fez por menos: “Se isso é verdade, como a sua revista publica este anúncio de um material que pega fogo?” Nahum ficou sem jeito e encerrou a conversa.
Às quatro da tarde, toca o telefone no escritório de Fábio. Era Nahum, convidando-o para ir à sucursal da revista. Lá, surpreendeu o jovem arquiteto que atrapalhara sua tentativa de cooptação de toda a categoria com uma proposta inusitada: Fábio Penteado seria o editor de arquitetura e urbanismo da Visão.
Fábio respondeu que devia haver algum engano: tinha 26 anos, não sabia nada de arquitetura e urbanismo e muito menos de jornalismo. Nahum devolveu: “Pois é exatamente isso que eu procuro”.
Foi o começo de uma aventura curiosa, que durou até 1963 e resultou em mais de 150 artigos que buscavam popularizar e difundir a arquitetura junto ao grande público.
Antes de aceitá-la, Fábio obteve o aval da direção do IAB. Redigiu seu primeiro artigo numa folha enorme de papel vegetal, em letra de forma, escrita com caneta de ponta grossa. Quando o canudo que mais parecia uma planta de projeto arquitetônico chegou à redação da Visão, ninguém sabia o que fazer com ele. Nahum entregou a tarefa missão para Paulo Afonso Grisolli, um jornalista experiente, apesar de seus 19 anos. Tendo Grisolli como instrutor, Fábio aprendeu os truques do ofício e percebeu que podia realizar um trabalho marcado pela disciplina, ao datilografar, com algum esforço, os textos que produzia. Descobriu mais sobre arquitetura ao conversar com os arquitetos, como repórter, que nas salas de aula do Mackenzie. Em sua seção, não ia em busca da beleza excepcional de um ou outro projeto. Dava espaço para o trabalho inovador de jovens profissionais de todo o país. Falava de tudo um pouco: da renovação da cidade de Pittsburgh, a exemplos de arquitetura moderna em Salvador, passando por uma palestra de especialistas norte-americanos na Universidade de Nova York , um escritório carioca de arquitetura especializado em cozinhas industriais, o mapa acústico do Rio de Janeiro ou o necrológio de Frank Lloyd Wrigth .
Ao que tudo indica, a primeira colaboração foi na edição de sete de janeiro de 1955 – um texto sobre o renascimento da arquitetura alemã. O exemplo destacado é o Teatro da Ópera de Colônia, previsto para ser concluído em 1956, um projeto de Wilhelm Riphahn.
Outro teatro foi tema da coluna na edição de 18 de outubro de 1957 – e que teatro! Nada menos que o projeto de Joern Utzon , de apenas 30 anos, para a baía de Sidney. Escolhida por um júri internacional, que contava inclusive com o arquiteto norte-americano Eero Saarinen, a proposta do Sidney Opera House é hoje o cartão-postal mais evidente da maior cidade australiana. O texto de Visão informa que a opinião pública se dividiu diante do projeto, “com expressões que variam desde ‘uma imortal peça de arquitetura’, passando por ‘deliciosa fantasia’, e chegando até a ‘uma por coleção de guarda-chuvas’. É natural que isso acontecesse, pois a obra se diferencia de tudo que já se fez na Austrália em matéria de arquitetura, e seria mesmo difícil para a população compreender no todo as características de seu novo teatro, somente através dos desenhos em folhas de papel, ou até por estudos de maqueta.”
Um teatro brasileiro afinal foi parar na coluna publicada em 27 de junho de 1958: o Castro Alves, de Salvador, projeto do arquiteto Bina Fonyat , com a colaboração de Ubirajara Ribeiro e João Carlos Bross . Fábio assinalou um detalhe importante da proposta: “O Teatro Castro Alves é um grande triângulo que exterioriza os planos inclinados da cobertura e do piso da plateia. Sob o vértice do triângulo repousa, em comprido, uma construção independente, horizontal, que abriga o hall de entrada”.
Também registrou que o projeto contava com a “competência e o apoio” do arquiteto e cenógrafo Aldo Calvo , a que ele próprio iria recorrer, no futuro, em mais de um projeto. Mas dificilmente Fábio imaginaria àquela altura, que ele próprio teria problemas com o projeto de um teatro, em Campinas, que ganhou o concurso, mas jamais foi construído.
Outro tema recorrente nas colaborações de Fábio com a revista eram as novas cidades e grandes propostas de reurbanização – Canberra, Nova Delhi, Ancara… Em 21 de janeiro de 1955, ele apresentou a proposta de uma nova cidade litorânea. Projeto dos irmãos Marcelo, Milton e Mauricio Roberto, responsáveis pela sede da Associação Brasileira de Imprensa, pretendia transformar Angra num grande centro de competições de pesca de superfície e de caça submarina. O Plano de Urbanização de Cabo Frio – Búzios compreendia uma área de 400 km2 e seria estruturado a partir de um sistema composto por 17 unidades urbanas e três centros de agricultura. Os jornais do Rio chegaram a publicar anúncios de venda de lotes e imóveis da primeira unidade da Costa do Sol (foi a primeira vez que se aplicou o termo à região), mas o projeto como um todo jamais foi implementado. Aliás, essa é uma marca registrada da arquitetura e urbanismo, talvez até mais forte em nosso país: grande parte fica no papel, pelas mais variadas razões.
O interesse pelas novas cidades tinha uma razão de ser mais que evidente. Juscelino Kubitschek era o presidente da República e os planos de mudança da capital para o interior pareciam prestes a sair do papel.
A edição de 26 de novembro de 1956, trouxe um suplemento especial sobre a nova capital – em fase ainda inicial. Havia naquele momento apenas 256 operários no canteiro de obras, embora o primeiro prédio já estivesse funcionando: o Castelinho, uma construção de troncos de madeira, que servia de base para engenheiros, arquitetos e autoridades. Na edição, o próprio Fábio deu um depoimento, que festejava a iniciativa de JK: “O Brasil é o primeiro país a basear a escolha do local de sua capital em fatores econômicos e científicos, bem como nas condições de clima e beleza. A arquitetura brasileira tem, nos últimos tempos, passado por grande evolução, gozando hoje de prestígio internacional. Mas não tem tido ainda oportunidade de existir plenamente, em virtude da falta de planejamento e organização de tudo quanto já temos executado. A mudança da capital é a primeira medida de grande alcance para um futuro planejamento geral nacional. Isso significa um grande passo para o futuro: o início de um novo estágio econômico, político e social. Os arquitetos brasileiros já foram convocados para projetar a nova Capital Federal.”
Na edição de 21 de dezembro de 1956, a coluna, desta vez com a assinatura de Fábio, relatou a experiência de Jorge Wilheim ao projetar uma nova cidade em Mato Grosso, Angélica, às margens do rio Ivinheima. Angélica existe, tem dez mil habitantes e sofreu o impacto da troca do café pela pecuária – que levou a um decréscimo populacional entre os dois últimos censos.
Outro tipo de edificação que chamava a atenção do editor eram os hospitais. Em 26 de setembro de 1958, aparece a nova sede do Hospital Israelita Albert Einstein, obra de Rino Levi, Roberto Cerqueira Cezar e Luis Roberto Carvalho Franco . E um reconhecimento por parte de Fábio: “A maneira de projetar e construir hospitais vem sofrendo constante renovação e em todo mundo é um tema que desperta enorme interesse entre os arquitetos. Entre nós, o problema é sempre atual e já existem dezenas de profissionais familiarizados com o assunto e aptos a desenvolver qualquer trabalho. Em todo o Brasil, o número de hospitais não chega a dois mil, num índice desolador de um leito por mil habitantes – quando o índice ideal seria de um leito por cem pessoas”.
Na edição de 29 de maio de 1959, a estrela foi o Hospital Santa Mônica de Belo Horizonte, de Oscar Valdetaro e Roberto Nadaluti . Fábio lembrou que os hospitais deveriam ser “bonitos, agradáveis, pois está comprovado que tais cuidados ajudam a formar um ambiente favorável à cura dos doentes.” Aproveitou para puxar a brasa para a sardinha de seus colegas de profissão: “Até algum tempo atrás não era comum ligar-se o arquiteto ao problema dos hospitais, como acontece hoje em da, quando raro é. O hospital não planejado por um arquiteto. Para o planejamento perfeito de um hospital é necessário o trabalho de toda uma equipe especializada, que deve contar basicamente com o consultor hospitalar, o arquiteto e os encarregados técnicos das instalações e equipamentos.” O maior erro dos governos, assinalou, seria adotar um projeto-padrão, como se fosse um carimbo (o que acontece até hoje e não só em projetos de equipamentos de saúde, infelizmente).
Em meados de 1957, Nahum Sirotsky trocou Visão pela revista Manchete e sua saída coincidiu com a demissão dos editores responsáveis. Fábio continuou colaborando, agora com artigos esparsos, não mais como editor. Num deles, da edição de três de outubro de 1958, tratou do projeto de estudantes de Arquitetura da FAUUSP para Cubatão, prestes a receber a Companhia Siderúrgica Paulista, Cosipa, e ainda longe de ser uma cidade marcada pela poluição industrial. Na conclusão do texto, Fábio ressalta: “O projeto é sem dúvida, de grande categoria, e não foi sem razão que os estudantes conquistaram um prêmio internacional de urbanismo. Mais importante, todavia, foi seu interesse por um real problema de sua terra”.
Fábio divulgou ainda o projeto de um decreto-lei encaminhado pelo IAB ao presidente Juscelino Kubitschek (CAU), que teve como porta-voz seu amigo e parceiro em vários projetos e obras, Vilanova Artigas, que justificou a ideia de criar uma autarquia específica para a atividade em longo depoimento, na edição de maio de 1959.
A cruzada de Fábio Penteado pelos direitos profissionais e pelo império do planejamento incluiu o registro do primeiro veto a uma construção, baseado no Código de Obras. Foi na edição de 26 de agosto de 1960 e mostrou que um prédio de escritórios que seria construído nos Jardins, em São Paulo, fora vetado, a partir da ação do representante do Instituto de Arquitetos na recém-criada comissão do Código de Obras.
O esforço dos arquitetos em ampliar sua presença no Brasil dos anos 60 fez com que conquistassem dois espaços semanais na TV: um na Tupi, do grupo de Assis Chateaubriand e outro na TV Excelsior. Fábio foi apresentador deste segundo programa. Infelizmente, não há registros visuais das emissões.
Ao longo das colaborações de Fábio para Visão, não encontrei uma só linha de crítica aos projetos do “nosso Oscar Niemeyer”. Muito ao contrário. Quando os palácios de Brasília começaram a ser conhecidos e certos arquitetos brasileiros passaram a rosnar pelos cantos seu descontentamento contra o privilégio dado a Niemeyer, Fábio mandou uma nota para as influentes páginas amarelas da revista. Nela reproduzia um fictício diálogo entre o presidente Kubitschek e alguns amigos sobre o porquê de ter entregue todos os projetos a um só arquiteto. Juscelino teria dito o seguinte: “Vocês acham que o papa Júlio II, conhecendo Michelangelo, chamaria outro arquiteto para fazer a igreja de São Pedro?” Na semana seguinte, o diretor da sucursal carioca da Visão comentou a nota com o presidente. Juscelino, que não tinha dito a frase, admitiu: “Mas podia perfeitamente ter dito”.
Não foi sua única estocada de Fábio Penteado contra o preconceito. Numa reportagem de capa sobre arquitetura religiosa, na edição de 26 de dezembro de 1958, Fábio apresentou os projetos de várias igrejas modernas no mundo todo e criticou a mesquinhez do clero brasileiro, que proibia o uso religioso da capela de Pampulha, uma das obras-primas de Oscar Niemeyer, embelezada por painéis de Cândido Portinari – ambos ligados ao Partido Comunista. Dizia o texto: “Na mostra de Bruxelas, em posição destacada, ergue-se um pavilhão cujas finalidades diferem de todos os outros ali construídos. É a Casa de Deus (como passou a ser chamado), que o Vaticano mandou construir para mostrar o trabalho realizado pelos católicos em todo o mundo, desde os primeiros séculos até a atualidade. Todavia, o que mais impressiona no Pavilhão do Vaticano é sua arquitetura arrojada, que nada fica a dever às demais construções, quase todas baseadas em desenhos ultramodernos e com estruturas revolucionárias. Pode parecer estranha a localização do pavilhão religioso em meio às demonstrações de robots eletrônicos, satélites artificiais e torres de petróleo, mas a verdade é que o homem atual, apesar de viver sua era máxima de desenvolvimento material, mantém sua fé e seu ardor religiosos, e em nenhuma outra época construiu tantos edifícios religiosos como hoje em dia. Principalmente nas Américas, novas igrejas sobem do chão em número nunca visto. Muitas delas estão surgindo com formas diferentes e surpreendentes, testemunhando, além do incremento da fé, a maior revolução ocorrida na arquitetura religiosa em todos os tempos”.
A reportagem serviu de argumento para que o bispo de Olinda e Recife, dom Helder Câmara conseguisse reverter a situação, abrindo Pampulha para serviços religiosos.
A edição de 15 de dezembro de 1960 registrou a inauguração da Igreja de São Daniel, em Manguinhos, zona norte do Rio. Outro projeto religioso de Niemeyer: “Sempre fiel ao seu estilo e não sacrificando nenhuma das características de seus projetos, Niemeyer conseguiu imprimir à sobriedade das linhas e à beleza do conjunto um tom de misticismo, alcançando assim uma procurada síntese do modernismo com os cânones da arte sacra”. O prédio circular lembrava uma hóstia -todo em concreto, com quinze metros de diâmetro e três de altura, sem colunas interiores, capaz de abrigar 300 a 400 fiéis. Era decorado por uma Via Sacra de Guignard. Acabou se deteriorando, embora tombado pelo Patrimônio Histórico e foi recuperado pela comunidade. Hoje está cercado pelas favelas da região.
Em outra ocasião, disparou suas baterias contra os colegas que ameaçavam punir o arquiteto carioca Sérgio Bernardes, por ter feito um projeto para o aeroporto de Brasília, inovador e surpreendente, mas que não havia sido solicitado por ninguém. Fábio falou com Bernardes e publicou o trabalho na Visão, liquidando assim com a ameaça de processo.
Na revista que circulou com a data de quatro novembro de 1960, o assunto foi uma exposição no Museu de Arte Moderna de Nova York, sobre projetos jamais realizados de grandes arquitetos. De Le Corbusier, os curadores escolheram um edifício de 22 quilômetros de extensão e 14 andares, sobre cujo teto corria uma autopista, enquanto Frank Lloyd Wright aparecia com um arranha-céu de 1.600 metros de altura, 56 elevadores e capacidade de abrigar 130 mil pessoas. Fábio deve ter adorado. Seu texto diz a certa altura: “A exposição proporciona desse modo uma visão completa dos sonhos dos arquitetos: dos momentos em que, sem preocupações de ordem prática, dando largas à imaginação, revelam o mundo onde costumam viver, quando não estão trabalhando em projetos que deverão realmente ser executados”.
Fábio Penteado deixou a revista Visão em 1963.
Creio que essa historinha, não mais que uma nota de rodapé na história da arquitetura e do urbanismo no Brasil nos traz um ensinamento importante, além dos mencionados no início do texto. Certos avanços dependem da disposição e ousadia de indivíduos, embora as grandes mudanças dependam mesmo de políticas públicas, leis, orçamentos e consensos duramente conquistados.
Moral da história: o Brasil precisa de novos Fábios e Nahums.
Da arte de construir pontes
“A arquitetura habita o cotidiano das pessoas com especial intensidade, mesmo quando essa presença é percebida sem total consciência.“
Por Danilo Santos de Miranda
Estudou Filosofia e Ciências Sociais. É diretor do Serviço Social do Comércio (SESC) no Estado de São Paulo. Integrante do conselho de entidades nacionais como a Fundação Bienal de São Paulo, o Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP), o Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM), o Itaú Cultural, a Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin e a SP Escola de Teatro. Foi presidente do Conselho Diretor do Fórum Cultural Mundial (2004) além de trabalhar em diferentes organizações internacionais tais como ICSW e na ONG Art for the World.
A arquitetura habita o cotidiano das pessoas com especial intensidade, mesmo quando essa presença é percebida sem total consciência. Isso se deve a dois aspectos: seu caráter funcional, favorecendo ou inibindo determinados usos e potencialidades do espaço; e sua vocação expressiva, por meio da qual um projeto ou edificação é capaz de influenciar imaginários e ativar relações emotivas. Vivemos a arquitetura, portanto, com todo o nosso ser.
A proximidade que o Sesc mantém com as questões arquitetônicas está relacionada a essa dupla faceta – que, em certa medida, remete à polaridade entre as dimensões prosaica e poética da existência humana. É nessa fronteira que se equilibra uma abordagem arquitetônica adequada para equipamentos socioculturais que se propõem a ser operativos e seguros, além de tocantes e inspiradores – uma equação tão delicada quanto desafiadora.
Para tentar dar conta da complexa vinculação entre Sesc e os arquitetos, é útil apreender o tema a partir de três vetores: a mútua afetação entre profissional e entidade; a consciência do entorno urbano; e a prioridade educativa.
A mútua afetação entre profissional e entidade
Ao longo dos seus mais de 75 anos de existência, o Sesc desenvolveu inúmeras maneiras de se relacionar com arquitetos das mais variadas vertentes expressivas, sempre a partir de uma predisposição comum: estabelecer diálogos que permitissem que profissionais e instituição estivessem abertos a serem afetados um pelo outro. Mas em que consiste essa mútua afetação?
Ao convidar arquitetos de relevantes trajetórias para projetar estruturas temporárias – como exposições e ambientações ligadas a ações programáticas específicas – ou permanentes, como as unidades operacionais em diversas regiões do estado paulista, o Sesc tem por objetivo conciliar dois propósitos. Um deles é sensibilizar o agente colaborador para os valores, diretrizes e peculiaridades de uma ação comprometida com o interesse público, não raro apresentando perspectivas sobre ação sociocultural que fogem ao senso comum e ao próprio repertório de alguns profissionais; o outro é abrir-se para o novo, nesse caso simbolizado pelo conjunto de referências, influências, ideias e significações que um projeto arquitetônico pode acrescentar ao Sesc, tornando-o uma instituição mais plural.
Evidentemente, tais conexões se dão segundo temporalidades variadas. É visível, por exemplo, o quanto as concepções peculiares da arquiteta ítalo-brasileira Lina Bo Bardi sobre convivência e democracia influenciaram, desde o início dos anos 1980, o modo de ser institucional. Afinal, ao longo de quatro décadas, funcionários, públicos, artistas e outros cidadãos habitaram os espaços do Sesc Pompeia e se apropriaram daquele cenário a partir de suas vivências particulares. Trata-se de um exemplo eloquente de como a abertura para o diálogo deu concretude a valores que já estavam esboçados no DNA da entidade.
Entendido como organismo vivo, o Sesc aos poucos foi se transformando ao incorporar poéticas espaciais elaboradas por arquitetos, sem perder de vista sua missão: a qualidade de vida dos trabalhadores do comércio de bens, serviços e turismo, seus familiares e a sociedade em geral.
A consciência do entorno urbano
A relevância social do Sesc no estado de São Paulo implica proporcional responsabilidade em relação aos territórios nos quais os equipamentos estão inseridos. Advém daí a consciência quanto ao grau de influência que a qualidade das edificações pode exercer sobre as malhas urbanas envoltórias, incluindo pessoas, coletivos, organizações e empresas, bem como fauna e flora.
Tal consciência tem impactado a relação entre Sesc e arquitetos, podendo ser sintetizada na seguinte questão: como favorecer conexões saudáveis entre a presença física do centro cultural, esportivo e de lazer e as áreas que o circundam, baseadas em transformações positivas do cotidiano daqueles que vivem e trabalham em cada região?
Essas dinâmicas se dão em níveis diversos. Numa primeira visada, a oferta de atividades socioculturais é entendida como a contribuição mais visível da implantação de uma unidade do Sesc. Para além dela, há de se considerar a possibilidade de os agentes do território sentirem-se acolhidos tanto para frequentar os espaços como também influenciar, por meio de suas ideias e contribuições, a própria experiência que o espaço catalisa. Em todos esses casos, as decisões arquitetônicas são vitais, seja do ponto de vista simbólico, seja na perspectiva prática, para que os vetores que conectam o dentro e o fora se expressem de maneira plena e permeável. Exemplos emblemáticos residem no Sesc 24 de maio, já que o projeto de Paulo Mendes da Rocha e MMBB Arquitetos propõe alguns dispositivos que enfatizam tais vetores. Citemos dois: o térreo atravessado por uma galeria, permitindo a passagem diagonal dos pedestres por dentro do prédio – passagem esta que pode surpreender o cidadão com pitadas de acolhimento, cultura e arte; e o uso criativo da cobertura, onde uma piscina convida a uma vista aérea do centro novo, permitindo vislumbrar feições da metrópole raramente contempladas.
As interfaces com o entorno se dão de forma ainda mais categórica em alguns espaços do Sesc que operam em sua versão “provisória”1. Nesses centros – caracterizados por áreas predominantemente abertas e verdes, associadas a estruturas flexíveis como palcos, contêineres, tendas, módulos pré-fabricados, espaços esportivos a céu aberto, entre outros elementos –, a sinergia com a circunvizinhança, enfatizada por projetos arquitetônicos que valorizam a visibilidade e informalidade, ajuda a minimizar barreiras culturais que, não raras vezes, afastam certos grupos sociais dos equipamentos socioculturais.
A prioridade educativa
O espaço educa. Nesse sentido, ele compõe o leque de possibilidades que constituem uma vocação essencial do Sesc: a educação permanente. Para que essa vocação se efetive, a parceria com os arquitetos é elemento-chave, na medida em que são os responsáveis por dar materialidade a alguns dos processos não-formais de aprendizagem.
Uma das maneiras pelas quais o espaço educa é a transparência. Esse traço, além de fortemente atrelado à ideia de democracia, dá a ver dinâmicas plurais, explicita o funcionamento de atividades, seduz o transeunte a conhecer mais de perto. Unidades do Sesc em localidades tão diferentes como as cidades de Jundiaí e Guarulhos, ou os bairros do Bom Retiro e Belenzinho, contam com expedientes arquitetônicos generosamente transparentes – no último desses exemplos, um piso de vidro na área de convivência dá a impressão, por vezes vertiginosa, de que é possível caminhar sobre as águas da piscina, situada um andar abaixo: um convite para o mergulho.
O estímulo ao compartilhamento de espaços é igualmente educativo. Ele se expressa em amplos ambientes de convívio, em móveis que sugerem o encontro, em áreas polivalentes para as quais as linguagens e os campos de conhecimento confluem, entre outros expedientes. Trata-se de um pressuposto para o respeito ao diverso, posto que o (re)conhecimento da diferença – processo onde a contiguidade espacial é especialmente eficiente – desestabiliza certezas consolidadas e permite admirar como outros pontos de vista oferecem respostas variadas para questões assemelhadas.
Há outros aspectos que justificam a articulação entre arquitetura e intenção educativa, como a preocupação com a sustentabilidade no que se refere ao uso racional da água e de recursos energéticos, além da gestão adequada de resíduos. Numa instituição socioeducativa, além de garantir que tais pautas sejam progressivamente contempladas, vale sublinhar uma camada adicional: dar a ver aos cidadãos, por meio do projeto arquitetônico, quais medidas ambientalmente corretas estão implementadas, tem inegável valor modelar.
Caso similar ocorre na esfera da acessibilidade. À adoção de dispositivos comprometidos com o desenho universal – no qual ambientes, objetos e tecnologias são concebidos para o usufruto de pessoas com e sem deficiência –, é desejável que a edificação seja capaz de divulgar (a partir de variados recursos comunicacionais) os parâmetros que expliquem à população os motivos de cada tomada de decisão nesse campo.
A conexão entre a expertise dos arquitetos e o viés educativo do Sesc, que se mantém há décadas, é o fundamento sobre o qual se apoia a estratégia institucional no que diz respeito às potencialidades espaciais e estruturais das unidades distribuídas pelo estado de São Paulo. Que tais potencialidades atualizem-se em convites para que as pessoas encontrem, em suas perambulações prosaicas e poéticas por esses lugares, pretextos para um aprender permanente, orgânico e coletivo.
Trabalho digno como Política de Estado
“A riqueza do país é criada pelos trabalhadores que devem ser protegidos pelas políticas de Estado e não é o que vem acontecendo“
Por Glaucia Costa
Gláucia Alves da Costa, advogada com atuação na defesa dos direitos civis dos trabalhadores, especialista em responsabilidade civil pela Universidade de Castilla La Mancha, sócia de LBS Advogados, atual assessora jurídica de várias entidades sindicais entre elas a FNA.
Temos que entender que somos trabalhadores. Pessoas que não têm um patrimônio que trabalhe por elas, que gere renda e riqueza, e vendem sua força de trabalho. Então, eu sou trabalhadora, trabalho como advogada e você é o trabalhador arquiteto.
O trabalhador usa o tempo em que consegue vender essa força de trabalho para adquirir uma vida digna e buscar uma velhice digna. Mas a vida e a velhice digna, dentro de um país, também dependem e devem ser providas por intermédio de políticas de Estado.
Quem gera riqueza de um país é o trabalhador, e não o especulador. Não são os proprietários de empresas que hoje valem milhões e amanhã não valem nada. Esse capital especulativo não fica no país. A riqueza do país é criada pelos trabalhadores que devem ser protegidos pelas políticas de Estado e não é o que vem acontecendo.
Aprovaram uma reforma trabalhista que desmantela os direitos trabalhistas, e ainda dificulta o acesso à justiça do trabalho, ao mesmo tempo em que estimularam a cultura do empreendedorismo, do ser patrão de si mesmo, e vimos trabalhadores jogados na informalidade sem acesso a rede de proteção do Estado, o pior dos mundos. Mas as empresas também não querem contratá-los como empregados. Qual a opção? Transformar o trabalhador em pessoa jurídica e formalizar o seu trabalho. Temos então a figura do microempreendedor individual (MEI) ou da microempresa.
A criação do MEI e da Microempresa tem seu valor para quem quer começar um negócio próprio, temos o PLP 55/202, da deputada Erika Kokay, que acrescenta um artigo na Lei Complementar 123/2006, e cria o microempreendedor profissional liberal, com uma forma de tributação diferente, um valor de faturamento diferente (R$ 240 mil ao máximo no ano). Na linha de ser um impulso para o início de carreira, de criação para desenvolvimento de uma empresa, a intenção e a ferramenta são corretas para essa finalidade.
O que não se pode permitir é seu uso deturpado, é que venha a servir de muleta, ser um escudo para esconder a relação de emprego e liberar os empregadores das obrigações trabalhistas.
A consequência quando se utiliza a pejotização para formalizar uma relação que claramente é de empregado e patrão, só traz prejuízos ao trabalhador. Ela desonera ambos, empresa e o trabalhador, mas as consequências dessa desoneração serão sofridas pelo último.
Primeiro que um menor recolhimento de tributos por parte das empresas diminui a capacidade financeira do Estado de manter as políticas públicas de proteção social. Segundo, e é importante que os trabalhadores saibam disso, o menor recolhimento de tributos por parte deles impacta diretamente na sua própria proteção social. É importante que o MEI saiba que com o recolhimento de 5% sobre o salário-mínimo, a sua aposentadoria será de um salário-mínimo. Que não se aposenta por tempo de contribuição. Que o MEI não tem direito ao auxílio acidente. Saiba as consequências caso opte por se sujeitar a trabalhar como empregado e tendo a proteção social de uma PJ.
Aqui uma coisa encontra a outra. Se a nossa opção como sociedade é fomentar a criação de empresas, é facilitar que um arquiteto recém-formado monte o seu escritório e possa se desenvolver, possa crescer e no futuro virar uma empresa, ter um patrimônio e gerar mais empregos, faz sentido que tenhamos o MEI, mas também deveríamos pensar em políticas de Estado que complementasse as garantias sociais que ele como MEI não terá.
Por outro lado, deveríamos trabalhar para que o MEI não seja utilizado simplesmente para substituir a formalização do vínculo de emprego quando na verdade empregados são. É preciso jogar limpo com as pessoas, fazer com que elas saibam que futuro estão construindo. Não permitir que haja o discurso do desonerar para gerar mais emprego quando na verdade só vai gerar mais lucro para o empregador. É impedir o uso das alternativas ao trabalho informal simplesmente para desonerar o capital às custas da dignidade dos trabalhadores. A proteção social está na Constituição Federal, foi estabelecida como política de Estado, temos que cobrar.
Palestra realizada na segunda mesa do Ato Público da Carta aos Candidatos em 25 de maio de 2022.
Propostas sobre ensino, extensão e pesquisa nas universidades
“A Carta do CAU-BR aos (às) Candidatos(as) nas Eleições de 2022 faz corretas propostas sobre o ensino, a extensão e a pesquisa nas universidades.“
Por Paulo Ormindo de Azevedo
Formado em arquitetura pela UFBA e com especialização em “Conservação e restauração de bens culturais” no International Centre for Conservation and Restoration of Monuments and Sites – ICCROM/UNESCO e doutorado no mesmo campo na Università degli Studi di Roma, “La Sapienza”, na Itália.
Foi professor titular da Faculdade de Arquitetura da UFBA. Deu aulas e cursos em outras universidades brasileira, argentinas e peruanas e apresentou comunicações em numerosos congressos e seminários na América Latina e Caribe.
Foi consultor da UNESCO. É autor de projetos de restauração de monumentos. Dirigiu o Instituto de Arquitetos do Brasil – Dep. da Bahia e membro fundador do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil, CAU-BR.
A Carta do CAU-BR aos (às) Candidatos(as) nas Eleições de 2022 faz corretas propostas sobre o ensino, a extensão e a pesquisa nas universidades. Mas para chegar à universidade o cidadão deve passar pelo ensino fundamental e médio. A escola pública, com poucos recursos, não consegue competir com a privada, que serve às classes média e alta, o que dificulta o acesso de seus alunos à universidade. A União e os Estados precisam ajudar os municípios, responsáveis pelo ensino fundamental, a criarem escolas parques com atividades socializantes e culturais complementares ao ler, escrever e contar, como preconizava Anísio Teixeira.
A esta dificuldade se somam outras de natureza socioeconômica. Situação que foi amenizada com o Prouni (2005), de bolsas de estudo, e a Lei de Cotas (2012) nas universidades públicas, mas que não superam as dificuldades de conciliação do trabalho com o estudo, acesso à internet, compra de livros e custo de deslocamento. A questão da educação deve ser tratada na Carta, a meu ver, mais focando o desenvolvimento, à inclusão social, à preservação ambiental e cultural, que a questões corporativas dos arquitetos e urbanistas.
Não se pode melhorar a qualidade de vida de nossas cidades sem profissionais de nível médio que auxiliam os arquitetos e urbanistas, como topógrafos, cadistas, mestres de obras, pedreiros, carpinteiros e ferreiros. Na formação dos arquitetos e urbanistas uma das maiores dificuldades é o nivelamento do ensino do projeto com a prática da construção. Uma das soluções para o problema é a efetiva implementação da Lei Federal nº 11.888, Lei Zezeu Ribeiro, de assistência técnica às populações vulneráveis, com o Governo Federal repassando os recursos específicos para o Fundo Nacional de Habitação de interesse Social – FNHIS.
A extensão universitária deve contemplar a formação continuada de profissionais e cursos de educação patrimonial. A pesquisa visando à qualidade de vida urbana deve se concentrar em minimizar os impactos sobre o meio ambiente da indústria da construção e sistemas de conforto térmico, evitando o desperdício energético e de materiais. Outro ponto importante é a pesquisa de técnicas de conservação de monumentos, obras de arte e arquivos sob o trópico úmido, que favorece patologias construtivas e a proliferação de insetos xifópagos.
Em resumo, é preciso:
1º – Melhorar e universalizar o ensino fundamental e médio.
2º – Aumentar e diversificar o número de escolas profissionalizantes.
3º – Facilitar o acesso ao ensino superior dos grupos mais excluídos da sociedade.
4º – Efetivar e transformar a Lei nº 11.888 de assistência técnica em uma experiência educacional.
5º – Expandir a extensão universitária à formação profissional continuada.
6º – Desenvolver a Educação Patrimonial
7º – Concentrar a pesquisa universitária na preservação da natureza e da cultura como forma de melhoria da vida urbana.
Carta pela Equidade e Diversidade no Cotidiano e no Conselho da Arquitetuta e do Urbanismo
“Documento apresenta 11 ações afirmativas que procuram aprofundar a equidade e diversidade dentro do sistema CAU e foi formulado coletivamente pela Comissão Temporária de Raça, Equidade e Diversidade (CTRED), comissões e grupos temáticos que tratam dos temas nos CAU/UF. A Carta foi apresentada durante o 1º Seminário da Diversidade do CAU, no dia 25 de março, em São Paulo, durante evento que integrou a programação do Maio da Arquitetura.“
Por Comissão de Raça, Equidade e Diversidade do Conselho de Arquitetura e Urbanismo
No Brasil, desde meados da década de oitenta a arquitetura e urbanismo é uma profissão majoritariamente feminina. Por que será que muitas dessas mulheres ainda não se sentem confortáveis no exercício profissional? Por que para elas a parentalidade ainda é um peso maior, a capacidade técnica é mais questionada, o assédio é mais presente, os salários são menores?
Embora vivamos num país de maioria negra, nossa profissão ainda é branca em seus profissionais e clientes. Onde estão nossas referências negras e indígenas? Por que as nossas múltiplas ancestralidades não estão presentes na produção arquitetônica? Por que os ciclos de vida nem sempre são considerados? Por que ainda existem espaços não acessíveis a todos os corpos?
Somos diferentes, mas precisamos garantir que essas diferenças não incidam nas nossas condições de acesso e permanência na profissão. Na nossa formação, aprendemos a inventar, abstrair, vislumbrar possibilidades. Por que ainda temos tanta dificuldade de imaginar como deve ser estar no lugar de outra pessoa? Precisamos da diversidade na profissão para melhor atender a sociedade¹, entender as suas evoluções, as novas demandas e promover arquiteturas e cidades mais inclusivas.
É com esse intuito que temos nos mobilizados desde a adesão em 2018 do o CAU à Plataforma de Empoderamento Feminino da ONU Mulheres e do Pacto Global, quando o conselho assumiu publicamente o compromisso com a agenda de promoção à equidade de gênero, em todas as suas instâncias organizacionais e em seu relacionamento com a sociedade.
Os primeiros passos já foram dados. Fizemos e continuamos fazendo diagnósticos, nos articulamos em vários estados e construímos em rede a Política do CAU para a Equidade de Gênero, formatada em seis eixos: equidade no cotidiano, na formação, na história, na prática, na política e no conselho de arquitetura e urbanismo.
Incluímos no censo o primeiro levantamento racial da história da regulação da profissão, estabelecemos ações afirmativas nas anuidades, ampliamos a participação feminina nos espaços de representação, entre outras ações.
Agora é hora de avançar. Arrumar a nossa casa deve ser o primeiro passo para transpor fronteiras e reafirmar nosso compromisso perante a sociedade, perpassando por todas as esferas até atingirmos o objetivo maior: influenciar o próprio cotidiano da arquitetura e do urbanismo.
Somos um país de inequidades estruturais e é papel do poder público prezar pela reparação delas em todas as suas escalas. Desse modo, as comissões aqui reunidas do CAU/BR e das unidades federativas acreditam que o melhor caminho para garantir a equidade e diversidade no conselho seja priorizar as seguintes ações afirmativas:
1. Criar instâncias definitivas e dotadas de orçamento para tratar das questões de gênero, raça, etnia, deficiência, ciclos de vida, sexualidade e quaisquer tipos de discriminação dentro do conselho.
2. Revisar os normativos do CAU, tais como: processo ético-disciplinar e código de ética, regulamento da ouvidoria, resolução de registro, regimento interno, e regulamentação de apoios institucionais, incluindo questões de gênero, raça, etnia, deficiência, ciclos de vida, sexualidade e quaisquer tipos de discriminação;
3. Garantir uma escuta qualificada na ouvidoria e demais canais de atendimento a profissionais de arquitetura e urbanismo e à sociedade, com mecanismos de apuração de casos de assédio, abuso, sexismo, racismo, etarismo, capacitismo, lgbtqia+fobia, ou qualquer outra ação de cunho preconceituoso e discriminatório;
4. Qualificar a cadeia produtiva da construção civil para naturalizar a participação e liderança das mulheres e pessoas em todas as suas diversidades no canteiro de obra;
5. Instituir mecanismos para garantir a segurança de fiscais mulheres e pessoas em todas as suas diversidades durante as ações de fiscalização;
6. Oficializar que toda consulta ou estudo promovidos pelo CAU incluam indicadores de gênero, raça, faixa etária, deficiência e renda para analisar as desigualdades na profissão, evitando abordagens generalistas e universalizantes;
7. Implementar no CAU comunicação não sexista, antirracista e inclusiva, com interpretação em libras e audiodescrição, instituindo diretrizes sobre como lidar com polarizações nas redes sociais;
8. Promover a equidade e diversidade em premiações e campanhas publicitárias, de modo a quebrar estereótipos de profissionais de arquitetura e urbanismo.
9. Investir em capacitação do corpo funcional e conselheiros sobre a importância de questões de diversidade e equidade no âmbito da arquitetura e do urbanismo;
10. Promover a diversidade e equidade em cargos de livre provimento e nos planos de carreira, incluindo rodas de conversas e serviço contínuo de saúde mental;
11. Repensar os ambientes de trabalho, instituindo soluções técnicas, sustentáveis e inclusivas que garantam conforto para todos os tipos de corpos, tais como espaços para amamentação, ordenha e trocadores.
Para que o conselho seja cada vez mais reconhecido como uma instituição forte e consistente, é fundamental que ele seja um espaço de representação democrático; e não há democracia sem diversidade. Sem uma estrutura permanente com o objetivo de reduzir as desigualdades, perde-se o foco, pois outros temas operacionais ocupam a agenda do conselho e nas transições de gestão os projetos são descontinuados.
Além disso, um conselho fortalecido impacta diretamente na valorização da atuação profissional, tendo em vista que atualmente as condições de emprego e o mercado de trabalho nem sempre são bons e a partir de uma análise interseccional (raça, gênero e renda) percebemos quem são as pessoas obrigadas a abrir mão da carreira.
Temos muito o que transformar para que o nosso papel na sociedade seja reconhecido e valorizado. Assim, propomos que essa agenda construída em rede permeie todas as atividades e instâncias do CAU de forma transversal e que seja efetivamente um compromisso prioritário. Faz parte do exercício ético da profissão e das competências do conselho atender as legislações vigentes. Nelas, estão incluídos direitos humanos que precisamos transmutar para dentro da profissão e incorporar em nossos normativos e ações.
São Paulo, 25 de maio de 2022.
COMISSÃO TEMPORÁRIA DE RAÇA, EQUIDADE E DIVERSIDADE DO CAU/BR
COMISSÃO TEMPORÁRIA DE EQUIDADE E DIVERSIDADE DO CAU/SP
COMISSÃO TEMPORÁRIA PARA A EQUIDADE DE GÊNERO DO CAU/AC
COMISSÃO TEMPORÁRIA DE EQUIDADE DE GÊNERO E INCLUSÃO DO CAU/DF
COMISSÃO TEMPORÁRIA DE EQUIDADE E DIVERSIDADE DO CAU/MG
COMISSÃO TEMPORÁRIA PARA EQUIDADE DE GÊNERO E RAÇA DO CAU/MS
COMISSÃO TEMPORÁRIA PARA EQUIDADE DE GÊNERO DO CAU/PA
COMISSÃO TEMPORÁRIA DE EQUIDADE DO CAU/PR
COMISSÃO TEMPORÁRIA DE EQUIDADE E DIVERSIDADE DO CAU/RJ
GRUPO DE TRABALHO DE GÊNERO DO CAU/PI
PROJETO ESTRATÉGICO ‘CAU PLURAL’ DO CAU/SE
REFERÊNCIAS LEGAIS BÁSICAS
LEI Nº 14.192, DE 4 DE AGOSTO DE 2021, que estabelece normas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher;
LEI Nº 13.146, DE 6 DE JULHO DE 2015, que institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência).
LEI Nº 12.288, DE 20 DE JULHO DE 2010, que institui o Estatuto da Igualdade Racial
LEI Nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006, que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outros (Lei Maria da Penha)
LEI No 10.741, DE 1º DE OUTUBRO DE 2003, que dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências.
LEI Nº 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências.
LEI Nº 7.716, DE 5 DE JANEIRO DE 1989, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor;
LEI Nº 6.001, DE 19 DE DEZEMBRO DE 1973, que dispõe sobre o Estatuto do Índio.
1 […] é fundamental que os Arquitetos tenham a capacidade de compreender e responder às diversas necessidades dos Clientes e da comunidade como um todo. Esse objetivo será mais facilmente alcançado quando todas as esferas da profissão refletirem a diversidade da sociedade […] (Política de Equidade de Gênero na Arquitetura da União Internacional dos Arquitetos – UIA, 2017, p. 2).