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Empreendedorismo: negócios sociais como elementos transformadores de realidades

Foto: Inova Urbis.

 

As desigualdades e as contradições sociais do Brasil atingem a população de diversas maneiras. Afetam diretamente a qualidade de vida das camadas mais vulneráveis da sociedade e respingam também nas classes majoritárias, na medida em que o aumento do desemprego e da criminalidade causados pela precariedade financeira e social interferem nas condições de segurança de todos e na situação geral da economia do país. Dessa forma, a busca por uma sociedade mais igualitária, com atenção às necessidades da população de maneira geral, deveria ser uma preocupação de todos.

 

Na luta por condições melhores para famílias em situação de vulnerabilidade, os primeiros aspectos que devem ser observados são, naturalmente, os mais básicos. A moradia, nesse sentido, é um ponto inicial indispensável para se pensar diversos elementos que constroem a qualidade de vida do ser humano. A situação atual do Brasil é de mais de 50 milhões de brasileiros – dentro de uma população de 205 milhões de pessoas – vivendo em moradias autoconstruídas sem o auxílio de um arquiteto ou engenheiro civil. Deste número, 14 milhões de pessoas vivem em favelas.

 

Buscando unir o desejo de reduzir o déficit habitacional no Brasil à possibilidade de criar um empreendimento que se sustente, surgiram dois escritórios populares de arquitetura: o Programa Vivenda e o Inova Urbis, criados respectivamente por Fernando Assad, em São Paulo, e Alban Drouet, no Rio de Janeiro. Ambos administradores de empresa, tiveram as iniciativas a partir de um mesmo entendimento, expressado por Assad: “É muito pobre pensar em juntar uma série de boas mentes para fazer uma coisa que tenha como objetivo único dar lucro, ganhar dinheiro. A Vivenda se propõe a ter como objetivo primeiro resolver algum problema social e como objetivo secundário ter algum retorno”.

 

Assad e Drouet foram palestrantes do II Seminário de Empreendedorismo e Novas Tecnologias em Arquitetura e Urbanismo, promovido pelo CAU/BR em parceria com o CAU/RS no dia 4 de julho, em Porto Alegre. Em suas falas, os empresários destacaram os impactos que a questão da moradia gera na vida das pessoas. Entre as áreas afetadas estão a privacidade, a autoestima, a sociabilidade, a praticidade e o bem estar e a saúde. Além disso, preocupações com a educação, a cultura e a segurança podem ter mais atenção a partir da solução de problemas na infraestrutura da casa.

 

A partir dos estudos feitos para a implantação do Inova Urbis como modelo de negócios, Alban Drouet identificou os principais problemas das moradias da favela da Rocinha, no Rio de Janeiro – local onde o primeiro escritório foi alocado. A lista é extensa: infiltrações, janelas que dão para muros, ausência de revestimento nas paredes, tubulações expostas, escadas irregulares, estreitas e íngremes, espaços mal distribuídos, pouca ventilação e iluminação natural insuficiente. Para conquistar soluções efetivas para tantos problemas, o administrador do Inova Urbis afirma: “Precisamos ter uma leitura completa da casa, e não de apenas um cômodo, senão gera-se um resultado de curto prazo, mas que não resolve em definitivo os problemas”.

 

Outra percepção importante para o planejamento dos negócios de Assad e Drouet foi a compreensão das dificuldades encontradas pelas famílias na reforma de suas casas. Eles constataram que há, comumente, diversos freios na mentalidade das próprias pessoas quanto à importância de investir em melhorias na moradia. Entre eles, estão a pouca consciência dos benefícios, a falta de visão do potencial de transformação, a falta de visibilidade financeira, a dificuldade de prever a qualidade da mão de obra envolvida na reforma, e a oferta limitada de materiais de construção.

 

Gráfico apresentado por Assad destaca o nicho de mercado em reformas de habitações de interesse social.

 

Para solucionar todas essas questões, concretas e complexas, é preciso, além de boa vontade, o planejamento de uma estratégia financeira que viabilize tais transformações. Nesse sentido, Fernando Assad apresentou, em sua fala, um gráfico mostrando um grande nicho praticamente vazio no mercado de reformas em habitação de interesse social. Empreender nesse setor, portanto, é mercadologicamente viável. Drouet complementou destacando que essas iniciativas se caracterizam como negócios sociais: empresas de interesse público que funcionam numa lógica entre o segundo setor (empresas) e o terceiro setor (ONGs). Segundo ele, para atingir os objetivos desejados na habitação de interesse social, é necessário conciliar políticas públicas puras, filantropia privada, negócios sociais e modelos híbridos.

 

A criação de empreendimentos nesse nicho é, portanto, parte essencial da preocupação com a redução do déficit habitacional. “Quando falamos em estruturar um mercado de melhoria habitacional no Brasil, não estamos falando só em ganhar dinheiro. Estamos falando que é um mercado legal para gerar acesso e ter um negócio que se sustente”, afirma o fundador do Programa Vivenda, Fernando Assad.

 

Programa Vivenda

 

A iniciativa surgiu no segundo semestre de 2012, pensada a partir da constatação do maior desafio em termos de déficit habitacional no Brasil como a reforma, e não a construção. Antes da operação efetiva da empresa, houve a exploração do modelo de negócios com a comunidade, um programa de aceleração piloto com dez reformas e a negociação com investidores. Quase dois anos depois, em abril de 2014, a Vivenda iniciou suas operações e a venda das primeiras reformas, alocada no Jardim Ibirapuera, em São Paulo.

 

“Fizemos um estudo de seis meses para entender os desejos, os anseios e dificuldades. As principais queixas eram a falta de acesso a créditos, de mão de obra qualificada, acesso a arquitetos e material de construção. Vimos que de fato não existia algum mecanismo no mercado para fazer essa ponte”, relata Assad. A partir desse estudo inicial, foi pensado um modelo integrado de trabalho em planejamento, material, mão de obra e parcelamento. O modelo de negócios foi projetado durante um semestre com a ajuda de uma incubadora, até que surgiu o primeiro investidor, que emprestou R$ 150 mil.

 

Fernando Assad em palestra no Seminário de Empreendedorismo e Novas Tecnologias. Foto: CAU/RS.

 

 

A venda das reformas pelo Programa Vivenda se dá a partir de kits por cômodo: banheiro, cozinha, quarto, sala e área de serviço. Cada kit tem o valor de R$ 5 mil, parceláveis em 30 vezes. “Iniciamos com duas propostas: vender as reformas diretamente para os moradores ou vender as reformas para organizações sociais que tenham interesse em fazê-las”, explica Assad. A loja da Vivenda foi pensada para oferecer soluções em reforma planejada. A ideia é que o cliente possa debater o projeto com arquitetos e urbanistas, e depois só se preocupe em pagar as parcelas, sem ter que se preocupar em administrar a reforma. Num primeiro momento, o financiamento era administrado pela própria empresa, mas recentemente, foi necessária uma parceria com uma empresa para desenvolver um mecanismo de financiamento mais viável, que deu acesso aos clientes da Vivenda à menor taxa de juros do mercado.

 

Neste ano, o Programa Vivenda começou a investir na expansão do negócio. Em março, foi aberta a segunda loja, na Zona Leste de São Paulo. Outra conquista recente foi a filiação da empresa ao CAU/SP, com o objetivo de estruturar um programa de melhoria com crédito, que tem como premissa o registro junto à autarquia. “Vi essa oportunidade como mais um passo para criar um mercado no campo de reformas. Modelo de escritório popular de arquitetura na comunidade, construção de linha de crédito, desenvolver um piloto de distribuição de material na comunidade. Ter o CAU olhando para isso, com essas organizações registradas e as normatizações conversando com isso é mais um passo para estruturar esse quadrante”, afirma Assad.

 

Inova Urbis

 

Fundada em 2014 na Favela da Rocinha, a Inova Urbis atua com proposta semelhante à do Programa Vivenda, procurando trazer soluções para a questão do déficit qualitativo das habitações, a partir da criação de projetos de reforma e melhoria das moradias. A iniciativa do administrador Alban Drouet não envolve a execução dos projetos, mas possui um sistema de indicação de mão de obra qualificada e de viabilização do acesso a materiais de construção em condições de pagamento viáveis para a faixa de renda do seu público-alvo.

 

Quando surgiu, a Inova Urbis fez um estudo da Favela da Rocinha, para entender a condição das moradias da região e os desejos da população local quanto à estadia na comunidade e a melhoria de suas casas. Foi constatado que cerca de 80% das famílias eram proprietárias de suas habitações e tinham vontade de reforma-las. Num primeiro momento, assim que o escritório se instalou, eram cobrados preços populares. Atualmente, após ter firmado parceria com uma grande rede de materiais de construção, a empresa oferece os projetos gratuitamente.

 

Conforme o fundador da Inova Urbis, Alban Drouet, os projetos criados sempre abrangem a casa inteira, mas são pensados em etapas, de forma que o morador possa executar a reforma de casa cômodo conforme tiver condições para arcar com os custos. “Ainda que o morador vá reformar só uma parte, entendemos que é necessário que em algum momento um profissional técnico ajude o morador a ver a casa dele como um todo”, afirma. Além disso, ele destaca uma preocupação com o envolvimento de profissionais e estudantes de Arquitetura e Urbanismo junto às populações de baixa renda, para que se desenvolva uma maior sensibilidade em relação a todo o contexto de vida dessas pessoas. “Queremos consolidar a arquitetura de interesse social entre os estudantes, moradores e profissionais da obra. O estudante interage com o morador, e entende que ele não está partindo de uma folha em branco”.

 

Alban Drouet em palestra no Seminário de Empreendedorismo e Novas Tecnologias. Foto: CAU/RS

 

Para conquistar clientes, o Inova Urbis tem algumas estratégias de sensibilização. Conforme Drouet, embora os projetos sejam oferecidos sem custos para as famílias, na maior parte das vezes não é a população que procura o escritório, mas o contrário. O caminho para a criação do projeto, portanto, costuma acontecer da seguinte maneira: primeiro, há um café da manhã na sede do Inova Urbis, onde os arquitetos e urbanistas podem conversar com as famílias sobre a importância de um projeto arquitetônico, as razões para a reforma da moradia e a forma como o escritório pode ajudar a concretizar este plano. Depois, ocorre uma visita técnica ao cliente, quando a equipe tira as medidas da casa e procura entender melhor os desejos da família. Então, é feito o projeto digital, e a partir dele se dialoga com o cliente para chegar ao resultado final. Além do projeto finalizado, são oferecidas soluções como os quantitativos de materiais, a indicação de mão de obra e a organização financeira através da divisão da obra por etapas.

 

Hoje, o Inova Urbis já realizou 500 projetos de reforma de habitações populares e conta com um segundo escritório situado no bairro Paraisópolis, em São Paulo. Nos planos de expansão do negócio, eles contam com a parceria privada já estabelecida, e com a possibilidade de parcerias públicas para ter uma atuação mais ampla a partir do apoio das prefeituras.

 

Fonte: CAU/RS

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