ARQUITETURA SOCIAL

Arquitetura Social: Escritório Público de Salvador já entregou 5 mil projetos

Por Emerson Fonseca Fraga, Jornalista do CAU/BR

 

 

Desde 2001, quando foi inaugurado, o Escritório Público de Salvador já entregou gratuitamente cerca de 5 mil projetos a famílias de baixa renda da capital baiana. O projeto de Arquitetura Social é da Secretaria Municipal de Infraestrutura e Obras Públicas e funciona em parceria com seis faculdades da capital baiana. “Atuamos na assistência para elaboração do projeto, na regularização da propriedade e do imóvel. Quando é preciso, encaminhamos para a Defensoria Pública ou para outras áreas da Prefeitura. A gente tenta ao máximo fazer a legalização de tudo”, explica a arquiteta e urbanista Adelaide Luna, chefe de Projetos do Escritório.

 

Parte da equipe atual do Escritório Público: Filipe Brasil, Diva Galvão (técnico-administrativa) Carmélia Clough, Amanda Bonfim, José Gabriel de Jesus (estagiários), João Evangelista Costa (arquiteto e urbanista), Adelaide Luna (arquiteta e urbanista - chefe do Escritório Público), Fabiana Alves (estagiária) e Régia Barretto (assistente social)
Parte da equipe atual do Escritório Público: Filipe Brasil (estagiário), Diva Galvão (técnico-administrativa), Carmélia Clough, Amanda Bonfim, José Gabriel de Jesus (estagiários), João Costa (arquiteto e urbanista – chefe de Vistorias), Adelaide Luna (arquiteta e urbanista – chefe de Projetos), Fabiana Alves (estagiária) e Régia Barretto (assistente social) (Foto: Adelaide Luna/Arquivo pessoal)

 

O serviço funciona como um ateliê escola: são 34 estudantes de Arquitetura e Urbanismo e 6 de Engenharia Civil supervisionados por dois arquitetos e urbanistas da Prefeitura. Um dos profissionais é responsável técnico pelos projetos; o outro, pelas vistorias prévias. A equipe efetiva conta ainda com 1 assistente social e 2 técnicos-administrativos. Cerca de 90% de todos os projetos elaborados pelo Escritório Público são de reforma ou ampliação de casas. “Os projetos de construção são minoria porque para iniciá-los do zero é preciso já ter o terreno regularizado, o que é muito raro nas áreas atendidas”, relata Adelaide Luna.

 

Projeto de reforma da residência da dona de casa Edmea Reis Araújo
Projeto de reforma da residência da dona de casa Edmea Reis Araújo (Imagens: Seinfra/Prefeitura de Salvador)

 

“Estava precisando do projeto e queria muito fazer um negócio dentro da lei, porque tem pessoas que fazem coisas fora da lei, depois dá errado, e eu não queria que isso acontecesse. E aí eu fui buscar, e lá, graças a Deus, fui muito bem atendida. Era rachadura por todos os lados, não só nas paredes de toda parte da casa, como também no chão. Minha sobrinha tinha um medo. ‘Minha tia, eu tenho um medo que essa casa caia por cima da senhora’. E eu: ‘minha filha, não vai cair porque o Deus todo poderoso não vai deixar’. Então hoje eu estou assim, realizada. Feliz, muito feliz mesmo. Pedir a Deus que me dê a saúde para eu usufruir dessa maravilha”, comemora a dona de casa Edmea Reis Araújo, 70 anos, que já construiu o projeto elaborado pelo Escritório Público.

 

Edmea Reis Araújo reformou sua casa inteira com projeto do Escritório Público
Edmea Reis Araújo reformou a casa inteira com projeto do Escritório Público (Fotos: Seinfra/Prefeitura de Salvador)

 

Os estagiários do Escritório elaboraram uma cartilha ilustrada para a população que explica o passo a passo para o atendimento, além de dicas para a realização da obra. Clique aqui para baixar.

 

Página da cartilha com instruções para que a população entenda os serviços do Escritório Público
Página da cartilha com instruções para que a população entenda os serviços do Escritório Público (Ilustrações: Marcos Queiroz)

 

FORMAÇÃO EM ARQUITETURA SOCIAL

 

Ao mesmo tempo em que oferece a assistência técnica às famílias soteropolitanas, o Escritório Público ajuda a formar profissionais capacitados em assistência técnica para habitação de interesse social. “Os estudantes de seis faculdades de Salvador vêm duas vezes por semana. Aqui, eles lidam diretamente com a população e elaboram, em conjunto com os moradores, o projeto. Com certeza eles saem com uma bagagem prática muito maior na área”, garante a chefe de Projetos do Escritório Público.

 

Estagiários de Arquitetura e Urbanismo fazem atendimento aos moradores e elaboram os projetos sob supervisão
Estagiários do Escritório Público fazem atendimento aos moradores e elaboram os projetos sob supervisão da arquiteta e urbanista responsável (Fotos: Seinfra/Prefeitura de Salvador)

 

“Os estagiários têm bastante responsabilidade. Atuamos na vistoria, em conjunto com o arquiteto e urbanista responsável, voltamos para o escritório e fazemos os projetos. Fazemos parte de todas as etapas. Nós que marcamos com o morador, que discutimos os estudos preliminares. Os chefes apenas revisam, corrigem e supervisionam. É um escritório em que você não é só ‘cadista’, mas seu trabalho é muito maior”, relata Carmélia Clough, 24 anos, estagiária do Escritório Público há 10 meses.

 

Estudante do último semestre de Arquitetura e Urbanismo, Carmélia diz que a prática cotidiana do Escritório faz com que ela e os colegas se deparem com problemas reais e atuem também como mediadores junto às famílias. De acordo com ela, um dos problemas mais comuns na elaboração do projeto é o desejo dos moradores de construir em todo o terreno, o que é vedado pela legislação urbanística. “Normalmente as famílias são muito grandes. Os filhos continuam em casa e são adultos. Aí temos que discutir com o morador a proporção da casa e tentar adequar, porque não pode ocupar todo o terreno, tem que ter o recuo. As pessoas às vezes ficam meio desapontadas com isso, mas não podemos deixar de cumprir a legislação”, conta.

 

Na visão da futura profissional, as pessoas atendidas pelo Escritório ainda têm dificuldade de enxergar a Arquitetura como um serviço público. “Os moradores ainda não se sentem muito à vontade na frente de um arquiteto e urbanista. É como se estivéssemos fazendo um favor, mas muito pelo contrário. Eles têm dificuldade em ver como um dever do Poder Público”, lamenta.

 

POUCOS PROFISSIONAIS NA ÁREA

 

A chefe de Projetos do Escritório Público, Adelaide Luna, acredita que a capacitação desses futuros profissionais em Arquitetura Social ajuda a atender à falta de cursos na área. De acordo com ela, mesmo em nível de pós-graduação há pouca oferta. “Aqui em Salvador temos uma residência na UFBA que trata do tema, mas é o único projeto de maior relevância nesse sentido. Ainda temos pouca qualificação profissional para a área”, afirma.

 

Para a arquiteta e urbanista, mesmo no quadro da Prefeitura de Salvador, a maioria dos arquitetos e urbanistas acaba optando por funções de análise ou de planejamento em vez das de projeto. “Essa área é realmente para quem gosta. Você vai entrar dentro de comunidades. E tem sempre que contar com o apoio do assistente social. Porque o projeto vai acompanhado de um conflito. O morador vem aqui com situações em que o vizinho invadiu o terreno, em que o pai morreu e deixou para ele e ficou legalizado. Tem que ser um arquiteto e urbanista com vocação para isso”, defende Adelaide. 

 

FUNCIONAMENTO DO ESCRITÓRIO PÚBLICO

 

A operação do Escritório Público é parecida com a de outras repartições: o morador vai até a Secretaria Municipal de Infraestrutura e Obras Públicas de Salvador (clique aqui para ver o endereço e telefone) e se cadastra. Em seguida, passa por uma análise social, para verificar se a família se enquadra nos critérios da Lei de Assistência Técnica para Habitação de Interesse Social. “Se ele passar pela triagem social, entra para a fila de espera, que hoje está em três meses”, relata a arquiteta e urbanista Adelaide Luna, chefe de Projetos do Escritório.

 

 

Assistente social Régia Barretto faz triagem dos interessados: atendimento dos critérios da Lei de Assistência Técnica é obrigatório
Assistente social Régia Barretto faz triagem dos interessados: atendimento aos critérios da Lei de Assistência Técnica é obrigatório (Foto: Seinfra/Prefeitura de Salvador)

 

O próximo passo é a vistoria. “Nossa função é ir até o local e verificar, primeiro, se a casa está em área de risco ou tem problemas de estrutura. Nesses casos, não podemos fazer o projeto, pois ele não seria aprovado. Verificamos ainda se o terreno está dentro do limite de 250 m² e se atende aos outros critérios legais”, explica João Costa, arquiteto e urbanista chefe de Vistorias.

 

Arquiteto e urbanista João Costa durante vistoria em casa de morador candidato à assistência do Escritório Público
Arquiteto e urbanista João Costa durante vistoria em casa de morador candidato à assistência do Escritório Público (Foto: Seinfra/Prefeitura de Salvador)

 

O projeto solicitado pode ser de um cômodo ou da casa inteira. “Geralmente de até 70 m², já que quando a área é maior o morador precisa pagar todas as taxas de licenciamento e aprovação da Prefeitura, porque vai sair do perfil de habitação de interesse social”, explica.

 

Os requisitos para atendimentos são os seguintes:

1 – Imóvel localizado no município de Salvador;

2 – Renda familiar de até 3 salários-mínimos;

3 – Área construída total de até 70m²;

4 – Terreno com área de até 125m² para habitação de interesse social e de até 250 m² para habitação popular;

5 – Gabarito de altura máxima de 9m;

6 – Caso esteja construída mais de uma unidade imobiliária por terreno, deve haver acessos independentes por via oficial de circulação;

7 – No caso de uso misto (residencial e não-residencial), a área não-residencial não pode ultrapassar 50% da área total construída;

8 – No caso de ampliação da edificação existente para a implantação de outra unidade residencial, o somatório da unidade existente com a unidade nova não poderá ultrapassar a área total construída de 140m²;

9 – Imóvel deve estar inserido em Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), ou em regiões de baixa renda – ficam excluídos os imóveis inseridos em Zona de Proteção Ambiental (ZPAM), em áreas de risco cadastradas pela Defesa Civil e em lindeiros a vias arteriais de hierarquia I e II;

10 – Não devem ser identificados, na vistoria prévia, comprometimentos estruturais no imóvel.

 

APROVAÇÃO DO PROJETO

 

O Escritório Público acompanha o projeto até sua aprovação pelos demais órgãos da Prefeitura, realizando eventuais alterações e procedimentos burocráticos necessários. Tudo de forma gratuita para as famílias aprovadas na triagem social e sempre em conjunto com os moradores, desde o estudo preliminar. “Quando o projeto fica pronto, nós mesmos levamos para a secretaria que faz o licenciamento. Acompanhamos todo o processo e o morador recebe o alvará com todas as plantas carimbadas e aprovadas”, explica Adelaide Luna, chefe de Projetos do Escritório.

 

O serviço atua exclusivamente na elaboração e na aprovação de projetos. Não há acompanhamento da obra, pelo menos por enquanto. “No Escritório infelizmente ainda não fazemos nenhum tipo de acompanhamento, até por conta da nossa equipe ser muito reduzida. Apesar disso, no processo de aprovação na Prefeitura, para receberem o alvará, é preciso já incluir o nome do arquiteto e urbanista ou do engenheiro civil que vai orientar a execução, conforme determina a legislação”, afirma a arquiteta e urbanista. A contratação do profissional responsável técnico pela obra fica por conta dos próprios moradores.

 

PRÊMIO NACIONAL

 

 

O Escritório Público recebeu, no dia 22 de março, com o Selo de Mérito da Associação Brasileira de Cohabs e Agentes Públicos de Habitação (ABC), na categoria ‘Ações, Planos e Programas voltados para a produção de Habitação de Interesse Social’. O prêmio foi entregue durante o 65º Fórum Nacional de Secretários de Habitação e Desenvolvimento Urbano (FNSHDU). 

 

“Com o trabalho realizado, nós conseguimos alcançar a população de baixa renda no acesso a um serviço de extrema importância. Além da elaboração do projeto, o cidadão conta com orientações no encaminhamento junto aos órgãos competentes para emissão de documentação, com o objetivo de regularizar a propriedade e a construção. Recentemente recebemos o prêmio como forma de reconhecimento pelas boas práticas em Habitação”, comemora o secretário municipal de Infraestrutura e Obras Públicas de Salvador, Almir Melo Júnior. 

 

SÉRIE ESPECIAL DE REPORTAGENS

 

Esta reportagem faz parte de uma série especial do CAU/BR e dos CAU/UF que está mostrando o trabalho de arquitetos e urbanistas que, superando orçamentos reduzidos e unificando diferentes opiniões, conseguiram desenvolver moradias dignas e de qualidade para as famílias de baixa renda.

 

Você atua em projetos de habitação social? Envie um e-mail para [email protected] falando sobre o seu trabalho na área. Não se esqueça de inserir os autores dos projetos, contatos das pessoas envolvidas (arquitetos, autoridades e beneficiários), com um breve descritivo do projeto e até três fotos/ilustrações. Se sua história for selecionada, o CAU entrará em contato para produzir uma reportagem especial sobre os projetos.

 

SAIBA MAIS

 

Antiga fábrica em Curitiba abriga casas de famílias carentes

Projeto de habitação popular no coração de Porto Alegre

Iniciativa mantém 10 postos de assistência técnica na periferia de Brasília

Em Diadema, Casas Cubo são solução para abrigar famílias excluídas de reurbanização

Assistência Técnica: Vereadora Marielle Franco apresentou projeto de lei sobre o tema

Arquitetura Social: CAU/BR e CAU/UF destacam projetos inovadores

NOTÍCIAS RELACIONADAS

CAU/GO realiza aula magna com Pablo Hereñú na Unip no dia 11/9

CAU/ES contribuirá na elaboração do Plano ES 500 Anos

Candidatos a prefeito discutem requalificação do Centro de BH em evento do CAU/MG

Pular para o conteúdo