ARTIGOS

“Esculachando a sociedade”, artigo do arquiteto e urbanista Luiz Fernando Janot

A roubalheira institucionalizada e a violência urbana são hoje os assuntos de maior destaque no noticiário nacional. Nesse cenário desolador, o Rio de Janeiro vem desempenhando um papel relevante graças às falcatruas do seu ex-governador, à falência financeira do Estado e os recorrentes conflitos armados nas suas favelas.      

 

Quase uma década após a bem sucedida implantação da primeira “Unidade de Polícia Pacificadora” (UPP), no Morro Dona Marta, em Botafogo, o Rio voltou a viver momentos de grande apreensão com os enfrentamentos entre facções do tráfico e forças policiais. A reação à política de pacificação das favelas faz parte de um movimento organizado por traficantes para retomar o controle territorial das comunidades pacificadas e permitir que os chamados “soldados do tráfico” garantam a segurança dos seus negócios através do poder arbitrário imposto aos moradores.

 

Enquanto isso, observamos pelas ruas da cidade os semblantes tensos e preocupados das pessoas que temem ser assaltadas em seus trajetos diários. São roubos que infernizam a vida das pessoas que andam a pé, de bicicleta, de moto, de ônibus ou de automóvel. Assalto seguido de morte se tornou uma banalidade no Rio de Janeiro. Mesmo nos recantos bucólicos do Parque Nacional da Tijuca, esportistas e visitantes não escapam da sanha dos assaltantes.   

 

A esses exemplos acrescentamos os sequestros relâmpagos, os assaltos praticados por motoqueiros armados a qualquer hora do dia e da noite, e em qualquer lugar da cidade, e os arrastões feitos por bandos de jovens desordeiros que agem em grupo com a certeza da impunidade. O que assistimos hoje no Rio são cidadãos de bem sendo vítimas de criminosos que não poupam sequer as camadas mais pobres da população. 

 

Reconhecemos que a questão social está na origem do problema, todavia a sua disseminação não configura uma decorrência exclusiva dos conflitos sociais.  Portanto, não dá para pactuar com a política vacilante de combate à criminalidade. Há que se agir com extremo rigor antes que a esperança de pacificação da cidade se perca definitivamente. Ao contrário do que preconiza a “bancada da bala” no Congresso Nacional, portar arma de fogo sem autorização deveria resultar em prisão automática e inafiançável. Os criminosos não podem continuar esculachando os cidadãos honrados, e o poder público permanecer assistindo de braços cruzados.

 

Enquanto não houver uma estratégia de ações preventivas, será difícil reverter a situação atual. Existem exemplos bem sucedidos de cidades no exterior que adotaram medidas de prevenção ao crime e alcançaram bons resultados. Nova York é uma delas. Todavia, com a lentidão do nosso poder judiciário, com o estado deplorável do nosso sistema carcerário e com a corrupção rolando solta, fica difícil melhorar as condições da segurança pública.   

 

Em uma sociedade como a nossa, marcada por expressivos contrastes sociais, é fundamental elevar a autoestima dos jovens através do estudo e de um trabalho digno que os desestimulem a seguir os caminhos da criminalidade. Nesse sentido, é fundamental promover atividades econômicas, sociais e culturais que atendam a essas camadas desfavorecidas da população. Caso contrário, não haverá modelo de segurança pública capaz de evitar o comprometimento definitivo do convívio social nos ambientes coletivos. 

 

Não basta culpar o desequilíbrio das finanças públicas para justificar o imobilismo das autoridades governamentais diante dessa grave situação. O projeto da Prefeitura para blindar as escolas municipais em áreas de risco é um equívoco tanto do ponto de vista técnico como conceitual, além de ser um desperdício de recursos públicos em tempos de escassez orçamentária. Da mesma forma, é um erro anunciar mega projetos de intervenção urbana cuja viabilidade econômica sequer está assegurada. Refiro-me, nesse caso, às propostas de expansão do metrô até o Recreio e de reaproveitamento do conjunto de armazéns na Zona Portuária.

 

Além da conclusão das obras paralisadas, os novos investimentos em infraestrutura urbana devem se concentrar prioritariamente nas áreas mais populosas da cidade – Zona Norte e Zona Oeste – onde se concentram as camadas mais pobres da população. Desta forma, será possível estabelecer um caminho mais profícuo para reduzir as distâncias sociais e propiciar uma cidade mais justa, solidária e segura.  

 

Fonte: O Globo publicado em 08/04/2017

26 respostas

  1. Simplesmente perfeito !
    Causa imensa revolta ver uma proposta como essa do nosso alcaide de blindar as escolas !
    Não cabem mais promessas de palanque, essas bobagens simplistas e populares no tempo em que vivemos, de tamanha insegurança urbana.
    Esperamos sim, uma ação global que cuide da nossa cidade com a seriedade que ela merece.
    Vamos parar de brincar com a vida alheia …

  2. Tive a honra de ter sido aluno, na UGF, deste renomado e competente arquiteto, que já detinha como perfil quando de meu mestre, a pacificação, acima de tudo. O seu arquivo descreve, de forma sintetizada, o caos que convivemos em nosso “dia a dia”, mas também entendo, independente de todo o exposto, que a Impunidade é a “mola mestre” de toda esta “atmosfera” de revolta, descrença etc etc etc

    1. Muito interessante essa visão, principalmente para os cegos do Ministério Público que só percebem depois que os escândalos explodem (ouvidos também tardios); também para os criminosos do Tribunal de Contas que nunca deveriam ser indicados políticos. Assim não temos nenhuma perspectiva de mudança no cenário. É isso mesmo e fica apenas a nossa indignação!

  3. Infelizmente, esses problemas graves que estão ocorrendo nessa valorosa cidade ocorrem aqui em Porto Alegre também,o sentimento é o mesmo, e a população cada vez mais sem esperança… Creio que em outras capitais e demais cidades importantes do país se tenha a mesma situação.

  4. As mazelas dos governantes passados e presentes se cristalizam nisto que vemos todos os dias. Acredito que o que falta é a troca deste modelo político arcaico por um modelo que mais se aproxima da gestão pública eficiente. O nosso político não está interessado em resolver absolutamente nada, o seu interesse é meramente de ordem pessoal, sua projeção e seu patrimônio. O que precisamos nos cargos do poder executivo é mais gestores e menos políticos.

  5. Blindar escolas é o mesmo que emitir atestado de incompetência de gestão, é tapar o sol com peneira.
    Daqui a pouco vão querer fornecer coletes a prova de balas para que os estudantes possam chegar e sair com mais segurança.
    Lastimável…

    1. E, logicamente com “licitações públicas” de todo este aparato de defesa para os estudantes que estarão ainda com Professores mal remunerados e com salários em atraso, falta de material didático e aquelas coisas que todos já sabem e estão acostumados… E isto é o pior; ESTAMOS ACOSTUMADOS E ACEITAMOS ISTO!!!

  6. Concordo totalmente, é a certeza da impunidade que move todos os desonestos deste país, sejam eles pobre ou ricos.

  7. Concordo com quase tudo. Entretanto, considero que expansões das linhas do Metrô são sempre bem-vindas. No caso específico do Recreio, é bom lembrar que trata-se de bairro de fortíssimo crescimento, que abriga área maior do que toda a zona sul junta. Tal investimento não favorece apenas aos moradores da região, mas também às milhares de pessoas que lá trabalham. Há muito que o BRT Transoeste encontra-se saturado.

  8. o Filosofo chinês Confusio falou a milênios que a ruína da sociedade e provocada pela corrupção moral e ostentação das classes nobres… bem, já ficou claro que aqui caiu a careta de nobreza brasileira, no passaram canalhas delatores, ídolos de barro protegidos por robustos seguranças servis e fieis, o retrato do Brasil na lama da lava-jato.. servilismo e silencio cúmplice de amigos e familiares, segurando a repudiável e oca cultura da ostentação com figurino de terno e roupa de grife, No da para aguentar os canalhas hipócritas rasgando as vestes, depois se fazer de distraídos por que a coisa esteve a vista de tudo mundo a longo tempo, nas garagens dos prédios cheios de carros de luxo na mão de panacas medíocres, enquanto o hedonismo da cultura das drogas continua lubricando as finanças dos que mandam no Btasil.. quem se droga sabe de donde vem o que esta cheirando..

  9. Grande ..”Janot tive o privilégio de ter sido seu aluno. Sempre com a cabeça aberta para a crise nas cidades.

  10. Caro Janot, você não mergulhou na questão crucial que é o exemplo que vem dando este governo ilegítimo e empobrecedor que temos com as bençãos do “parlamento” e da “justiça”.
    Agora mesmo as reformas previdenciária e trabalhista cuja conta cairá no colo dos mais pobres, com certeza alimentará o ciclo dis”virtuoso” que você, com propriedade, fala.
    É bom pensarmos em propostas corretas para que nossos netos tenham piedade de nós.

  11. Não basta escrever. Hoje tem que ter atitude. Sempre soubemos disso, mas éramos “passageiros” apreciando esta viajem ao “inferno” durante décadas. O que tem que ser feito? Esperarmos um Super Herói? Não. Chegou a hora de nos unirmos e darmos uma solução definitiva. Sugiro que o CAU apresente soluções Urbanistícas como modelo para cidades (pequenas, médias e grandes), esta é a nossa responsabilidade como ARQUITETOS URBANISTAS. É neste momento em que o país mais precisa de nós(arquitetos), pois nunca tivemos um dirigente de expressão no governo de formação em arquitetura esta é uma das razões do Brasil não ter um planejamento mínimo em suas cidades e o que têm causado o caos em vivemos nos últimos quase 100 anos.

    1. Perfeito.
      Tudo começa na falta de Planejamento Urbano e no Uso indevido do Solo Urbano.
      Profissionais existem, mas nem consultados às vezes são.
      Vide o inferno que as intervenções feitas pela Prefeitura de Niterói têm causado à população.
      Erros grosseiros, como dimensionamentos de vias, falta de estudos de impacto na vizinhança, o que está causando fechamento de vários comércios, além do risco direto e indireto à população.
      Tudo isso, contribui para a violência urbana, seja direta ou indiretamente.
      Inferno é pouco o que estamos vivendo…
      Não sei se o CAU, como orgão representativo pudesse ser mais atuante na participação direta com os Governos municipais e estaduais.

  12. Quais ações a sociedade esta promovendo para combater todos estes males que afetam a todos?
    E quais outras ações poderíamos promover?
    As atitudes por menores que sejam são validas, mas é necessário que sejam concretas!

  13. Mais do que protestar, a nossa classe precisa se mobilizar !!!
    A construção civil emprega milhares de pessoas.
    Reclama-se da falta de qualificação dos profissionais.

    Somos arquitetos, engenheiros, técnicos, enfim…profissionais capazes de qualificar esses jovens para que tenham uma profissão digna.

    Caberia ao CAU e ao CREA, convocar os profissionais e os orgãos de classe para promover ações que possam resgatar esses jovens que estão sendo lançados na criminalidade.

    Se o governo é corrupto e os políticos nada fazem, vamos a nossa parte !!!

    1. Concordo, “Todos somos responsáveis”. Só vejo que não devamos esperar o CREA e/ou CAU para liderar nossos ideais. Na nossa educação de base não foi nos ensinado isso (propositalmente). Nós é que temos que ajudar os nossos Conselhos (CREA e CAU) nesta jornada e “pedir” uma convocação para contribuirmos com os nossos conhecimentos técnicos, práticos e sociais.

    2. Boa tarde !

      Valeu.
      Comunicação CAU aos profissionais.
      Grupos de Trabalho > elaboração de um Manual >”Protótipo para Procedimentos de Ação Regional em Curto Espaço de Tempo de até 120 dias a partir de 01/maio/2017″
      “Os interessados que se apresentem e contribuam”.
      Reuniões dos Grupos(limite de participantes) e Pauta, a critério do(s)CAUs.
      Até hoje não notei nenhuma participação > comentários firmes dos nossos Orgãos de Classe.
      Defendendo ou Justificando ações profissionais.
      Como podemos aceitar as informações prestadas pelas comunicações, de que os super faturamentos ocorrem sem punição dos envolvidos nos processos de contratação.
      Também são responsáveis os técnicos na verificação dos procedimentos básicos na elaboração dos PROJETOS,dos detalhamentos técnicos, dos ORÇAMENTOS setorizados e globais, das FISCALIZAÇÕES no acompanhamento e no desenvolvimento dos serviços, das etapas programadas, das punições a contratada do não atendimento das etapas estabelecidas, e das planilhas de liberação de recursos efetivamente realizados.
      Não somente como temos observado, aos intermediários e políticos nas liberações dos recursos.
      Como as empresas elaboraram seus orçamentos, e quem os aprovou?
      É um absurdo que estabelecem parâmetros diferenciais de valor como : EX
      > 10 bilhões ou 12 bi., , como podem estabelecer conceitos de análises econômicas assim > ?
      Chega de comentários, senão vamos muito longe…
      Att

  14. surge a preocupação de que essas escolas certamente vão virar abrigo da bandidagem. Digo mais, se esta for a solução, sugiro que sejam blindados os ônibus, Metrô, trens… mas essa idéia,caso seja cogitada, é bom sentar por um bom tempo, pois se o prazo para instalação de ar condicionado nos ônibus não foi cumprido (sempre prorrogando)e não há penalidades, imagina um projeto de blindagem. O que falta realmente é seriedade, é querer. é vontade e administração de gestores honestos e competentes.

  15. ” A situação caótica que se apresenta à Sociedade, como já foi dito, é resultado exclusivo da total alienação pela qual passa as nossas, mais variadas camadas sociais; par termos uma mudança nos padrões, devemos antes de tudo mudarmos nossas atitudes. Viver e usufruir de uma Sociedade estável e eticamente responsável é a idealização, porém temos que mudar nossos conceitos de relacionamento, o individualismo é por si só o veneno que está contaminando as relações: não nos importamos com os fatos lamentáveis que ocorrem com nossos vizinhos, que para muitos acham que não lhes dizem respeitos, até que tais acontecimentos ocorram em seus quintais.”

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