
Ivan Mizoguchi, ex-diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da PUC-RS e conselheiro suplente do IAB:
“Há um ano, falecia Miguel Alves Pereira. Natural do Alegrete – cidade dos Pampas gaúchos, na fronteira com a Argentina –, formou-se arquiteto em 1957 na Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Exerceu a profissão e a docência em Porto Alegre até 1968, quando emigrou para Brasília, onde exerceu o cargo de diretor do Instituto Central de Artes e Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (UnB).
Penso que uma das formas de reverenciar sua memória, e de homenageá-lo na passagem desta data, seria lembrar ele como um – raro, hoje em dia – arquiteto completo.
Como profissional da prancheta, realizou importantes projetos de arquitetura. Destaco alguns que realizou com seu colega de escritório, João Carlos Paiva da Silva: a residência Hélio Dourado, premiada num dos salões de arquitetura promovidos pelo IAB-RS; o Colégio Concórdia, em São Leopoldo, classificado em primeiro lugar em concurso nacional; o primeiro lugar no concurso nacional para o Museu Pedro de Toledo, em São Paulo; terceiro lugar no concurso nacional para a Assembleia de São Paulo, entre outros.
Participou da equipe, com Carlos Fayet, Claudio Araújo e Moacyr Moojen Marques, do projeto da Refinaria Alberto Pasqualini, em Canoas (RS). Atuou na Secretaria de Obras Públicas do Estado, onde realizou, entre outros, o projeto para o Mirante do Parque Caracol, em Canela (RS).
Tive a honra e a satisfação de compartilhar não apenas de sua amizade, mas também, como sócio, de seu escritório, a partir de 1966. Desse período, resultaram alguns projetos através dos quais tive a rara oportunidade de realizar um aprendizado especial – como nos concursos nacionais para o Edifício Sede do Departamento Federal de Segurança Pública, em Brasília (1967); Biblioteca Central da Bahia (1968), em Salvador; e o Edifício Sede da Petrobrás (1968), no Rio de Janeiro, entre outros. Em São Paulo, realizou projetos solo e em parceria com Joaquim Guedes e Gilberto Belleza.
Teve, no exercício da docência, participação destacada em sala de aula. Miguel ajudou a formar centenas de arquitetos. Foi professor na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, na Universidade de Brasília e na FAU/USP. Trabalhou também na pós-graduação e em pesquisa acadêmica.
Foi, no entanto, na área da política profissional que, penso, Miguel Pereira teve sua atuação mais visível, permanente e extraordinária. Desde recém-formado, engajou-se nas fileiras do IAB, tendo sido vice-presidente e presidente do IAB-RS; presidente nacional do IAB por três gestões; e conselheiro vitalício do IAB Nacional a partir de 1977. Ajudou a criar a ABEA, foi um dos criadores e coordenador da Comissão de Ensino de Arquitetura e Urbanismo do MEC, foi um dos incentivadores da criação dos sindicatos de arquitetos. Foi vice-presidente da UIA (União Internacional de Arquitetos). Foi um principais líderes nas longas e difíceis lutas travadas durante anos pela materialização do CAU, finalmente constituído no final de 2010.
Penso que esta atuação multifacetada – rara, como afirmei acima –, à semelhança da que tiveram arquitetos da estirpe de Vilanova Artigas, de Demétrio Ribeiro, de Edgar Graeff – inflexíveis, perseverantes e corajosos na defesa da arquitetura e da cultura nacional – teve reflexos concretos na promoção e no desenvolvimento da Arquitetura e de seu ensino no Brasil nos últimos sessenta anos.
Por tudo isto – principalmente por esta atuação múltipla – é que creio que a memória de Miguel Pereira deve ser reverenciada e homenageada. Precisamos, com urgência, de mais arquitetos com este perfil polivalente. Os avanços e aprimoramentos da profissão e de seu ensino dependem de gente como Miguel.”

José Carlos Córdova Coutinho, professor emérito e membro do Conselho Editorial da Editora UnB:
“Miguel Pereira foi um arquiteto multifacetado, daquela linhagem de ativistas profissionais de que foi um exemplo Vilanova Artigas, um líder a quem tanto admirava e cujos passos seguiu.
Como estudante da Faculdade de Arquitetura da Universidade do Rio Grande do Sul, nos anos 50, liderou a árdua batalha pela reforma do currículo e atualização do ensino de Arquitetura. Ainda em Porto Alegre, inicia uma carreira de arquiteto que nunca interromperia, pontuada por projetos importantes como o da Refinaria Alberto Pasqualini (com equipe) e concursos de projetos, dos quais participou (com João Carlos Paiva da Silva e Ivan Mizoguchi), no Rio Grande do Sul, São Paulo e Bahia.
No Instituto de Arquitetos do Brasil/RS, começa a travar outro combate, desta vez pela legislação profissional e a autonomia da Arquitetura em relação ao sistema Confea/CREA, em que devemos destacar a companhia dos arquitetos Carlos Fayet e Irineu Breitan.
Em 1968, convida alguns colegas de faculdade e do IAB, seus antigos companheiros de luta, entre os quais eu próprio, para se mudar para Brasília, e enfrentar na UnB um novo desafio, em defesa dos ideais fundadores desta universidade e do resgate de sua moderna proposta de ensino de artes e Arquitetura, em meio a um ambiente político opressivo e ameaçador. Participaram dessa notável empreitada vários colegas recrutados em São Paulo, Rio, Bahia e Ceará, além daqueles convocados no Rio Grande do Sul.
Seguiram-se anos difíceis, mas compensadores, pois as circunstâncias ofereciam oportunidade para o exercício da imaginação criativa e da solidariedade coletiva. Miguel liderou na UnB, como diretor do Instituto Central de Artes (ICA), da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) e do Centro de Planejamento (CEPLAN), um projeto cultural que deu direção e sentido ao exaustivo trabalho de uma entusiasta legião de professores e estudantes por ele coordenada e consciente de sua responsabilidade e de seu compromisso.
Foram anos magníficos, em que se criaram também, por sua iniciativa, a Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura (ABEA) e a Comissão de Ensino de Arquitetura e Urbanismo junto ao MEC, e que significaram considerável avanço para o ensino da Arquitetura.
Miguel deixou Brasília por volta de 1975. Continuou sua vida, sua carreira e sua luta pelo ensino e pela profissão em São Paulo. Conheceu dificuldades e vitórias, como a criação do CAU, que nesta oportunidade justamente o homenageia.
Miguel deixou Alegrete, deixou Porto Alegre, deixou Brasília, São Paulo…
Miguel deixou a vida!
Aqui permanecemos fiéis a seus ideais e a seu exemplo, lembrando-o sempre.”
2 respostas
Um inesquecível mentor!
Miguel Pereira,como diretor do ICA e Fau, foi o grande iniciador da reforma pedagógica destas faculdades , na UnB.
Como ex-aluno , hoje como Arquiteto e Urbanistas,presto as minhas homenagens a este grande baluarte do ensino moderno da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo , na UnB ,referência nacional, de ensino.
Permaneço ,pois, fiel aos aprendizados , transmitido por toda aquela maravilhosa equipe de professores no período de 1966 a 1972. Miguel Pereira nos deixou, mas implantou seus ensinamentos e exemplos e ideais.