Entrevista

Exposição “Riscos”, de Daniel Jacaré, celebra a conexão entre arquitetura e cidade

Foto: Thiago Sousa

Hoje (20/12) é o último dia para visitar a exposição Riscos, do arquiteto e urbanista e artista Daniel Jacaré, no Mezanino da Torre de TV, em Brasília. Com mais de 20 obras, a mostra explora a relação entre o urbano e o humano, destacando a fusão entre arte, arquitetura e paisagem urbana. Seus trabalhos combinam croquis dinâmicos com representações que traduzem a pulsação da cidade, utilizando traços livres que valorizam o protagonismo das pessoas nos espaços urbanos. Em celebração ao Dia do Arquiteto, a exposição recebeu conselheiros do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR) e presidentes das unidades federativas (CAU/UFs).

Com técnicas como aquarela, acrílico, giz pastel, carvão, serigrafia e arte digital, Jacaré une o rigor dos croquis arquitetônicos a pinceladas expressivas e espontâneas. A exposição também oferece um espaço interativo, onde visitantes podem desenhar Brasília, numa homenagem à experiência do artista como professor de desenho.

Formado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (FAU-UnB) e mestre em croquis de Oscar Niemeyer, Daniel Jacaré convida o público a enxergar a cidade como um organismo vivo, repleto de histórias e conexões humanas.

Confira, a seguir, trechos da entrevista exclusiva ao Perspectiva CAU.

 

Perspectiva CAU: Como a arquitetura influenciou seu trabalho artístico?

Daniel Jacaré: A arquitetura foi essencial para o meu fazer artístico. O desenho me levou à arquitetura e a arquitetura serviu como um trampolim para o meu desenvolvimento artístico, me fez retornar ao desenho. Além do aparato técnico, do desenvolvimento técnico, do desenho perspectivado, a linha do horizonte e, principalmente, o desenho de observação, o treinamento técnico, me fez olhar para a cidade e para o espaço habitado com mais cuidado, com mais zelo, dando um enfoque no espaço habitado pelas pessoas.

Além do aspecto técnico, como o desenho de observação e a perspectiva, a arquitetura me ensinou a observar o espaço habitado com mais atenção, valorizando a escala humana. Essa percepção me permite pensar a cidade não apenas como estrutura, mas como um espaço vivido pelas pessoas.

 

Perspectiva CAU: Por que Brasília é uma inspiração constante em suas obras?

Daniel Jacaré: Brasília é uma cidade ícone, monumental, plástica e pictórica. Sou nascido aqui, estudei na FAU-UnB e tenho uma forte identificação com a cidade e sua arquitetura, especialmente por ser projetada por Lúcio Costa e ter abrigado muitos projetos de renomados arquitetos, como Oscar Niemeyer. Brasília é bonita, tanto como forma de viver quanto como forma de viver nela, de usufruir ela, como forma de contemplá-la. Brasília é muito forte na minha vida, primeiro pela identificação que eu tenho, moro aqui desde sempre, sou nascido aqui, segundo pela arquitetura e a similaridade da arquitetura com a cidade em si, ela respira arquitetura.

 

Perspectiva CAU: Qual a principal lição que os croquis de Oscar Niemeyer trouxeram para sua arte?

Daniel Jacaré: A principal lição é o poder do desenho como ferramenta de linguagem. Oscar Niemayer simplificava traços para transmitir informações valiosas, valorizando a estrutura e a poética arquitetônica, com uma linguagem própria através de suas linhas. No meu mestrado, para o qual estudei bastante os desenhos de Niemayer, abordei o quanto que ele, de fato, utiliza esses recursos do desenho como linguagem. Ele suprime alguns elementos, alguns pilares, algumas formas da estrutura, mas que a gente consegue ver claramente o que ele quis dizer com uma forma estrutural ou com a forma plástica ou até mesmo uma implantação da forma com desenhos completamente sintéticos, como é preciso no traço. Niemeyer destacava a estrutura e a poética arquitetônica com precisão. Ele sabia como manipular o traço para romantizar elementos, como o pé-direito elevado ou os vãos livres, criando desenhos sintéticos que comunicavam muito mais do que detalhes técnicos. Tinha uma habilidade de transformar o traço em linguagem arquitetônica.

 

Perspectiva CAU: Como você descreve a relação entre seus traços e a vida urbana?

Daniel Jacaré: Uma simbiose contínua. Meus traços são uma extensão da dinâmica urbana — sobrepostos, em movimento, refletindo a complexidade das cidades. Faço um traço, corrijo e vou representando camadas por camadas. Todo o processo de construção de um desenho que no final eu tenho uma forma. O processo faz parte da composição final. É uma cidade em movimento. É uma representação sempre em constante movimento. Cada linha é parte de um processo, como as camadas de uma cidade: calçadas, postes, fios, veículos e pessoas. Meu desenho está em constante transformação, assim como o espaço urbano. A cidade existe e é feita de camadas, como carros, pessoas, infraestrutura. Meu desenho representa essas camadas e o movimento constante da cidade. Ele captura o presente, sempre em movimento, assim como a cidade viva e sempre contínua.

 

Perspectiva CAU: O que o desenho em murais representa em sua trajetória artística?

Daniel Jacaré: Os murais ampliaram a escala do meu trabalho e me permitiram explorar a relação entre desenho e espaço urbano. Além do impacto comercial, como uma forma de reconhecimento, os murais proporcionam uma experiência de imersão ao público, permitindo que as pessoas se sintam inseridas no desenho.

Comecei em 2017, quase como um hobby, mas logo se tornaram uma forma de levar meu trabalho para espaços públicos e privados. Meu trabalho ganhou visibilidade, tanto comercialmente quanto em termos de alcance artístico. Fiz um mural em casa, o primeiro no estilo desenho de observação arquitetônico. Isso repercutiu. Pessoas ficaram sabendo e começaram a encomendar, o que virou um hobby. Comecei a ganhar dinheiro com isso, inclusive algo que eu não esperava. Após três anos, fazendo muitos murais, percebi que o que eu faço é diferente, como um impulsionador para o meu reconhecimento enquanto artista, porque ele que, simbolicamente, me levou para a casa das pessoas.

Além disso, os murais criam uma experiência imersiva para o público, porque é uma representação numa escala ampliada do desenho. Algo que era no caderno, numa folha de papel ou até num quadro, um pouco menor, no mural a gente se sente inserido. Como eu falei na pergunta sobre o Oscar Niemayer, o poder que o desenho tem de informar e eu gosto de trabalhar com essa sensação de imersão pela dimensão que o mural artístico tem, a gente se sente dentro da composição, a gente se sente dentro da parede mesmo. Ele dialoga com o contexto, seja em uma área comercial, residencial, particular ou área externa, como eu tenho trabalhos aí pela cidade. O mural é uma forma de levar o desenho ao espaço público e dialogar diretamente com a cidade e seus habitantes.

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