Filha do médico psiquiatra Francisco Franco da Rocha e de Leopoldina Lorena Ferreira Franco da Rocha há pouca informação sobre a vida pessoal da arquiteta formada pela Escola de Belas Artes de São Paulo, Francisca Franco da Rocha.
Sua família era influente e com recursos. Em 1898, seus pais se mudaram para o município de Juquery, atualmente, Franco da Rocha, região metropolitana de São Paulo, onde o médico inaugurou e administrou por anos o Hospital Psiquiátrico de Juquery, considerado o maior complexo de hospitais psiquiátricos da América Latina.
A partir da história de seu pai, que era muito conhecido, sabe-se um pouco mais sobre a arquiteta que teve cinco irmãos, todos nascidos em Juquery, cidade que em 1940, teria seu nome mudado para Franco da Rocha em homenagem ao pai da arquiteta tamanha importância do médico no cenário regional e nacional.
Francisca ingressou no curso de Arquitetura da Escola de Belas Artes de São Paulo no final dos anos de 1920 concluindo os estudos como a única mulher da sua turma, em 1933.
Em 1938, ela se tornou editora da revista A Casa, a primeira mulher editora de uma revista de Arquitetura no Brasil, função que ocupou até 1940. Ali publicou projetos, textos críticos, análises históricas e relatos de congressos.
Em abril de 1940, ainda ocupando seu cargo na revista A Casa, Francisca publicou seu primeiro artigo na revista Acrópole, onde colaborou até 1952 sendo mais uma vez pioneira, a mulher mais publicada pela revista.
Ela colaborou no total com 26 números da revista A Casa e 390 de Acrópole. A produção consistente ao longo de 14 anos, entre 1938 e 1952, somam além de seu papel como redatora, textos assinados como relatos críticos, textos teóricos, discussões projetuais e apresentação de discussões internacionais em torno de temas de Arquitetura, demonstrando a complexidade da sua contribuição para o debate arquitetônico do seu tempo.
Francisca demonstrava desenvoltura para discutir e apresentar as mais diversas pautas referentes a Arquitetura e Urbanismo em que apresentava estudos de casos ao redor do mundo analisando como os projetos arquitetônicos. Era clara sua relação próxima com os Estados Unidos, país cuja Arquitetura era tema de diversos de seus artigos, porém, também confirmava que ela aproveitava de sua situação privilegiada para explorar e conhecer a Arquitetura de diversas partes do mundo.
Giovanna Merli
Arquiteta e Urbanista (UFU), mestra em Arquitetura e Produção do Espaço Urbano pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Giovanna Merli, desenvolveu pesquisas sobre políticas de inclusão e de gênero que incluem a arquiteta Francisca Franco da Rocha, entre outras.
Atualmente desenvolve a pesquisa de doutorado pela Universidad del Bío-Bío (Chile). É professora convidada na Facultad de Arquitectura Diseño y Construcción da Universidad del Bío-Bío (FARCODI-UBB).
Entrevista com a pesquisadora
- Explique a sua pesquisa resumidamente (metodologia, variável e unidade de análise, recorte temporal).
A pesquisa é focada no período de 1930 a 1960, entendendo que esse momento de desenvolvimento e consolidação da arquitetura moderna brasileira foi, e ainda é, um período intensamente registrado, analisado e estudado. Entretanto, são poucos ou quase inexistentes os registros, e menos ainda análises críticas das obras e trajetórias profissionais de arquitetas atuantes no momento.
Definiu-se então a hipótese de que existiram arquitetas, formadas no Brasil, que contribuíram para o desenvolvimento e a consolidação da arquitetura moderna do país atuando nesse lapso temporal. A partir disso, foi feito um levantamento das arquitetas formadas no Brasil entre os anos de 1930 e 1960, e esse universo analisado a partir da variável “contribuições ao desenvolvimento e a consolidação da arquitetura moderna brasileira” que consistia em analisar as produções das arquitetas nas áreas de projeto (urbano e/ou arquitetônico), teoria e crítica, difusão e ensino.
Ao final foram encontrados 27 profissionais que tiveram considerável contribuição para a arquitetura moderna brasileira. A pesquisa se aprofunda nos aportes de sete profissionais, entre elas Francisca Franco da Rocha e Maria Laura Osser.
- O que te motivou a pesquisar sobre o tema?
A motivação da pesquisa foi bem pessoal. Em uma aula de projeto enquanto eu era professora substituta da FAUeD-UFU estava listando arquitetos no quadro para que os alunos buscassem referências, e tanto eu quanto as outras duas professoras, tivemos muita dificuldade em apresentar nomes de arquitetas brasileiras, além da Lina Bo Bardi.
Isso em uma sala em que dos 35 alunos, 26 eram mulheres, o que reflete a realidade de profissão, já que segundo o CAU a maioria dos profissionais da arquitetura são mulheres. Esse episódio me marcou até por mostrar um paradoxo: somos maioria na prática, mas isso não se reflete nas referências que nos são passadas.
Quando terminei minha pesquisa de mestrado que já era sob perspectiva feminista em urbanismo, me vi instigada por entender se realmente não existiam referências de arquitetas brasileiras ou se isso era resultado de um processo machista de esquecimento e apagamento.
- Qual a relevância da(s) arquiteta(s) pesquisada(s) para a historiografia da Arquitetura e do Urbanismo?
Francisca Franco da Rocha e Maria Laura Osser desempenharam importantes papéis na difusão da arquitetura moderna. A primeira no sentido de divulgar produções internacionais no Brasil e a segunda difundindo a produção brasileira mundo a fora.
Francisca Franco da Rocha foi a primeira egressa do curso de arquitetura da Escola de Belas Artes de São Paulo, em 1933 e, provavelmente, a primeira mulher editora de uma revista especializada em arquitetura quando em 1938 assume o cargo na revista A Casa. Além de desempenhar a função editorial, até 1940, Francisca publica textos próprios, incluindo projetos de sua autoria. No ano de 1940, a arquiteta passa a publicar também na revista Acrópole, sendo a profissional com maior número de artigos publicados na revista ao longo da década de 1940. Para além do pioneirismo o que marca a produção de Francisca é a facilidade em que transita pelos vários temas contidos na disciplina da arquitetura publicando projetos autorais, relatos de congressos internacionais, uma série especial em que se dedica a arquitetura de escolas onde analisa criticamente projetos de vários arquitetos europeus, análises urbanísticas e entrevistas com profissionais estrangeiros, trazendo ao Brasil o que havia de mais atual nas discussões de arquitetura moderna fora do país.
Por sua vez, Maria Laura Osser, formada pela Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, em 1940, além de sua carreira como arquiteta de prancheta colaborando com arquitetos como Henrique Mindlin, Francisco Beker e Lucjan Korngol, deixa sua grande contribuição como difusora da arquitetura moderna brasileira no exterior. Em 1942 é indicada pelo IAB como correspondente brasileira na revista francesa L’Architecture d’aujourd’hui, sendo a primeira correspondente do país e a única mulher a fazer parte do corpo editorial da revista. Ao longo do período em que exerceu a função, de 1942 à 1964, o Brasil foi o segundo país mais publicado pela revista, ficando atrás apenas da França, país sede da publicação. Foram 47 artigos publicados sobre projetos de 35 arquitetos brasileiros e dois números especiais dedicados exclusivamente a produção do país. Os projetos refletem a diversidade de escala, programa e linguagem da produção da arquitetura moderna brasileira resultando em um importantíssimo instrumento de divulgação e discussão da produção moderna do país.
- Comente os dificuldades e/ou especificidades enfrentadas pela(s) arquiteta(s) pesquisada(s) no exercício profissional relacionadas ao fato de ser(em) mulher(es)?
Essa é uma questão difícil de responder. Ambas arquitetas exerceram na primeira metade do século XX, o que tornou bem difícil encontrar informações sobre suas vidas pessoais, e até agora não foram encontrados relatos ou entrevistas delas que demonstrem o que podem ter enfrentado em suas carreiras. Francisca Franco da Rocha tinha o privilégio da família abastada e conhecida algo que com certeza abriu porta.
Maria Laura Osser parece ter sido “apadrinhada” pelos arquitetos estrangeiros que atuavam intensamente no contexto da arquitetura moderna brasileira. Entretanto, é possível imaginar que ser mulher arquiteta e entrando de maneira pioneira em espaços majoritariamente masculinos não deve ter sido fácil. E imagino que o próprio fato de ser tão difícil saber sobre elas e encontrar informações sobre elas, demonstra e evidencia as dificuldades pelo qual passaram, pois mesmo com trabalhos tão importantes foram deixadas às margens dos registros históricos.
- Indique link(s) ou arquivo(s) para demais informações sobre a sua pesquisa, ou artigos publicados relacionados ao tema (podendo incluir referências bibliográficas de outras autorias).
Méndez, Patricia y Merli, Giovanna. Maria Laura Osser: una flâneuse para la arquitectura moderna del Brasil. Anales del IAA, 51(1) pp. 1-6.