A revisão da Lei de Licitações foi incluída pelo governo federal na agenda legislativa “prioritária” após o congelamento da tramitação da reforma da Previdência em decorrência da intervenção federal no Rio de Janeiro, circunstância que impede a discussão de emendas constitucionais.
A agenda, anunciada dia 19 de fevereiro, é composta de 15 itens. A proposta do novo marco legal de licitações e contratos encontra-se atualmente na Câmara dos Deputados (PL 6814), após aprovação pelo Senado em dezembro do ano passado. A revisão, que substituirá a Lei 8.666/1993, está em discussão no Congresso desde 2013. Na Câmara, antes de ser levada a plenário, a matéria deverá passar pela análise de comissão especial ainda a ser constituída.
“Esse é um momento crucial não apenas para o planejamento e a qualidade das obras públicas como também para a ética na relação dos agentes do Estado com as empreiteiras”, afirma Luciano Guimarães, presidente do CAU/BR. Ele lembra que todas as entidades de Arquitetura e Urbanismo e diversas da área de Engenharia têm se posicionado contrária à aprovação do projeto na forma como saiu do Senado, contendo a permissão para que obras públicas acima de R$ 20 milhões sejam contratadas com base apenas em anteprojeto. Trata-se da chamada “contratação integrada” que deixa por conta do empreiteiro vencedor da concorrência da obra fazer também os projetos completo e executivo.
A “contratação integrada” foi introduzida no país pelo Regime Diferenciado de Contratações Públicas-RDC (Lei 12.462/2011). Inicialmente deveria ser usada apenas para as obras do “legado” das Copas das Confederações e do Mundo e para os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos, mas aos poucos estendida para empreendimentos do PAC, do SUS, do DNIT e de presídios, entre outras.
“Temos enfatizado que em obra pública quem projeta não constrói e quem constrói não projeta”, afirma Luciano Guimarães.. Os projetos devem ser elaborados previamente à licitação das obras e por autores independentes das empreiteiras. O contrário é entregar o galinheiro para a raposa cuidar. Se a administração pública abre mão da elaboração do projeto completo antes de colocar a obra em concorrência, ela não terá condições de analisar as corriqueiras demandas das empreiteiras para aditivos de orçamento ou prazos pois não foi quem estabeleceu os parâmetros desses itens. Da mesma forma, os órgãos de controle terão seu trabalho prejudicado quando não inviabilizado. “As recentes revelações da Operação Lava Jato demonstram a promiscuidade do sistema”, afirma o arquiteto e urbanista.
Em razão disso, diz o presidente do CAU/BR, “vamos lutar para que a modalidade da “contratação integrada” seja retirada do projeto, buscando inclusive apoio de outras entidades fora do setor da construção civil mas igualmente preocupadas com a decência das ações governamentais”.
A defesa assertiva do projeto completo tem sido objeto de ações do CAU/BR desde sua fundação. Em outubro de 2017, no Rio de Janeiro, o tema foi objeto de discussão na II Conferência Nacional de Arquitetura e Urbanismo, que incluiu entre suas recomendações a continuidade tais ações.
Na ocasião, foi distribuído o documento “Em Defesa da Ética, do Planejamento e da Qualidade nas Obras Públicas”, assinado pelas entidades que compõem o Colegiado das Entidades dos Arquitetos e Urbanistas do CAU/BR, constituído – além do Conselho – pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), pela Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA), pela AsBEA (Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura), pela ABEA (Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo), pela ABAP (Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas) e pela FeNEA (Federação Nacional dos Estudantes de Arquitetura e Urbanismo).
O documento defende uma lei específica para licitações de projetos e obras públicas que trate os projetos de edificações, desenvolvimento urbano e paisagismo como serviços técnicos de natureza intelectual e criação, diferentemente da licitação de bens materiais. Ou seja, os projetos devem ser tratados como “serviços a serem idealizados”, não “produtos de prateleira”. O CEAU defende ainda a reconstrução da estrutura de planejamento do Estado brasileiro.
Nivaldo Andrade, presidente do IAB/DN e coordenador do CEAU, afirma que a qualidade das obras públicas e o combate à corrupção passa pela exigência do projeto completo antes das licitações dos empreendimentos. “Projetos com todos os detalhes e especificações que determinem com precisão como estas obras deverão ser executadas”, esclarece. “É importante também exigir que a empreiteira que executará a obra em caso algum poderá interferir no desenvolvimento do projeto”
“Projeto é produção intelectual. Além disso, permitir que quem constrói possa desenvolver o projeto e definir materiais e soluções construtivas é um contrassenso, que favorece a perda da qualidade das obras públicas, fragiliza a fiscalização técnica e financeira da execução das obras e potencializa os caminhos da corrupção”, concluiu Nivaldo Andrade.
O SINAENCO (Sindicato da Arquitetura e Engenharia Consultiva) é, entre outras, uma das entidades que defende o projeto completo.
No avanço na revisão da lei de licitações os arquitetos e urbanistas já conquistaram dois avanços significativos. Um deles foi uma emenda incorporando ao texto a modalidade dos concursos públicos de arquitetura. Outro foi a eliminação da possibilidade de uso do pregão como instrumento de contratação de serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual, como são os projetos arquitetônicos e de engenharia.