“Para que a nossa arquitetura tenha o seu cunho original, como tem as nossas máquinas, o arquiteto moderno deve não somente deixar de copiar os velhos estilos como também deixar de pensar no estilo”. O trecho é do artigo ‘Acerca da Arquitetura Moderna, considerado o primeiro manifesto do gênero no Brasil. O texto publicado no Correio da Manhã em 1925 leva a assinatura do arquiteto Gregori Warchavchik, pioneiro no movimento no país, cujo marco inicial foi a Casa Modernista da rua Santa Cruz em São Paulo, de 1928. A memória do ucraniano naturalizado brasileiro para a arquitetura moderna vem sendo lembrada nas redes sociais em meio aos conteúdos informativos derivados da guerra deflagrada pela Rússia contra a Ucrânia.
O jornalista Raul Juste Lores (@rauljustelores), autor do livro “São Paulo nas Alturas”, publicou em seu perfil no Instagram imagens de algumas das principais obras de Warchavchik entre os anos 30 e 50, como os salões de festas dos clubes Pinheiros e Paulistano, o Ginásio da Hebraica e a casa da rua Bahia. Também destacou o projeto do arquiteto para a Congregação Israelita Paulista em 1954, icônico ainda que não tenha se concretizado – em seu lugar, venceu a proposta de Henrique Mindlin.
Na mesma esteira de memórias, o arquiteto Washington Fajardo (@washfajardo) resgatou o projeto da Vila Operária da Gamboa, no Rio de Janeiro, a primeira estrutura edificada em curva no Brasil, obra de Gregori Warchavchik em co-autoria com Lucio Costa.
PIONEIRISMO
Gregori Warchavchik nasceu em 02 de abril de 1896 em Odessa, cidade costeira situada às margens do Mar Negro, no sul da Ucrânia. Realizou seus estudos na Universidade de Odessa e no Instituto Superior de Belas-Artes de Roma, na Itália, país para onde migrou após a Revolução Russa. Recém formado, participou da construção do Teatro Savóia, em Florença, e em 1923 mudou-se para o Brasil, contratado pela Companhia Construtora de Santos. Dois anos depois, publicaria o artigo ‘Futurismo?’ no jornal italiano de São Paulo Il Piccollo, mais tarde traduzido para a língua portuguesa e republicado no Correio da Manhã com o título “Acerca da Arquitetura Moderna”.
Em sintonia com o movimento modernista brasileiro já em curso, o texto refletia sobre como uma nova arquitetura poderia alinhar os valores construtivos e estéticos da fase industrial. “Cada época histórica tem a sua lógica de beleza. Observando as máquinas do nosso tempo, automóveis, vapores, locomotivas, etc; nelas encontramos, a par da racionalidade da construção, também uma beleza de formas e linhas. A coisa é muito diferente quando observamos as máquinas para habitação e edifícios. Uma casa é, no final das contas, uma máquina, cujo aperfeiçoamento técnico permite por exemplo, uma distribuição racional de luz, calor, água fria e quente, etc”, conceituou. Em tempos de expedição humana à lua, destacava o arquiteto, era preciso atualizar tanto os materiais quanto o tempo das construções. “Construir uma casa a mais cômoda e barata possível, eis o que deve preocupar o arquiteto construtor da nossa época de pequeno capitalismo, onde a questão de economia predomina sobre todas as mais. A beleza da fachada tem que resultar da funcionalidade do plano da disposição interior, como a forma da máquina é determinada pelo mecanismo que é a sua alma”, provocava.
A atualização dos conceitos encontrava resistência no padrão construtivo da época. O estilo neocolonial regrava tanto a estética quanto a exigência legal. Era preciso realizar um exemplar da nova proposta, e foi o que Warchavchik fez. Em 1927, após se casar com Mina Klabin e se naturalizar brasileiro, conseguiu abrir o próprio escritório, onde projetou a Casa Modernista da Rua Santa Cruz. A residência inaugurada no ano seguinte trazia o desenho despojado e de linhas retas que se tornaria a primeira obra de arquitetura moderna implantada no Brasil, uma demonstração prática do pensamento modernista na arquitetura. Além de viabilizar financeiramente a construção, Mina Klabin completou a obra com o projeto paisagístico, conferindo a devida ornamentação.
Em 1930, Warchavchik protagoniza outro marco da arquitetura moderna: a casa da rua Itápolis, no bairro do Pacaembu, também em São Paulo, inaugurada com a “exposição de uma casa modernista”. A mostra durou 21 dias e apresentou à elite paulistana e à classe artística traçados inovadores tanto no desenho da residência quanto no mobiliário. A decoração contava com peças de design e obras de artistas brasileiros, como Tarsila do Amaral. Por lá, teriam circulado expoentes do movimento modernista como o escritor Mário de Andrade e o pintor Lasar Segall. Pesquisadores da FAU/USP descobriram um registro, produzido pela Rossi Filmes, que captou momentos da inauguração da Casa, chamado “Architectura modernista em S. Paulo”. Assista o vídeo (com um raro registro de Mário de Andrade) abaixo:
Outro visitante ilustre da casa ainda em construção, segundo registro da Enciclopédia Brasileira de Arquitetas e Arquitetos Digital (ABAD), foi Le Corbusier, que convidou Warchavchik para representar a América do Sul nos Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna (os CIAM’s). O protagonismo inovador também rendeu ao ucraniano-brasileiro convite de Lucio Costa para lecionar na Escola Nacional de Belas Artes (ENBA), no Rio de Janeiro em 1931, o que fez de Warchavchik professor de importantes expoentes da arquitetura moderna como Affonso Reidy e os irmãos Roberto e Jorge Moreira. Lucio e Gregori montaram um escritório que durou pouco tempo, mas o suficiente para nele trabalhar, como estagiário de desenho, Oscar Niemeyer. Também no Rio, realizou obras significativas, como a Casa Nordschild e a reforma de uma cobertura no Edifício Olinda, ambas inauguradas com exposições semelhantes à da casa de Itápolis, em São Paulo).
No documentário Warchavchik – Uma História, de Joatan Vilela Berbel, a historiadora da arte, museóloga e arquiteta brasileira Marta Rossetti Batista, que foi professora do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo, classificou a exposição como a segunda manifestação coletiva do modernismo depois da Semana de Arte Moderna de 1922.
De volta a São Paulo, alcançou o segundo lugar no concurso para o Paço Municipal e conquistou reconhecimento com o Edifício Barão de Limeira, premiado na categoria prédios de apartamentos no concurso promovido pelo então prefeito Prestes Maia.
Gregori Warchavchik faleceu em 27 de julho de 1972, aos 76 anos, deixando sua memória concretizada em dezenas de obras entre o Rio de Janeiro e São Paulo. Algumas delas, como a Casa Modernista da Rua Santa Cruz, na Vila Mariana, e a Casa de Itápolis, no Pacaembu, são abertas à visitação.
Saiba mais:
Leia o Manifesto Acerca da Arquitetura Moderna
Enciclopédia Biográfica de Arquitetas e Arquitetos Brasileiros Digital (EBAD)