Para Richard Sennett a habitação só adquire forma consistente com programas completos de vida cidadã, e como tal a cidade deve integrar as diversidades culturais em suas vizinhanças. Neste mesmo caminho Saskia Sassen complementa ao dizer que falar de cidades hoje significa falar de direitos. As cidades na atualidade avançaram sobre as áreas de proteção e sustentação ambiental, a exemplo das águas, gerando enormes periferias desconectadas fisicamente do núcleo que as integra e, portanto dos direitos sociais. Elas precisam, assim, ser repensadas como um sistema complexo e incompleto, elas precisam ser reconectadas em suas condições socioculturais e ambientais. Para Sassen as cidades precisam abandonar o paradigma da “função utilitária” vendida no pacote da globalização, que as tem levado a perder sua identidade – elas têm de se redefinir com dignidade, como lugares, e para tanto devem partir do tripé: sociedade, economia e meio ambiente como base do desenvolvimento.
A questão que temos de enfrentar nos próximos anos é se a Nova Agenda Urbana é acessível aos países emergentes e pobres, e em caso de optarmos por tentar nos colocar de forma realmente produtiva, esta força tarefa exigirá de nós uma parceria dos diversos atores: políticos, econômicos e sociais para a produção da habitação social com baixo custo e elevado nível de tecnologia e produção.
O Brasil neste cenário terá de se repensar, pois a produção da moradia pelo programa Minha Casa Minha Vida – MCMV no geral tem sido feita de forma padronizada não respeitando a diversidade territorial, em que pese os números apresentados em um painel por Maria Henriqueta Martins Arantes, Secretária Nacional de Habitação do Ministério das Cidades, na Habitat III, ocorrido em Quito no Equador, em outubro de 2016, demonstrando que entre 2009 à 2016: foram entregues 3,07 milhões de moradias; estando ainda contratadas até 2018 1,35 milhões; tendo sido atendidas 15 milhões de famílias que em pesquisa realizada demonstram um nível de satisfação com média acima de 8, em que os dados apontam notas de: 8,62 para a casa; 8,2 para o entorno; 7,81 inovação e 8,62 para infraestrutura do entorno.
Porém a pópria Secretária admite que para ter como meta a cidade sustentável é preciso ampliar a informação dando transparência à todas as ações, com efetiva participação social, adotando políticas estáveis: de qualificação e perenidade; que dialoguem com as demais políticas públicas de infraestrutura; e ampliação dos investimentos.
Neste mesmo painel, Simão Jateme, governador do Pará, afirmou que a habitação produzida no Brasil, até o momento, aprofunda a desigualdade sendo ambientalmente insustentável, e economicamente cara e ineficiente.
O Superintendente Nacional de Habitação Rural da CAIXA, André Marinho, apresentou na Habitat III um gráfico que indica que o total do crédito imobiliário no Brasil, composto por todas as fontes de recursos, e levando em consideração a contratação por todos os agentes financeiros, representava, em junho de 2016, aproximadamente 9,8% do PIB do país. No Canadá, por exemplo, o total do crédito imobiliário em 2013 representava 64,6% do respectivo PIB.
A experiência brasileira, com o MCMV demonstrou que nos locais onde estados e municípios assumiram o programa como política habitacional o desenvolvimento foi significativamente maior que onde esta iniciativa ficou por conta do empreendedor. Nesta direção, André Marinho afirmou que a instituição tem buscado fazer a sua parte na lição ao instituir um selo de qualidade para o setor habitacional, o “Selo Azul”, onde quanto maior a qualidade do empreendimento, maior será a redução dos juros do financiamento.
Segundo uma agência de financiamento alemã não se pode falar em programas habitacionais que se restrinja a moradia, pois os pobres precisam de investimentos em todas as direções; assim é preciso que se tenha uma política pública urbana, sem a qual nada evoluirá. A casa deve ser projetada como módulo mínimo, ampliando o número de moradias em um mesmo edifício, investindo pesado no espaço público de convívio cidadão. A morada exige centralidade e se opõe a periferização, entretanto se a centralidade física não é possível, ela tem de ser promovida no desenho urbano, com a construção de infraestrutura completa de serviços, o que reduz consideravelmente a criminalidade e os conflitos ambientais.
Para um dos representantes da ONU no evento, Claudio Accioli, o MCMV é um dos melhores programas do mundo, entretanto deve adequar-se à “Nova Agenda Urbana” construindo cidades que funcionam. A cidade inserida neste paradigma tem de dar emprego, tem de adotar outro modelo de transporte público e excelência nos equipamentos urbanos, como prioridade, com base em tecnologia de ponta, com uso de energias limpas e de proteção ao clima, baixo custo e altíssima qualidade.
Diante deste quadro fica claro que a questão central da habitação não pode ser vista pela redução do déficit habitacional, mas pela redução da desigualdade, dado ser a casa o lócus da produção da vida. A Nova Agenda Urbana tem de dar respostas à cidade que queremos e com que casa queremos. Além disto, a questão da habitação no Brasil passa pela revisão profunda das políticas específicas de cada Estado e Municípios da federação.
Os programas de habitação das cidades têm obrigatoriamente de estarem ligados ao sistema de transporte, o módulo da morada tem de baixar o custo e ampliar a eficiência, a moradia tem de promover um conjunto de soluções de planejamento integradas de cidade. A habitação acessível passa pela adoção de políticas governamentais distintas, de proteção ao pobre, investindo em infraestrutura, produzindo cidades resilientes e sustentáveis ao assegurar que o acesso a habitação deve invariavelmente vir acompanhado dos serviços básicos de mobilidade, saneamento e econômicos.
Veja também:
Governança Metropolitana: O papel do arquiteto e urbanista na Nova Agenda Urbana
Espaço Público: o papel do arquiteto e urbanista na implementação da Nova Agenda Urbana
Publicado em 09/11/2016