Nikson Dias de Oliveira, arquiteto e urbanista, é presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Roraima (CAU/RR)
Olhando além da demanda: prevalência e estatística, uma análise das estimativas e seus desdobramentos.
A prevalência de autismo é um tema complexo e controverso, com estimativas variando de acordo com a metodologia e os critérios de diagnóstico utilizados em diferentes estudos. No entanto, há algumas estimativas disponíveis que podem ajudar a compreender a dimensão do autismo no mundo e no Brasil.
Segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC), a prevalência de autismo nos Estados Unidos é de aproximadamente 1 em cada 36 crianças, e a cada 5 crianças, uma é do sexo feminino, observa se uma prevalencia do TEA em meninos (CDC, 2023) conforme Figura 1 e Figura 2 . No Brasil, há poucos estudos que investigam a prevalência de autismo na população. Um estudo realizado em 2007 estimou uma prevalência de 0,3% de autismo na cidade de São Paulo (Bordin et al., 2007). Outro estudo, realizado em 2012, estimou uma prevalência de 0,7% de autismo em uma amostra de crianças de uma cidade do estado de São Paulo (Coutinho et al., 2013).
12ª Conferência Internacional da Rede Lusófona de Morfologia Urbana 11, 12 e 13 de Setembro de 2024 – Belém – PA, Brasil
Figura 1. Prevalência de autismo (fonte:CDC, 2023).
Figura 2.Infográfico Estatística (fonte:CDC, 2023 -adaptado pelo Autor ).
É importante ressaltar que as estimativas de prevalência de autismo podem variar de acordo com os critérios de diagnóstico utilizados, a idade das pessoas investigadas, a amostra selecionada e a metodologia de coleta de dados.
A cidade, a cidadania e a criança
A cidade é o palco em que esse artigo se recorta, no livro A Criança e o Arquiteto, de Andréa Zemp S. do Nascimento, a autora explora a interseção entre a arquitetura e a experiência infantil no ambiente construído, abordando como os espaços podem influenciar e serem influenciados pelas percepções, interações e desenvolvimento das crianças. Nascimento (2014) argumenta pela necessidade de considerar as crianças não apenas como usuárias passivas, mas como participantes ativas no processo de planejamento urbano. O livro destaca a importância de criar ambientes que sejam seguros, acessíveis e estimulantes para o desenvolvimento infantil, enfatizando que os espaços devem promover a aprendizagem através do jogo, da exploração e da interação social. A autora utiliza exemplos práticos e teóricos para demonstrar como espaços bem projetados podem contribuir para o bem-estar físico, cognitivo e emocional das crianças, ao mesmo tempo em que ressalta a necessidade de envolver os jovens usuários no processo de criação desses espaços. Nascimento propõe uma reflexão sobre o papel dos arquitetos, urbanistas e demais profissionais envolvidos na criação de espaços urbanos, incentivando uma abordagem mais humanizada e centrada no usuário.
Winnicott (1971) descreve o “espaço potencial” como um território intermediário entre a realidade interna e o mundo externo, um local privilegiado para o desdobramento da criatividade, do jogo e da exploração simbólica. Esta noção é particularmente relevante quando consideramos o encontro da criança com a cidade, um ambiente externo repleto de estímulos, interações e experiências. A cidade, vista através da lente do espaço potencial, pode ser entendida como um vasto palco para a experiência cultural e lúdica da criança, onde o espaço urbano atua tanto como um reflexo da realidade objetiva quanto um canal para a imaginação e as subjetividades infantis. A interação da criança com a cidade envolve a navegação e a interpretação desses espaços, permitindo que o jogo e a exploração aconteçam em um continuum entre o “eu” e o “outro”, entre o interno e o externo (Winnicott, 1971).
No livro “A cidade e a criança”, de Mayumi Watanabe de Souza Lima (1989), é abordada a relação entre as cidades e as crianças, destacando a importância da cidade como espaço de vivência e aprendizado para as crianças, destaca-se que, apesar de as cidades terem sido historicamente concebidas para adultos, é fundamental considerar as necessidades e os interesses das crianças na construção e na gestão das cidades. Assim, um espaço onde a cidadania é exercida e onde os cidadãos têm o poder de participar ativamente na vida pública. Os cidadãos podem exercer seus direitos e deveres como membros da sociedade. Além disso, a cidade é o espaço onde os cidadãos podem exercer sua responsabilidade social.
A cidade também é o espaço onde os cidadãos podem promover a igualdade e o respeito aos Direitos Humanos. Isso significa trabalhar para garantir que todas as pessoas tenham acesso aos mesmos direitos e oportunidades, independentemente de sua raça, gênero, orientação sexual ou condição social. Os cidadãos podem promover a igualdade através da criação de espaços públicos inclusivos, com praças e parques capazes de acolher, educar e socializar uma criança autista. A cidade é o espaço onde os cidadãos podem promover a sustentabilidade e a preservação do meio ambiente. Isso significa trabalhar para garantir que a cidade seja um lugar limpo e saudável para se viver, preservando os recursos naturais e reduzindo os impactos negativos das atividades humanas sobre o meio ambiente. A cidadania da criança autista é um conceito fundamental que se refere aos direitos e deveres que cada criança com autismo têm como membro da sociedade. A cidadania da criança autista também envolve o direito à privacidade e à proteção contra a discriminação e o estigma.
Para Azevedo (2019), a criança é posta como principal ator nos quesitos que se trata o planejamento urbano, levantando a relação entre arquitetura, cidade e infância, enfatizando a importância do planejamento urbano e da arquitetura inclusiva para a promoção do desenvolvimento integral das crianças para a promoção da cidade e da cidadania. Na mesma obra ainda se destaca a importância da participação das crianças no processo de planejamento dos espaços urbanos, destacando a sua capacidade de oferecer perspectivas únicas para o desenvolvimento de cidades mais adequadas às suas necessidades.
Considerações finais
Este artigo destaca a importância de garantir o Direito à Cidade para crianças autistas, fundamentado na perspectiva de Henri Lefebvre sobre a necessidade de um planejamento urbano participativo e inclusivo. A morfologia urbana deve ser projetada para atender às necessidades de todos os cidadãos, incluindo aqueles no espectro autista, garantindo espaços acessíveis e inclusivos que promovam o desenvolvimento e a participação plena dessas crianças na sociedade. É essencial reconhecer que crianças autistas possuem necessidades específicas devido à sua condição neurobiológica, que afeta sua percepção, interação e processamento de informações. Essas necessidades incluem educação inclusiva, terapias de suporte, proteção contra abusos, adaptações para acessibilidade e oportunidades igualitárias de engajamento social, cultural e político.
A criação de um ambiente urbano que considere as particularidades das crianças autistas não só promove seu bem-estar e desenvolvimento, mas também reflete um compromisso com a justiça social e a igualdade de oportunidades. Iniciativas de planejamento urbano que envolvam a participação ativa dos cidadãos, incluindo crianças autistas, são fundamentais para construir cidades mais humanas, justas e sustentáveis. Portanto, ao promover a conscientização e a compreensão sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA) e ao implementar políticas e práticas urbanas inclusivas, podemos avançar na construção de uma sociedade que valoriza a diversidade e assegura a todos os seus membros, independentemente de suas diferenças, o direito de desfrutar plenamente do ambiente urbano. É um passo essencial para garantir que todas as crianças, incluindo aquelas com autismo, tenham a oportunidade de viver, aprender e se desenvolver em um espaço urbano que respeite e atenda às suas necessidades específicas.
Referências
Azevedo, Giselle Arteiro Nielsen. Diálogos entre arquitetura cidade e infância: Territórios Educativos em ação. Rio de Janeiro: PROARQ/FAU/UFRJ, 2019.
Bordin, IAS, PAULA, CS, & PADOVANI, RC (2007). Autismo e retardo mental: um estudo comparando diagnósticos baseados nos critérios DSM-IV-TR e CID-10. Cadernos de Saúde Pública, 23(11), 2719-2733.
Coutinho, MT, Scazufca, M., Menezes, PR, Lotufo, PA, & Bressan, RA (2013). Transtornos do espectro do autismo em crianças de 5 anos da coorte de nascimentos de Pelotas de 2004. Revista Brasileira de Psiquiatria, 35(1), 18-25.
Lefebvre, Henri. O Direito à Cidade. Editora Centauro, 2001 [1968].
Lima, Mayumi Watanabe de Souza. A cidade e a criança. São Paulo: Nobel, 1989.
Nascimento, Andréa Zemp Santana do. A criança e o arquiteto: quem aprende com quem? / Andréa Zemp Santana do Nascimento. – São Paulo: Annablume, Fapesp, 2014.
Winnicott, D. W. (1971). Playing and Reality. London: Tavistock Publications.