
A mesa “Atuação profissional em Patrimônio e a assistência técnica”, último debate do II Seminário de Patrimônio do CAU Brasil, realizado no dia 14 de junho, em São Luís/MA, foi um palco para apresentação de práticas de preservação do patrimônio cultural brasileiro. Foi um espaço para divulgação de iniciativas inovadoras de gestão, fiscalização e assistência técnica, promovidas por diferentes instituições, para promover regularização fundiária e intervenções no ambiente construído em bens culturais. A conselheira Cristina Barreiros (RO) foi a mediadora da mesa que contou com a participação dos arquitetos Danilo Matoso e palestra do presidente do CIALP, Rui Leão; da juíza agrária Luiza Madeiro, do diretor do Depam/IPhan, Andrey Schlee; e do técnico do departamento cearense do IPHAN, Marcio Coelho de Carvalho, que também é conselheiro suplente do CAU Brasil.

Na abertura, Cristina Barreiros relembrou algumas ações desenvolvidas pela atual gestão do CAU Brasil para aprofundar debates relacionados ao Patrimônio, como a proteção de acervos e demandas específicas da atuação profissional nesta área. Segundo a conselheira, o CAU vem procurando fortalecer estes debates por meio de ações interinstitucionais, aproveitando a sua capilaridade no país. Também procura reforçar a valorização desta atividade nas escolas de arquitetura e urbanismo. O patrimônio e a assistência técnica, afirmou, são temas caros para o CAU. “Esta área é fundamental para mostrar a função social e acabar com esta visão de que o arquiteto é um profissional elitista. Podemos oferecer assistência técnica em demandas de diferentes níveis”, disse Cristina Barreiros.

A primeira palestra da mesa foi ministrada pelo presidente do Conselho Internacional dos Arquitetos de Língua Portuguesa (CIALP). A organização congrega ordens e conselhos profissionais de nove países lusófonos, abrangendo em torno de 230 mil profissionais, o que corresponde a cerca de 18% dos arquitetos em todo o mundo, de acordo com o presidente do CIALP. Leão destacou a oportunidade que a Assistência Técnica representa para os arquitetos brasileiros e a importância de cobrar a aplicação da Lei 11.888/2008 (Lei da ATHIS), que garante assistência técnica de arquitetos ou engenheiros, pagos pelo Estado, para reformar ou construir residências para famílias de baixa renda. “É um potencial enorme. A assistência técnica permite que os arquitetos brasileiros sejam precursores em oferecer acesso à cidadania para pessoas que não tem condições mínimas de habitação. É muito bom que o CAU esteja concentrado na aplicação desta lei”, disse. Uma das ações do CIALP é o programa de voluntariado internacional que visa dar acesso ao programa de assistência técnica em Arquitetura e Urbanismo, regularização fundiária e projetos para áreas urbanas de interesse social. Um dos objetivos do programa é possibilitar a troca de experiência entre países lusófonos de diferentes continentes.
A juíza agrária Luiza Madeiro atua sobre assuntos fundiários no estado do Maranhão e falou sobre os desafios de regularização, especialmente na ilha de Upaon-Açu. O território abrange os municípios de São José do Ribamar, Paço do Lumiar e Raposa, além da capital, São Luís, e padece de lacunas legais que levaram à ocupação desordenada. Em sua palestra durante o II Seminário de Patrimônio do CAU, ela falou sobre o trabalho que vem realizando no local junto com a Corregedoria Geral de Justiça e outros atores para a regularização de moradias. A juíza destacou a importância da regularização fundiária para a segurança jurídica das intervenções relacionadas ao patrimônio. “Moradia digna é a que tem registro de propriedade, e essa não é realidade em São Luís. Buscamos definição legal para regularizar territórios desses quatro municípios, o que vai trazer segurança jurídica, mais valia imobiliária e dignidade às famílias”, afirmou. “Assim os arquitetos poderão exercer seu trabalho social para o desenvolvimento das cidades”, completou a juíza.

O Departamento de Patrimônio Material e Fiscalização (Depam) do IPHAN apresentou a experiência de canteiro modelo que permite a aplicação de ATHIS em bens patrimoniais. O diretor do departamento, arquiteto e urbanista Andrey Schlee, detalhou a iniciativa que consiste na instalação de bases do IPHAN junto a comunidades localizadas no entorno de grandes obras de restauro. O sistema construtivo desmontável é uma instalação provisória modular que abriga as atividades cotidianas dos serviços de restauração e também ações interativas com a comunidade durante todo o período de execução das obras. A iniciativa surgiu como estratégia de reposicionar as ações de conservação de bens tombados e aproximar o IPHAN da sociedade, oferecendo outros serviços demandados pelas comunidades e democratizando os investimentos públicos. “Estes canteiros podem ajudar a diminuir a ‘mão pesada’, por um IPHAN que dialoga e constrói com a comunidade”, afirmou Andrey. O projeto conta com a colaboração de universidades, outros órgãos governamentais e instituições da sociedade civil. O primeiro canteiro foi instalado em 2019 em Igatu, na Bahia. A experiência foi interrompida em função da pandemia e vem sendo retomada junto com outras quinze atualmente em funcionamento no país. Outras quinze estão sendo prospectadas para o próximo ano.

Marcio Coelho de Carvalho apresentou estudo de caso do trabalho realizado pela Superintendência Estadual do IPHAN no Ceará. Diante dos desafios que se impõem pela diversidade de situações apresentadas no ambiente cultural de natureza material, o arquiteto e urbanista emprestou um olhar crítico sobre a atividade essencialmente fiscalizatória do Instituto. A partir do relato de casos cotidianos de fiscalização em unidades residenciais tombadas, Márcio falou sobre os conflitos entre os parâmetros legais da preservação e as necessidades de uso dos espaços pelos moradores. Também falou dos desafios da atuação fiscalizatória. O arquiteto defendeu uma perspectiva mais educativa para as ações de preservação e uma “reforma patrimonial”, no mesmo sentido do conceito da reforma urbana, de maneira que tanto ambiente quanto paisagem reflitam as necessidades da população que habita os espaços históricos das cidades. “É preciso pensar as cidades para os cidadãos que ali vivem. Pensar o patrimônio sem espetacularização, com uso para as necessidades da comunidade”, defendeu.

Ao comentar as exposições, Danilo Matoso defendeu a necessidade de sensibilizar os arquitetos e urbanistas para a atuação na área de patrimônio e falou sobre a importância do engajamento para o fortalecimento da arquitetura e urbanismo . “A gente só dá sentido social à profissão na medida em que se agrega socialmente. Os arquitetos precisam se unir e em suas instituições construir junto a organizações sociais a nossa capacidade de fazer sentido para a sociedade”, afirmou. Na opinião do arquiteto e urbanista, a organização profissional também é fundamental para o reconhecimento profissional.

CÂMARA TEMÁTICA DE PATRIMÔNIO

O II Seminário de Patrimônio encerrou com um informe do coordenador da Comissão de Políticas Urbanas e Ambientais (CPUA), Ricardo Mascarello, sobre a criação da Câmara Temática de Patrimônio do CAU Brasil. A ideia de formar um coletivo capaz de congregar instituições e organizações ligadas à temática do patrimônio material e imaterial é uma das propostas das Recomendações de Ouro Preto, documento que sintetizou encaminhamentos do I Seminário de Patrimônio do CAU, realizado em julho do ano passado. “Queremos criar um espaço que permita o debate permanente sobre as questões relacionadas ao patrimônio. É também uma maneira de colocar o conselho para a sociedade, com participação qualificada de especialistas e membros da sociedade”, afirmou.
A Comissão vai apresentar a deliberação que propõe a estruturação da Câmara Temática durante a 137 Plenária Ordinária, que acontece no dia 15 de junho, também em São Luís/MA.
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