Acompanhar pela internet o desenvolvimento e implementação dos trabalhos feitos em seu escritório no Brasil foi a solução encontrada pelo arquiteto Fabio Manente para garantir a execução de projetos seus levados por clientes para o exterior. Com obras na China e na Alemanha, depois de vender os projetos, o arquiteto acompanha a fiel execução dos trabalhos por meio de consultoria realizada por videoconferência. “Dou assessoria para que a concepção do projeto seja respeitada. Trabalhamos muito por imagens e por videoconferência. Nos acabamentos faço sugestão dentro do que conheço do mercado”, explica.
Segundo ele, mais do que a possibilidade de exportar o seu trabalho de arquitetura, esse tipo de experiência enriquece sua experiência como arquiteto no Brasil. “Acho que o rico desse trabalho é perceber o nosso conteúdo humano nas culturas diversas e nos identificarmos como espécie humana e ver que não somos tão distintos assim”, destaca.
Graduado em arquitetura e urbanismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie em 1988, Manente tem mestrado em geografia humana, especialização em psicologia junguiana e especialização em arteterapia e expressões criativas. É professor da Universidade Paulista e atualmente faz doutorado na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Atua principalmente com os temas urbanização, planejamento urbano regional, saúde na cidade, mobilidade e sociedade.
Confira a entrevista abaixo:
Você pode contar um pouco sobre sua experiência internacional como arquiteto? Você fez alguns trabalhos na China e na Alemanha, como chegou até esses países?
Iniciei a minha relação de trabalho profissional com a China fazendo importação de produtos de iluminação para vender aqui no Brasil. Isso foi em 2008.
Você tem uma empresa de iluminação, né?
Eu não tenho mais, fechei recente. Mas tive nesse tempo essa empresa de iluminação e logo depois que comecei trabalhar com iluminação importando da China a tecnologia LED, que não tinha aqui. Nesse início tive a oportunidade de ser um dos primeiros a trazer ao Brasil a tecnologia de LED para iluminação. Mas minha importação foi de um nível pequeno, minhas compras vinham de avião, o que tornava o produto muito caro. Eram produtos de alta qualidade porque era o que eu queria. Para obter os produtos de melhor qualidade e consequente de maior preço, ainda mais trazidos de avião, o preço ficava bem alto. Vendia para lojas de joias de todo o Brasil, que naquele momento tinham demanda para uma iluminação de qualidade que não afetasse o produto. Com as lâmpadas convencionais há risco de danificar as pedras que trincam com o calor. Trouxe também a iluminação led para os meus clientes residenciais e corporativos.
Logo depois os importadores maiores foram para a China e trouxeram grandes cargas. Acabei não conseguindo permanecer no mercado porque meu lote era pequeno. Fui extremamente bem recebido dentro dessa aproximação. Aí uma cliente do Brasil, mas que é chinesa e reside aqui, para quem fiz outros trabalhos, teve interesse de investir no setor imobiliário chines. Comprar um imóvel, finalizar ou reformar o imóvel, e vender esse imóvel. Na cidade de Beijing, onde fiz esses trabalhos, as construtoras entregam a construção pronta por fora, mas por dentro a casa não tem nenhum acabamento e nem algumas paredes. Vem as lajes como se fosse uma laje corporativa, onde você tem a liberdade de fazer as paredes e delimitar os ambientes conforme imagina. Tem liberdade de mexer com as áreas molhadas, as áreas íntimas e sociais conforme quiser. E essa cliente, que é chinesa, mas mora no Brasil, teve interesse de fazer esse trabalho de finalização e vender a casa pronta para aquele consumidor que precisa de uma casa rápida e montada. Existe um mercado internacional grande que circula pela China e às vezes a pessoa precisa de tudo pronto num momento muito rápido. Então o trabalho era fazer um projeto que fosse de um brasileiro, porque com um arquiteto brasileiro o projeto será diferente de um projeto de um arquiteto chinês e quem sabe a casa poderá ter característica mais atrativa de mercado. Nossos colegas chineses que tive oportunidade de conhecer são altamente qualificados. Não é uma questão de melhores profissionais, mas sim de estéticas diferentes. A nossa estética daqui do Brasil é diferente da estética da China.
E, em termos legais, é fácil conseguir licença para trabalhar lá?
Na verdade, trabalho aqui do Brasil. Minha cliente me contratou no Brasil para eu fazer um trabalho aqui no escritório. A cliente paga pelo meu trabalho de projeto interno, de especificação e acabamento. Aí o projeto é executado lá. O projeto, que ela comprou, é dela. Uma engenheira da China executa o trabalho e utiliza o meu projeto, que eu fiz. É uma coautoria, vamos dizer assim. Então acaba tendo uma característica mais de consultoria. Faço o trabalho no Brasil, para ela que me paga com a nossa moeda nacional.
Então, a arte é sua e a execução é da engenheira chinesa?
Vamos dizer que é um trabalho conjunto, para que não fira a parte legal tanto nossa quanto deles. A arte, a concepção, acaba sendo nossa, e a técnica construtiva deles. Mas dou assessoria para que a concepção do projeto seja respeitada. Trabalhamos muito por imagens e por videoconferência. Nos acabamentos faço sugestão dentro do que conheço do mercado chinês. A engenheira encontra os produtos e manda as especificações, decido aqui e retorno para ela.
Quantos projetos você já fez na China?
Três projetos no mesmo sistema. Depois de concluídas as casas são vendidas com a nossa estética. Às vezes até com algumas peças de decoração que vão daqui para lá.
E vocês se comunicam em inglês durante a execução do projeto?
Sim a nossa comunicação é em inglês, não falo a língua deles.
E na Alemanha? Como seus projetos chegaram lá?
Meu irmão foi construir uma casa na Alemanha, e na cidade onde foi construir as construtoras apresentam projetos mais ou menos padronizado. Ao conhecer os modelos de projetos meu irmão achou sem graça. Então perguntou para a construtora se seria possível levar um projeto de um brasileiro, que seria eu. Eu faria a arte aqui e ele levaria para a construtora fazer.
A Alemanha tem uma questão de sustentabilidade muito mais avançada que a nossa. Tive de fazer o projeto conhecendo a legislação local, que foi enviada pelo meu irmão. Um exemplo é na instalação das placas fotovoltaicas que, pela inclinação do Sol de lá, é diferente da nossa. Isso tudo influencia na estética, mas meu irmão me contratou para adaptar a estética brasileira às especificações técnicas deles. Ele levou nossa planta para ser construída e adaptada pela engenharia de lá. A construtora gostou do projeto, inclusive a parte técnica que é muito importante para a construção alemã. Foi uma experiência muito rica. E a parte de acabamentos também fui fazendo aqui do Brasil, passando as demandas e meu irmão localizava com a construtora os fornecedores. Às vezes enviavam o mostruário e eu conseguia fazer a especificação e a paginação daqui.
Fui bem aceito na Alemanha. Na China fui também muito bem recebido. Acho que mesmo sendo culturas diferentes não tivemos problemas de execução dos desenhos que fiz aqui porque o desenho tem uma língua universal. Não precisei aprender uma representação gráfica chinesa, utilizei a minha, mesmo com um pouco de um mais de lógica, e aquilo era entendido com facilidade pelos construtores e pela engenheira de lá. Então nos dois países foi um trabalho em conjunto.
Quando você fez os projetos da Alemanha e da China?
Para a casa na Alemanha fiz o projeto no ano de 2016 e a obra ficou pronta em 2017. Na China, a primeira casa foi em 2015, a segunda 2018 e a terceira foi feita na pandemia. Começou em 2020, depois parou, e quando pôde voltar a fazer construção civil deu sequência. Fizemos um trabalho 100% remoto. Os primeiros trabalhos tive a oportunidade de participar de feiras na China, em Hong Kong. Através das feiras conheci melhor o mercado, as características técnicas dos acabamentos usados lá. As feiras me trouxeram uma possibilidade grande de atualização para meus trabalhos aqui também.
A consultoria é uma saída para os arquitetos que querem exportar o seu trabalho?
Realmente é uma possibilidade de a gente exportar nossas ideias, nosso conhecimento. E há nesse tipo de trabalho uma troca de culturas que é muito rica. É rica para nós e para eles também.
Quais as vantagens você vê em trabalhar dessa forma?
O que a gente observa é que hoje as formas de trabalho são muito parecidas e isso talvez seja uma surpresa. As culturas são absolutamente diversas, mas as relações, nós com outra pessoa e dentro de um local construído, são muito parecidas. Então acho que o rico desse trabalho é perceber o nosso conteúdo humano nas culturas diversas e nos identificarmos como espécie humana e ver que não somos tão distintos assim. Talvez essa tenha sido a maior experiência. Perceber que como espécie, não somos distintos, mas temos as nossas particularidades. A experiência maior para mim foi entender essas semelhanças e as particularidades que nós temos, onde pessoas têm demandas de necessidades diferentes, mas todas são válidas e possíveis. As estéticas são todas válidas também.
Essas experiências enriqueceram o seu trabalho no Brasil?
Sim. Ao perceber as demandas de outros países como, por exemplo, as questões climáticas diferentes a gente começa a pensar em aproveitar melhor nossos recursos. No Brasil é muito mais possível aproveitar em um projeto as ventilações naturais do que em países de clima frio. No entanto, às vezes a gente esquece e só usa o ar-condicionado, vai gastando energia, vai piorando o sistema respiratório. A gente precisa pensar mais em trazer o verde próximo. Nos países de invernos rigorosos o verde é distante uma grande parte do ano. Aqui o verde é presente o ano todo. A gente valoriza o verde, mas nem tanto quanto essas culturas onde um pequeno vaso, uma pequena flor que nasce, é visto como um milagre. A gente não valoriza tanto o elemento natural. Para mim a experiência desses trabalhos internacionais foi bem importante para valorizar mais o nosso trabalho de arquiteto, nosso paisagismo e a emoção que o espaço carrega.
Você tem uma formação diferente, além da arquitetura, tem mestrado em geografia humana, especialização em psicologia junguiana, arteterapia e expressões criativas. Você acha que isso influencia o seu trabalho? A forma de você se relacionar com o cliente?
Claro. Meu mestrado foi em geografia humana, que me deu uma visão diferente da cidade. A geografia tem uma leitura mais crítica e mais profunda do espaço. A psicologia junguiana e as expressões criativas e arte me deram um pouco de conhecimento da pessoa. Entender o que a pessoa precisa. O que está por trás de uma fala de todos nós. Não sou psicólogo. Teria que ter feito a faculdade de psicologia para tal, mas é um trabalho que admiro muito. O curso me proporcionou entender um pouco mais das relações entre as pessoas e isso me deu base para trabalhar muito melhor. De forma mais rica, tanto aqui quanto nessas experiências fora. Acho que por isso que foram bem-sucedidas. Atualmente faço doutorado na faculdade de saúde pública. Na saúde pública é onde penso o quanto o espaço, a arquitetura e a cidade interferem em nossa saúde. A relação espaço e saúde. Me dedico a entender um pouco mais o quanto a arquitetura e o urbanismo podem ser mais saudáveis. Quanto podem colaborar com a nossa saúde física e emocional, o espaço provoca emoções em todos nós.
Que conselho você dá para os arquitetos brasileiros que estão querendo vender a suas ideias no mercado Internacional?
O primeiro cuidado é com a parte legal. Cuidado para que não fira nem nosso Conselho aqui, nem o Conselho do país que pretendem entrar. A forma que encontrei como a mais adequada naquele momento, foi a consultoria. Segundo estar atento aos profissionais locais, porque os profissionais locais não são nossos concorrentes, são colegas com quem vamos dividir ideias, informações. Então é preciso estar aberto à arquitetura que acontece naquele local, à estética que existe ali. Mas não esquecer de ser brasileiro. O que nos diferencia dos nossos colegas de outros países é que a gente seja brasileiro. Talvez esse seja o maior conselho.
A gente, às vezes, é tão internacional que vai pasteurizando a arquitetura. Mas o que as pessoas buscam é a particularidade das culturas. Então, nós brasileiros, temos nossas características, nosso trabalho tem de apresentar uma estética nossa. Mais descontraído, mais colorido. Pode ser até um pouco mais alegre, mas de bom gosto. Somos reconhecidos como uma cultura que tem, além da alegria, bom gosto na forma de pensar e de expressar o espaço. É o que temos para nos diferenciar em relação aos nossos colegas de outros países e de poder levar contribuições para eles.