Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas e com pós-graduação em geoprocessamento e planejamento ambiental na Universidade Federal de Uberlândia, o arquiteto Ronaldo Guimarães conta que a exportação de seus serviços começou por uma empresa multinacional com sede na Califórnia, mas com projetos na China. Para ele, a internacionalização da carreira deve ser encarada como um projeto de vida, ainda que a experiência no exterior seja apenas temporária.
Ainda segundo ele, os desafios, principalmente no início, são muitos, mas compensam a experiência. Guimarães destaca que a diferença cultural do mercado profissional foi o maior obstáculo. “Aqui nos EUA o quebra-cabeças tem mais peças para você montar e se ajustar, em decorrência de situações adversas. Por exemplo, na Califórnia eu tenho de me ater à questão dos terremotos. Já na Flórida, eu não tenho terremoto, mas tenho furacão, que é outro tipo de ocorrência natural que tem uma determinação na edificação”.
“Esses tipos de características fazem com que a construção tenha um procedimento diferente, como fazer a montagem das peças para que o imóvel tenha todos os requisitos exigidos. Então um grande desafio é se adaptar à essa cultura. É um mercado exigente que requer que você esteja altamente atualizado periodicamente. Eu diria que essa é uma questão cultural de absorver essa atmosfera que tem aqui mesmo”, comenta.
Ele ainda acrescenta que a experiência presencial em um mercado estrangeiro é enriquecedora e crucial para quem quer expandir a visão sobre os diferentes papéis da arquitetura na sociedade. “Você tem de viver presencialmente. Virtualmente, você obtém a informação, mas para você adquirir a experiência e aquilo fazer parte da sua vivência e estar incorporado à sua pele, você tem de estar presente no local”.
Confira a íntegra da entrevista abaixo.
Quais os desafios que você enfrentou indo trabalhar em outro país, especificamente nos Estados Unidos?
Obviamente tem muitos desafios pessoais e familiares, mas o maior desafio profissional eu diria que é a questão cultural: como se ambientar culturalmente dentro desse mercado nos Estados Unidos (EUA), que é altamente corporativo. No Brasil, por exemplo, vemos muita atuação de profissionais independentes, mas aqui (nos EUA) a grande maioria dos profissionais atua através de empresas, de escritórios. São muito poucos os que realmente atuam de forma independente, individual. Você se adaptar a essa cultura corporativa demanda certo tempo.
Além disso, no Brasil adotamos o sistema métrico e aqui nos Estados Unidos usamos o sistema imperial, em polegadas, pés, etc. Mas isso não levou tanto tempo. A questão maior seriam os procedimentos construtivos mesmo.
Eu atuei durante 20 anos no Brasil e lá as construções são um quebra-cabeça com menos peças. Aqui nos Estados Unidos o quebra-cabeças tem mais peças para você montar e se ajustar, em decorrência de situações adversas. Por exemplo, na Califórnia eu tenho de me ater à questão dos terremotos. Já na Flórida, eu não tenho terremoto, mas tenho furacão. Outro tipo de ocorrência natural que tem uma determinação na edificação e esses tipos de característica faz com que a construção tenha um procedimento diferente, como fazer a montagem das peças para que o imóvel tenha todos os requisitos exigidos.
Então um grande desafio é se adaptar à essa cultura. É um mercado exigente que requer que você esteja altamente atualizado periodicamente. Eu diria que essa é uma questão cultural de absorver essa atmosfera que tem aqui mesmo. Não é impossível de ser superado, mas exige muita disciplina, muita dedicação, muita determinação mesmo. Eu diria que é o maior desafio.
Quais as vantagens da internacionalização da carreira?
A profissão de arquiteto, mais do que outras, exige uma visão holística do mundo, não só na questão de aprimoramento pessoal, mas profissional também. É preciso você entender como a arquitetura, que é uma manifestação artística do ser humano, se comporta e se representa em vários setores da cultura e da sociedade, independente da questão técnica, das questões climáticas, a arquitetura exige que você tenha essa visão mais abrangente.
Você está lidando com a questão concreta técnica que é a construção em si, mas você está lidando também com algo que extrapola um pouco essa questão concreta e técnica meramente: é a questão cultural, a questão da aspiração do ser humano. Se você observar, toda cidade que se destaca no mundo hoje, cidades de grande ou pequeno porte, qualquer detalhe que sobressaia na arquitetura desse ambiente é reconhecido no mundo todo e causa uma influência nas pessoas que vivem lá, causando uma certa aspiração nessas pessoas.
O arquiteto tem, nessa exposição internacional, uma visão mais abrangente do mundo e, assim sendo, ele consegue colocar toda essa perspectiva de mundo nos seus projetos, seja um projeto residencial ou um projeto de abrangência coletiva e social. É muito importante que tenha isso de entender como a arte – e a arquitetura é um dos fundamentos mais importantes da manifestação artística – se expressa no mundo. É onde você pode se aproveitar desses conhecimentos e aplicar na melhoria da sociedade onde você presta seus serviços.
E quanto a remuneração? Você nota alguma diferença em relação ao mercado brasileiro?
Já faz 23 anos que não estou tão atento à remuneração do mercado brasileiro, mas o que a gente sempre sente, eu quando converso com profissionais (do Brasil), é que a remuneração está sempre aquém daquilo que o profissional tem para oferecer. Eu sentia isso no Brasil quando trabalhava lá até o fim de 1999 e acredito que isso permaneça.
O mercado americano, em contrapartida, nunca deixou a desejar e ainda hoje não deixa. Não vou dizer que é geral porque o mercado aqui é muito exigente e vale muito aqui a sua experiência e não apenas o diploma que você tem, mas eu vim para cá com 20 anos de experiência, eu diria que o arquiteto nos EUA é muito bem remunerado.
Como você superou os desafios de entender novas e diferentes tecnicalidades, como as unidades de medida e os materiais a serem usados?
Qualquer informação que eu tinha de obter na época era através das bibliotecas públicas americanas, que são muito boas, com vasto manancial de material técnico e literário. Não tinha as facilidades que temos hoje.
Na época que cheguei, não tive tanto contato com arquitetos que imigraram para cá, acho que não eram tantos. O desafio foi grande em descobrir onde encontrar informações.
Hoje, por exemplo, eu faço parte de um grupo no WhatsApp de arquitetos aqui na Flórida e nós trocamos muita informação. Ontem mesmo estavam conversando sobre certas exigências que tem aqui na Flórida em relação à aprovação de certos produtos que têm de ter a certificação para o impacto dos ventos por causa dos furacões. A gente troca uma série de informações instantâneas. Na minha época não era assim.
Outra coisa é que as próprias empresas de arquitetura têm departamentos que te ajudam e fornecem materiais que você precisa, mas há 20 anos as coisas aconteciam bem mais devagar do que hoje, que é instantâneo não só o acesso ao conhecimento, mas como a sua resposta a qualquer demanda do projeto.
Como você aconselharia um profissional que quer internacionalizar os seus serviços?
A primeira coisa que eu diria, que é independente de ser arquiteto ou outro profissional, é ter domínio da língua de onde você vai trabalhar. Se você não tem isso, você não consegue se inserir na sociedade, na cultura.
Indo mais especificamente, se você é um arquiteto, quanto mais informação você tiver de como é a arquitetura onde você está, isso abre mais caminhos e mais possibilidades. Você está menos exposto a surpresas. Se eu chegasse aos EUA e não soubesse que a maioria das construções, especialmente na costa Oeste, são feitas de madeira? Por que madeira? E que na Flórida a maioria é feita de blocos de concreto e porquê. Ou por que certos elementos estéticos da arquitetura se comportam assim ou assado em determinados lugares. É importante ter conhecimento de como isso funciona.
Outra coisa é que é um plano de vida. Independente do plano pessoal de qualquer um, eu aconselho pensar na experiência como um projeto de vida. Quem está disposto a fazer alguma imigração, você se envolve na cultura de um país novo que você vive, você absorve coisas que te abre outra dimensão de vida e às vezes até o propósito muda.
Não nego que a maioria vem buscando uma vida financeira mais confortável, todo mundo quer isso. Mas para mim o principal fator foi proporcionar à minha família um ambiente de crescimento maior, ambiente cultural e de conhecimento maior.
O conselho que eu daria, mas apenas estou passando minha experiência de vida, é que a pessoa faça isso consciente dos desafios – e eles são muitos e maiores do que qualquer outra coisa -, mas também que as recompensas superam.
Você ganha uma visão de mundo diversificada que vai fazer diferença na sua vida, mesmo que você não queira. Isso te dá oportunidades na vida. O que o mercado internacional e especificamente o americano oferece são oportunidades. Se você estiver aberto, ele te abre oportunidades. Então, esteja preparado para isso, se prepare pessoalmente e venha curtir os benefícios de uma imigração.
Você pode falar um pouco mais sobre como as oportunidades no mercado de arquitetura americana funcionam e aparecem? Como se destacar em meio a outros candidatos?
Tentando resumir rapidamente, vamos dizer que você está preparado legalmente para se inserir no mercado americano, ou seja, apto a trabalhar no mercado americano… Existem hoje inúmeros sites que oferecem vagas para arquitetos, um deles é o Linkedin que eu acho que é uma mídia profissional muito boa. Tenha um bom currículo, de forma a atender o mercado americano, bem preparado.
Os americanos são objetivos: currículo de no máximo duas páginas e a terceira uma cover letter. Nesse espaço você tem de se apresentar, se não já começa a perder ponto. Para quem é novo, obviamente, a experiência é mais difícil de ser constatada. Independente disso, prepare um currículo de forma que ele ofereça um diferencial para o mercado americano.
Uma vez feito isso, é só fazer as aplicações, que são simples e ofertadas nos sites de vagas profissionais. Em seguida, caso se interessem pelo candidato, as empresas vão fazer uma entrevista por telefone provavelmente para sentir um primeiro contato. O próximo passo seria uma entrevista presencial e assim por diante.
Uma dica é: sempre que você for aplicar para uma vaga, entre no site da empresa, estude a empresa, entenda o que ela oferece. Você está aplicando para um trabalho naquela empresa e não um emprego. É diferente a cultura. Você está se colocando a trabalhar para aquela empresa, o mínimo que você pode fazer é conhecer um pouco dela. Eles percebem, por exemplo, quando a pessoa pelo menos entrou no website e sabe qual é a cultura da empresa, qual a missão.
Então, se sintonize no mercado que você está e tente oferecer um diferencial além de apenas o que o currículo mostra. Recomendo que esse diferencial seja destacado na entrevista ou na cover letter, que é a carta de apresentação. É a chance de aumentar o interesse da empresa por você como profissional.
Um último ponto é que se você é arquiteto aqui nos EUA, você pode participar do AIA (American Institute of Architects). Vai pagar uma membership (adesão) mas te coloca em contato com o mercado e aos poucos vai abrindo oportunidades.