
O arquiteto Marcos Vinícius Teixeira da Silva, 26 anos, morador da Ceilândia Norte, região considerada periferia do Distrito Federal, viu a oportunidade de transformar a sua casa um sonho possível e se tornar um sucesso nas redes sociais. Formado na Unieuro de Águas Claras (DF), em 2019, Marcos acumula mais de 1 milhão de seguidores.
O jovem sempre desejou estudar arquitetura, mas tinha medo de sofrer preconceito. “No ensino médio presenciei piadinhas, mas deixei esse medo de lado e resolvi encarar os meus sonhos. Só consegui fazer faculdade de arquitetura, pois comecei devendo várias parcelas e logo consegui 100% do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior, o Fies. Eu sabia que ainda conseguiria o PROUNI. Consegui 50% do PROUNI meses depois. Claramente só consegui me formar pela força de vontade que eu mesmo tive em permanecer e encarar as futuras parcelas, sendo que minha família jamais pagaria faculdade para mim”, conta o jovem arquiteto.
Marcos começou cursos de iluminação e paisagismo. “Nenhum eu terminei. Sempre tive que trabalhar”. Ele revela que desde o 4º semestre da faculdade revezava os estudos com trabalhos. “Já passei por lojas de iluminação, de pisos e revestimentos, trabalhei em empresa audiovisual, com arquitetos e escritórios e, também, no CasaCor”.
O sucesso nas redes sociais surgiu com os vídeos que começou a publicar sobre a reforma da sua casa. Ele é responsável pelo projeto e reforma da casa que foi da sua avó materna. Uma residência do início da década de 60/70 e da construção da cidade de Ceilândia. “Minha avó veio de Minas Gerais para ganhar a vida na nova capital e comprou a casa pela Sociedade de Habitações de Interesse Social (SHIS). Uma casa simples com telhado de amianto em duas águas, sem muro, piso de cera, portas e janelas simples. Ao longo de quase 50 anos veio passando por diversas mãos, na mesma família, e se deteriorando após passar quase 20 anos alugada e sem manutenção”.
A casa foi ocupada pelo arquiteto no ano passado. Inicialmente, nos fundos, e depois para ganhar mais espaço, ele decidiu se mudar para a parte da frente e transformá-la.


Com seis meses morando na casa, ele decidiu fazer os registros mesmo sem saber como falar ou se apresentar. No perfil @caza.17, Marcos começou publicando vídeos do seu jeito.
“Eu sempre gostei de postar sobre a minha casa. Desde 2020, mas sempre tive receio do que falariam, sendo que minha casa é zero ‘casa perfeita’. Desde a casa antiga eu mostrava paredes imperfeitas, mofo, mão na massa, reaproveitamento, mudanças, pinturas em meia paredes. Em resumo era uma casa simples de barraco de fundo onde eu modificava e deixava um pouco mais confortável. O sucesso chegou com a segunda casa onde comecei fazendo Reels da forma que eu pensava que seria legal de assistir. Vida real e mostrar preços. Aliás que dificuldade as pessoas têm hoje em mostrar preços, não é? ”, explica.


Marcos fala que nada disso foi planejado. Como arquiteto, ele sempre postou vídeos para dar dicas ou sugestões para seguidores. Segundo ele, o sucesso nas redes sociais era algo inimaginável ainda mais na proporção que aconteceu. Alcançou mais de 1 milhão de seguidores em menos de um ano.
“O sucesso veio pela forma de mostrar a minha casa e obra para as pessoas. Uma forma real, descontraída, política, crítica, com humor e sátiras. Eu prometi que só iria fazer vídeos para internet se eu fosse 100% eu. O Marcos cheio de problemas familiares. Cheio de caos. Cheio de tudo como todos, mas eu não mascararia nada. Então mostrei a obra dessa forma e no segundo vídeo já veio o boom”, recorda.


De forma divertida e humorada ele fala que seus vídeos são acompanhados por personalidades. “Eu não tenho mais controle dos novos seguidores, mas vários artistas adoram os vídeos da obra. Cantores, influencers me seguem como a atriz Bruna Marquezine, a cantora Joelma, o ator Bruno Gagliasso e a MC Pipokinha é minha telespectadora dos Reels. Tenho vários nas minhas redes sociais”.
Além do sucesso nas redes sociais, Marcos também é destaque na mídia e em diversos veículos de comunicação. Leia matéria: Arquiteto faz sucesso na Internet ao reformar casa que era da avó.

A casa
Sobre a reforma na casa, Marcos conta que ela estava ruim e a ideia era fazer uma reforma básica, pois não tinha dinheiro. “Tudo estava quebrado e não prestava. Do que tenho agora só restaram as telhas. Queria reformar para poder morar no espaço. Reformar o espaço não foi fácil”.

“O maior desafio foi sem dúvida como eu ia conseguir pagar pela reforma. Como sou arquiteto todo ambiente é um desafio prazeroso em ser solucionado. O desafio foi mesmo pagar a obra que antes eu achava que seria de R$ 30 mil e no final gastei R$ 56 mil, em 6 meses. Até agora não sei como eu paguei, mas eu paguei e continuarei modificando a casa”.
A casa ainda não está do jeito que Marcos quer, mas supre sua necessidade e o desejo que ele sempre sonhou. Ele ainda pretende trocar o piso que na época da reforma optou por fazer com cimento queimado. “Eu já estava falido e não tinha mais nem R$ 30 reais. Agora começaram as manutenções que toda casa tem ao longo dos anos, então já aproveito e sempre troco uma cor de parede, faço algo aqui e outro ali”.


O maior foco da reforma era o banheiro com uma área verde e livre dentro de casa. “Sempre quis ter um quintal. Ceilândia tem muita deficiência nessa questão e utilizam muita cerâmica nos espaços. Também tinha o sonho de ter uma banheira que conquistei nesse processo de reforma”.
No último mês passou a trabalhar no spa, localizado no quintal da sua casa. Com o orçamento apertado e a certeza de que gastaria bastante, em um primeiro momento, decidiu deixar o sonho de lado. Porém, com a visibilidade nas redes sociais, algumas marcas começaram a entrar em contato com o arquiteto. Uma delas, no ramo de materiais de construção, assegurou que se ele quisesse era só projetar a ideia que a empresa iria realizar o sonho dele.


Por questões de segurança, devido a exposição nas redes sociais, a casa acabou ficando muito visada. “Não fiz muitas intervenções na fachada por conta da segurança. A casa sou eu. Nem sei se um dia a reforma vai ser finalizada porque estou sempre mudando alguma coisa. Aqui sou eu, meu canto e minha vida”.
A estética da casa engloba itens rústicos, modernos, contemporâneos, antigos e, ainda, com cara de “vó”, a referência da primeira moradora da residência e também da sua outra avó, a paterna. Uma mistura que juntos é a identidade visual do jovem arquiteto.


Arquitetura
Mesmo com o sucesso nas redes sociais, parcerias com empresas e curtindo seu momento de influencer, Marcos continua com seu trabalho na área de arquitetura e urbanismo.
Para Marcos, a arquitetura é totalmente necessária. “Ela é um ato político e reflete quem somos. É com esse pensamento que eu tento me aproximar dos clientes e fazer uma arquitetura humana, viável, possível e real. Nada de sonhos exuberantes com o dinheiro do outro. Eu trabalho com a arquitetura do mundo real realizando as necessidades de cada cliente de acordo com suas expectativas e não com as minhas”.

O maior desafio para ele foi tentar se encontrar na profissão. “Eu sempre amei a arquitetura e desde a faculdade uma professora chamada Luciana Carpaneda já mostrava a arquitetura na parte social e política. Ela sempre falava que na periferia também tinha arquitetura e seria possível conseguir gerar renda. Isso me marcou, pois eu sempre quis tratar a minha profissão algo também democrático. Eu achei desafiador, pois todos os pontos do aluno recém-formado nos levam a achar que a arquitetura é CASACOR, é a vida perfeita, móveis dourados, casa limpa, tapetes caros, lustres e peças assinadas. Mas como eu Marcos da periferia de Brasília iria me encaixar nisso? Detalhe, eu não queria ser isso”.
Ele explica que diversas pessoas inspiram seu trabalho. Desde alguns professores como Hiatiane Cunha e Luciana Carpaneda até as referências fora da faculdade tais como Doma arquitetura, Mauricio Arruda, Oscar Niemeyer, Athos Bulcão, Lina Bo Bardi, Antoni Gaudí, Paulo Mendes da Rocha e Lucio Costa. “Inclusive alguns amigos arquitetos de Brasília que me inspiraram e inspiram”.

Ao lado de Kayke Magalhães, engenheiro e designer de interiores, eles têm a empresa @topeimudei que atendem todos os públicos e conseguem doar materiais de obras para as pessoas que realmente não tem acesso a uma transformação em seu lar.
“O Kayke é meu amigo, marido, sócio, companheiro e o meu maior fã das redes. Nos conhecemos pelo Instagram. Ele era um dos meus seguidores e admiradores da minha casa antiga e me seguia nas redes sociais quando eu tinha apenas 20 mil seguidores. E a vida nos uniu e cá estamos transformando nossas vidas e a vida de milhares de pessoas por meio dos nossos trabalhos. A TopeiMudei começou transformando a casa de outras pessoas, igual fazíamos nas nossas casas, só que agora de uma forma comercial. Focamos em orçamentos reduzidos, iluminação, pintura e decoração. Sem obra em um dia. Já fizemos obras em vários estados, para diversas pessoas”.
O desejo do arquiteto é trabalhar ainda mais em meios sociais, transformando espaços compartilhados e transformando a vida das pessoas com custos mais reduzidos, ou seja, impactando mais a vida de outras pessoas sem ser apenas clientes, por meio do seu trabalho em asilos, creches, locais de proteção de animais e escolas.