Reivindicado pelo Movimento Negro, sobretudo desde a década de 1970, o dia 20 de novembro é o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra (Lei 12.519/11). A data faz referência à morte do líder quilombola Zumbi dos Palmares em 1695. A cada ano a data comemorativa se consolida como referência sobre a história escravocrata do Brasil, desde o passado colonial até à falsa democracia racial vivenciada, sendo a resistência negra uma importante ferramenta de luta no último país a abolir a escravidão nas Américas.
Como elemento chave para a desconstrução de um Estado-Nação que foi alicerçado em estruturas opressoras, o Dia da Consciência Negra (re)constrói memórias, teorias e identidades que outrora foram apagadas durantes séculos de eugenia e silenciamento. Nos últimos 20 anos de Censo Demográfico do IBGE, vimos crescer o número de pessoas negras autodeclaradas no Brasil: 44,7% em 2000; 53% em 2010 e 56% atualmente. É possível afirmar que os dados têm relação em como as pessoas passaram a compreender o que são e, também, revela a diversidade das identidades negras, pois não há só uma em um país de dimensões continentais como o Brasil cuja extensão territorial se traduz em múltiplas culturas e etnias.
O Estado do Pará exemplifica esse contexto. Segundo dados de 2022, cerca de 79,7% da população se autodeclara negra. Dos 144 municípios, apenas Jacareacanga tem maioria indígena e não negra[1]. O quantitativo apresenta um outro lado que por muito tempo foi visto como ordinário: pessoas brancas são minoritárias quantitativamente na sociedade, mas ocupam os principais cargos de decisão. Pessoas brancas representam 83,8% dos magistrados da Justiça brasileira[2]. Entre os 513 deputados federais que atuam na Câmara dos Deputados, apenas 123 são pessoas negras (24%). Nunca houve uma pessoa negra na presidência do Brasil.
Para a Arquitetura e Urbanismo, os dados do primeiro relatório Gênero na Arquitetura e Urbanismo, realizado pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR) em 2020 mostram que 4% dos profissionais são autodeclarados negros e ganham abaixo da média salarial[3], é neste cenário as arquitetas negras têm maior proporção de desemprego e assédio sexual[4]. São dados que evidenciam que a desigualdade no Brasil é racial e interseccional com as dimensões de classe e gênero. O avanço para a diversidade, igualdade e inclusão de pessoas negras para além da subalternidade e exploração na sociedade só é possível a partir de reparações históricas e estruturais como a implementação de políticas públicas integradas contra o racismo explícito e velado da sociedade brasileira; bem como a construção de projeto político de país capaz de reparar as desigualdades históricas.
No âmbito da Arquitetura, iniciativas como o projeto da Rede Arquitetura de Preto, Etnicidades, Arquitetas Negras, Coletivo Quintas Pretas e tantos outros colaboram para a difusão de trabalhos com a temática racial, provocando novos paradigmas, teorias e tecnologias construtivas de grupos negros, demonstrando o vasto repertório a ser absorvido inclusive pelas grades curriculares. Além disso, pesquisas sobre arquiteturas edificadas pelos grupos étnicos, povos, comunidades tradicionais que ajudaram a fundar este país ampliam o olhar dos profissionais e, sobretudo, dos cidadãos que exercem a Arquitetura e Urbanismo, amparados por uma representação de classe atenta a essas questões e com ações voltadas para o fomento da diversidade e da inclusão.
O dia da Consciência Negra é um importante lembrete de um compromisso coletivo pela justiça social e, acima de tudo, da capacidade de luta contra as opressões que inviabilizam qualquer perspectiva de desenvolvimento e democracia plena.
Escrito por: Thales Miranda, Arquiteto e Urbanista (UFPA, 2018). Mestre em Arquitetura e Urbanismo (PPGAU/UFPA, 2020). Pesquisador do LABCAM/CNPq, URBANA/CNPq, Observatório das Metrópoles. Recebeu pela Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional (ANPUR) o XII Prêmio Brasileiro Política e Planejamento Urbano e Regional de Dissertações de Mestrado (2021). Foi Diretor de Projetos da SEMMA/PMB (2021-2023) e atualmente é doutorando do PPGAU/UFPA e conselheiro suplente do CAU/PA. Pesquisa cidades amazônicas, padrões socioespaciais, questões raciais e ambientais.
Referência Bibliográfica:
[1] Censo 2022: Pará tem maior concentração de pessoas pardas do Brasil, aponta IBGE | Pará | G1
[2] Com apenas 1,7% de juízes e juízas pretos, equidade racial segue distante na Justiça brasileira – Portal CNJ
[3] Acesse os resultados do II Censo das Arquitetas e Arquitetos e Urbanistas do Brasil | CAU/BR
[4] 15 profissionais negros que são inspiradores em arquitetura, arte, design e gastronomia
(Com informações do CAU/PA)