A responsabilidade pelo desabamento do prédio no Largo do Paissandu, em pleno centro de São Paulo, a cidade mais rica do país, tem várias origens. Uma delas é a miopia das políticas habitacionais, que apresentam dificuldades em financiar retrofits na região central. Outra é a falta participação dos organismos que fiscalizam os órgãos públicos, como o Ministério Público e os tribunais de contas, que parecem não se interessar devidamente pelo assunto.
Há ainda a falta de controle das ocupações, levando a situações como a do edifício que desabou, controlado por exploradores das misérias urbanas, em especial dos migrantes e imigrantes que, não tendo o direito à moradia assegurado, se sujeitam à exploração desses grupos.
Dizem que as tragédias nos fazem aprender lições para podermos então seguir em frente, restando aproveitar um episódio trágico como o ocorrido para buscar formas não ortodoxas de evitar repetições.
É preciso, fundamentalmente, recuperar prédios abandonados. Temos que rever a legislação para aprovar reformas, ainda centrada em parâmetros do modernismo arcaico que rege todas nossas leis de uso e ocupação do solo e códigos de obras.
O “Minha Casa, Minha Vida”, programa federal de incentivo à construção de moradias, que carregou bilhões de recursos para áreas distantes, deve ser flexibilizado e apoiar firmemente os projetos de recuperação que buscam fixar seus associados na área central, sejam eles dos municípios, dos estados ou dos movimentos sociais de moradia. É preciso valorizar a infraestrutura já existente nessas áreas para repovoá-las e revitalizá-las.
A União, os estados e os municípios devem trabalhar de forma integrada na busca de soluções flexíveis e na facilitação das aprovações de forma responsável, como era feito na Comissão de Edificações e Uso do Solo de São Paulo (Ceuso) para aprovar a destinação de recursos do Programa de Arrendamento Residencial (PAR). O PAR é uma iniciativa do Ministério das Cidades, operado pelos governos locais, que consiste na compra ou construção de imóveis pela iniciativa privada para serem arrendadas em seguida pelo Poder Público com opção de compra do imóvel ao final do período do contrato.
É preciso também distribuir recursos para reformas e disponibilizar assistência técnica e social pública. Para liberar recursos e autorizar projetos, não é possível exigir documentações que os cartórios demoram anos para emitir, ou então, elementos projeturais que não são adaptáveis a prédios e casas construídas até 1970.
O Ministério Público pode auxiliar na separação do joio do trigo, porque nem todos os que ocupam prédios na área central da cidade estão interessados na habitação. Há os que exploram pessoas sem recursos e não têm a menor preocupação com a segurança dos ocupantes.
As entidades dos arquitetos e urbanistas, dos engenheiros, dos assistentes sociais e de outros profissionais podem se unir e apresentar soluções mais razoáveis, tanto do ponto de vista da elaboração dos projetos quanto do ponto de vista da revisão necessária da legislação.
Há bons exemplos de programas habitacionais a serem seguidos sem enviar as pessoas para regiões afastadas da cidade ou de onde já moram. A favela de Paraisópolis, reurbanizada, é um deles. Os prédios, projeto do Edson Elito e associados, com comercio no térreo, são bem aproveitados pelos moradores e visitantes. Faltou terminar a parte do córrego Antonico, que as gestões seguintes optaram por não finalizar – e esse é um problema sério, o da não continuidade das políticas públicas. É preciso planejar e executar a longo prazo.
Hoje, sinto-me deprimida e com uma sensação de impotência. Tanta coisa que pode ser feita no centro para evitar tragédias como essa, mas a vontade política é nula. Não tem mágica, apenas o trabalho integrado e a vontade política podem resolver o problema.
* Elisabete França é diretora de Planejamento e Projetos na Companhia de Habitação e Desenvolvimento Urbano do Estado de São Paulo (CDHU), professora da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) e do Núcleo USP Cidades. Atua como consultora de organizações internacionais como o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e a ONU-Habitat. Foi co-curadora da exposição Favelas Upgrading, apresentada na 8ª Bienal de Arquitetura de Veneza. Atuou como superintendente e secretária-adjunta da Secretaria Municipal de Habitação de São Paulo. É autora e organizadora de mais de 20 publicações sobre Arquitetura e Urbanismo.