O que é mais factível: mudar o mundo ou mudar a cidade? A ONU comemora o resultado das Metas do Milênio, acordo firmado por 191 países no ano 2000. A redução da pobreza extrema, um dos oito objetivos para 2015, foi alcançada: mais de um bilhão de pessoas saiu da miséria (o Brasil teve bom desempenho). Para a conferência sobre o clima, que se dará em dezembro, em Paris, os países buscarão acordo específico quanto à sustentabilidade ambiental. Mas nem tudo são flores.
No Rio, diz O GLOBO, passageiros da Zona Oeste não conseguem utilizar o Bilhete Único nos ônibus para a Zona Sul dentro do prazo de duas horas e meia. No país, o Rio é a metrópole com maior porcentagem de passageiros gastando mais de duas horas no trajeto casa-trabalho. A poluição na Baía de Guanabara cria dificuldades para as provas olímpicas. Bandidos tomam conjunto do MCMV e expulsam moradores. Acidente na Avenida Brasil paralisa a cidade. Acidente no túnel paralisa…
Aos poucos, e por décadas, vamos nos acostumando a relatos assim. Mas, por trás desses relatos, há pessoas condenadas a tal tormento cotidiano, que é naturalizado como inerente à cidade grande (assim como a miséria foi naturalizada como crise do crescimento.) Não, não é o tamanho da cidade o responsável.
O Rio é uma cidade grande (mede cerca de 100km de extensão e uns 40km de largura onde moram 12 milhões de pessoas). Toda cidade grande é muito complexa e de difícil apreensão, o que anuvia seus problemas. Mas é um universo onde se estruturam tanto a vida social quanto a vida econômica contemporâneas.
A economia brasileira é suficientemente poderosa para elevar o seu sistema de cidades a patamar compatível com os tempos atuais e com a democracia que alcançamos. Também a economia fluminense tem suficiente vigor para comportar uma megacidade que corresponda às exigências contemporâneas. A população não precisaria sofrer diariamente o que sofre; de fato, o sofrimento é uma reiteração da desigualdade.
Mas não é necessário desfiar as nossas dificuldades; nós as sabemos. Contudo, é indispensável que, em as reconhecendo, busquemos superar os problemas na escala em que se apresentam. Se a ONU foi capaz de mobilizar os países para os bons resultados, é possível sonharmos com a qualificação da vida urbana brasileira.
No Rio, por exemplo, entre indicadores urbanísticos desejáveis poderíamos elencar:
1 – Redução do tempo máximo de deslocamento casa-trabalho para índices civilizados, com modos de transporte compatíveis com a metrópole (o ônibus não pode cumprir essa tarefa!).
2 – Universalização do serviço de saneamento.
3 – Despoluição da Baía de Guanabara.
4 – Toda a cidade sob proteção da Constituição. Nenhum território sob domínio da bandidagem armada.
5 – Redução da insalubridade das moradias e universalização da habitabilidade.
6 – Nenhum metro quadrado de floresta a menos; nenhum metro quadrado de cidade a mais.
Certamente, precisamos admitir que está nas pessoas a riqueza da cidade, que se constitui em patrimônio sociocultural incomensurável, todavia dilapidado no dia a dia. Tratar a cidade segundo essa premissa e na complexidade de sua escala é questão essencial.
É uma tarefa insubstituível fazer a cidade corresponder ao tempo deste século XXI. Se a ONU conseguiu estabelecer metas ambiciosas e alcançáveis, há de nos ser um estímulo. Afinal, a grande cidade, a metrópole e a megacidade são fenômenos magníficos onde os desafios democráticos não se opõem ao seu tamanho e ao desenvolvimento; ao contrário, a eles se ajustam.
O que é mais factível? Mudar o mundo? Mudar a cidade? O factível está onde a vontade coletiva se organiza e combate.
(Artigo originalmente publicado no jornal O Globo no dia 10 de outubro de 2015)
(Crédito da foto: Observatório das Metrópoles)
Publicado em 14/10/2015. Fonte: IAB