Após nove anos fechado para visitação, três deles em obras, o Museu do Ipiranga da Universidade de São Paulo (USP) reabre em comemoração ao bicentenário da Independência nesta terça-feira, dia 6, em um evento exclusivo para convidados, autoridades e patrocinadores. O Museu do Ipiranga, também conhecido como Museu da Independência, mas cujo nome oficial é Museu Paulista, recebe ainda, no dia 7, os primeiros visitantes: estudantes de escolas públicas, trabalhadores da obra e seus familiares e a partir do dia 8 público em geral. A entrada será gratuita até 06 de novembro mediante reserva antecipada pelo site do museu.
Construído às margens do riacho símbolo da história do país e aproveitando a celebração dos 200 anos da Independência do Brasil, o Museu do Ipiranga reabre com o dobro de sua área construída e o triplo de capacidade expositiva, além do Jardim Francês e de suas fontes recuperadas.
Dentro do museu, a expectativa é que o público se reconecte com o espaço que resistiu na memória afetiva de muita gente, mesmo fechado, e que retorne, não só em excursão da escola. Para isso, as mudanças vão além de uma obra convencional. O museu está totalmente acessível permitindo o acesso e uso de todos os espaços físicos e a utilização de recursos multissensoriais integrados com a tecnologia para que todos visitantes utilizem de forma compreensível.
No total, estarão disponíveis mais de 300 materiais multissensoriais, feitos para integrar pessoas com deficiências visual à experiência do museu. A ideia começou em 2007, quando o museu instalou materiais táteis para a interação com esse público, e se expandiu com a reforma. Feitos a partir de várias técnicas, os materiais se dividirão entre telas táteis, reproduções de metal e maquetes tridimensionais feitas a partir de obras. Em uma exposição sobre trabalho, por exemplo, machados e miniaturas de instrumentos agrícolas estão disponíveis para o toque. O famoso quadro Independência ou Morte também foi reproduzido de maneira tátil, separando os diferentes grupos presentes na obra. O objetivo é que as pessoas experimentem sensações como textura de carpetes, temperatura de objetos e cenas narrativas, com legendas em braile.
A expectativa é que as novas ferramentas sejam usadas também por aqueles sem nenhuma deficiência. As exposições contarão com legendas e textos em braile, para garantir uma compreensão mais completa da experiência, e piso adaptado para que a mobilidade de quem possui baixa ou nenhuma visão se dê com mais segurança.
Isso se aplica também aos recursos audiovisuais implantados, apostando na modernidade, o Museu terá disponível uma série de telas multimídias que relatam informações históricas e curiosidades de exposições e peças presentes.
A entrada do Museu do Ipiranga agora será por um prédio escavado embaixo do edifício-monumento, e que abriga bilheteria, cafeteria, livraria, auditório para 200 pessoas, espaços educativos e uma sala climatizada de 900m² para exposições temporárias. O desafio da nova instalação era não atrapalhar a visibilidade do prédio histórico, daí a alternativa subterrânea. Foram retirados 35 mil metros cúbicos de terra, o equivalente à capacidade de dois mil caminhões caçamba.
Dessa nova área o público subirá ao edifício histórico, que foi o primeiro a ser restaurado, incluindo os 7.600 metros quadrados da fachada. Toda a iluminação foi recomposta, assim como o sistema de combate a incêndios. Além disso, todas as esquadrias foram preservadas e restauradas.
A transformação teve custo total de R$ 235 milhões, entre recursos públicos e privados, incluindo o maior valor já captado entre a iniciativa privada via Lei Federal de Incentivo à Cultura, de R$ 187 milhões.
O projeto de revitalização esteve a cargo do escritório H+F Arquitetos, liderado pelos arquitetos Eduardo Ferroni e Pablo Hereñú. O trabalho deles foi o vencedor Concurso Nacional de Arquitetura para o Restauro e Modernização do Edifício-Monumento do Museu do Ipiranga promovido pela Universidade de São Paulo em 2017.
O museu reabre com um novo um projeto expográfico coordenado pela Metrópole Arquitetos, sob responsabilidade das arquitetas Ana Paula Pontes e Anna Helena Villela.
O CAU Brasil cumprimenta os arquitetos e as arquitetas das equipes que projetaram as transformações e todos os profissionais e operários envolvidos na sua execução, inclusive o restauro do acervo, bem como a direção do museu e os órgãos de preservação que contribuíram na aprovação dos projetos.
Visto de longe, o museu parece não ter mudado: uma construção majestosa em estilo neoclássico, inaugurada como monumento à Independência em um dos bairros mais antigos de São Paulo. Porém, o antigo prédio de 1895 surpreende com fachadas e interior totalmente restaurados, uma nova instalação subterrânea e museografia pensada para uma sociedade que também não parou no tempo.
ACERVO
Outro trabalho extenso envolveu o tratamento de mais de 3.000 objetos históricos e de arte, no primeiro processo simultâneo e em grande escala de restauro do acervo do Museu do Ipiranga. No total, cinco equipes – o próprio laboratório de conservação da USP e quatro grandes ateliês privados de São Paulo – foram mobilizados para a tarefa.
A grandiosa e mais famosa obra da instituição, o quadro “Independência ou Morte”, pintado por Pedro Américo em 1888, teve de ser restaurada no próprio local de exposição, com a ajuda de um andaime. Maior do que as portas e janelas do museu, o quadro de 4,15 metros por 7,60 metros nunca saiu do Salão Nobre. A pompa de “Independência ou Morte” fica ainda maior por sua moldura, de madeira revestida em ouro 24 quilates que passou por um delicado processo de restauro.
A última vez em que a tela passou por uma restauração foi na década de 1970, para os 150 anos da Independência. O processo envolveu pesquisas junto ao Instituto de Física e Química da USP, que fizeram uma análise das tintas usadas e uma varredura na tela com luz infravermelha.
Outras pinturas famosas também foram profundamente restauradas, como “A Partida da Monção” (Almeida Júnior), “Fundação de São Paulo” (Oscar Pereira da Silva) e “Fundação de São Vicente” (Benedito Calixto). O mesmo aconteceu com a maquete São Paulo, uma versão miniatura da capital paulista no ano de 1841, do holandês Henrique Bakkenist. Toda feita em gesso, ela recebeu tratos como limpeza química, nivelamento das superfícies, reparos e uma nova pintura.
Carroças revestidas de ouro, esculturas, pinturas do teto, moedas e documentos históricos também estão na lista de itens que passaram pelo restauro – dos mais extensos aos mais leves, apenas para manutenção.
Além da restauração das obras originais, a curadoria do museu também fez versões miniaturas de algumas das peças com tratamento tátil. Isso significa que, através de diferenças de relevo e texturas, pessoas com deficiência visual terão a chance de apreciar e entender as obras de arte de forma mais completa.
Textos e vídeos que acompanham o acervo também foram pensados para uma sociedade de hoje, em uma curadoria colaborativa entre professores e curadores do museu. São 12 exposições no novo museu, em um espaço ampliado de 12 para 49 salas de mostras.
Todas as exposições do também chamado Museu Paulista trazem, junto aos textos explicativos, espaços que fazem contrapontos na História. Entre eles, de temas que provocam discussões acaloradas nos dias de hoje, da relação entre indígenas e portugueses à dominação de bandeirantes ou a organização do trabalho e divisão de papéis entre homens e mulheres na sociedade.
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(Com informações do O Globo, Veja, Forbes e Folha de São Paulo)