Dia 8 de novembro foi o dia Mundial do Urbanismo, data voltada à reflexão sobre os rumos das cidades e o papel essencial dos Urbanistas na criação de ambientes mais inclusivos, sustentáveis e adaptáveis. O Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Santa Catarina (CAU/SC) aproveitou a presença do catarinense Dietmar Starke no Fórum de Arquitetura e Urbanismo de Santa Catarina e entrevistou o profissional que é um dos principais nomes da Arquitetura e Urbanismo atual.
Formado pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos do RS e com mestrado na Universidade de Artes de Berlim, Starke tem projetos de arquitetura e de arte executados na Alemanha, no Egito e no Brasil. Desenvolveu, no Rio de Janeiro, em parceria com a Fundação Bauhaus e a prefeitura, o projeto Célula Urbana, na comunidade de Jacarezinho. É vencedor do Architizer A+ Awards com o projeto no Rio de Janeiro “Naves do Conhecimento”.
Nesta entrevista, ele compartilha um olhar valioso para algumas questões sobre o que o urbanismo atual necessita, suas expectativas para o futuro e os desafios enfrentados na profissão. Com uma visão moderna, Starke destaca a importância da interdisciplinaridade, da inovação e do respeito aos saberes ancestrais para construirmos cidades que ofereçam dignidade e qualidade de vida a todos.
Acompanhe a entrevista completa e inspire-se com as ideias de um urbanista que acredita na transformação das cidades como um passo fundamental para um mundo mais justo e resiliente.
CAU/SC: O que o Urbanismo atual precisa?
Dietmar Starke: O urbanismo atual necessita de uma abordagem radicalmente mais inclusiva e sustentável, que priorize a superação da pobreza e não apenas a habitação. Políticas habitacionais como o programa Minha Casa Minha Vida, por exemplo, precisam evoluir para modelos que ofereçam verdadeira emancipação social, econômica e cultural. Projetos como o “Célula Urbana”, desenvolvidos em parceria com a Bauhaus e a Prefeitura do Rio de Janeiro, focam em transformar comunidades, como o Jacarezinho, em espaços de desenvolvimento sustentável, equipados com infraestruturas que oferecem suporte educacional, cultural e econômico. Esse modelo busca a transformação da favela em cidade, proporcionando aos moradores uma base sólida para que eles próprios possam construir um futuro digno e sustentável.
Hoje, o Rio de Janeiro se destaca como uma referência dessa visão urbana transformadora. Nos últimos anos, a cidade tem promovido uma mobilidade urbana moderna que reduz o tempo de locomoção e prioriza o transporte coletivo, beneficiando a qualidade de vida e o meio ambiente. Iniciativas como o projeto da Comunidade do Aço são exemplos de habitação sustentável, com a inclusão de parques, hortas e áreas destinadas ao desenvolvimento de atividades individuais e coletivas, potencializando a autonomia dos moradores. Esses modelos não só promovem uma cidade mais justa, mas também servem de exemplo para outras regiões que desejam desenvolver práticas urbanísticas sustentáveis e adaptáveis.
Ao mesmo tempo, precisamos abraçar a interdisciplinaridade. As mudanças climáticas já estão redefinindo a forma como as cidades precisam ser projetadas, e não podemos ignorar essas ameaças. A transdisciplinaridade entre arquitetura, ciência, biologia, tecnologia e as vozes dos povos originários deve ser o alicerce para um novo urbanismo. O exemplo do Parque Oeste no Rio de Janeiro, que adota espécies arbóreas nativas adaptadas às novas condições climáticas, mostra que já é possível criar uma arquitetura que dialoga com a natureza e respeita as limitações impostas pelo ambiente. É necessário ampliar essa visão em todas as cidades para garantir um desenvolvimento urbano adaptável e resiliente.
CAU/SC: Qual é sua expectativa para o Urbanismo nos próximos anos?
Dietmar Starke: Espero um urbanismo comprometido com a criação de cidades descentralizadas, inclusivas e resilientes. Para que essa visão se torne realidade, é fundamental que os planos diretores, estratégicos e regionais trabalhem em sinergia, alinhando a ação política com o olhar técnico e respondendo de forma integrada às necessidades urbanas. A descentralização é crucial para reduzir as emissões de CO₂ e aliviar o desgaste físico e emocional das pessoas, que muitas vezes perdem horas em mudanças diárias. Mais do que nunca, as cidades se tornam polos multifuncionais que oferecem qualidade de vida, trabalho, lazer, educação e cultura nos próprios bairros.
Esse modelo é essencial, especialmente diante das migrações forçadas por eventos climáticos intensos, aumento do nível do mar e nos próximos anos, vemos um urbanismo que consiga integrar eficazmente as ciências, as tecnologias emergentes e os conhecimentos ancestrais dos povos originários. Esses povos têm uma relação harmoniosa e sustentável com a natureza, e essa sabedoria precisa ser reconhecida e adaptada ao nosso contexto urbano, pois oferece uma visão de coexistência equilibrada que será essencial para os desafios futuros. Em tempos de crise, é vital ouvir essas vozes e adaptar nossa abordagem para proteger não só a humanidade, mas a vida do planeta.
Enfim, o urbanismo do futuro deve ser uma prática de tradição e inovação, respeitando as características locais e adaptando-se com resiliência às mudanças climáticas e sociais. É uma abordagem que exige não apenas conhecimento técnico, mas também sensibilidade cultural e comprometimento com as gerações futuras.
CAU/SC: Quais são os desafios na profissão do Urbanista?
Dietmar Starke: O principal desafio é assumir uma posição proativa e calorosa frente às crises ambientais, sociais e econômicas que estamos enfrentando. Os urbanistas além de projetar cidades bonitas ou funcionais, devem lutar por uma arquitetura que seja transformadora e emancipada, tal como vemos no projeto do Parque Oeste, da Favela do Aço e da Célula Urbana. O urbanismo precisa não apenas oferecer moradia, mas também ser uma incubadora de oportunidades econômicas e culturais, como um kibutz, onde os próprios moradores tenham espaços e apoio para desenvolver atividades que proporcionem atividades que melhorem a qualidade humana.
Outro grande desafio é a mudança de comportamento. Precisamos de uma visão global, onde as disciplinas se misturam e trabalham juntas para solucionar problemas complexos e interdependentes. A arquitetura deve evoluir e se adaptar às novas condições climáticas, com um olhar voltado para a sobrevivência e a qualidade de vida. Mas essa transformação precisa ser aprimorada pela política. Precisamos de políticas públicas que não sejam negacionistas e que incentivem a mitigação das mudanças climáticas, pois ignorá-las é colocar em risco a própria existência humana.
CAU/SC: Indicação de livro?
Dietmar Starke: Recomendo “Urbanismo Planetário” de Neil Brenner. Esse livro explora como o crescimento urbano afeta o planeta em escalas diversas e nos desafia a pensar além do desenvolvimento local para considerarmos um urbanismo verdadeiramente global. Outro livro relevante é “A Ecologia do Urbanismo” de Mohsen Mostafavi, que discute como o urbanismo pode e deve estar alinhado com a ecologia e a sustentabilidade para responder aos desafios ambientais e sociais. Essas obras apresentam reflexões profundas que incentivam o urbanista a compensar seu papel e adotar uma abordagem que equilibra ciência, criatividade e um respeito profundo pela natureza e pela humanidade.
Veja a palestra Territórios de Inovação – Projetos e Perspectivas para um Futuro Urbano Sustentável, feita no Fórum de Arquitetura e Urbanismo de Santa Catarina, no canal do CAU/SC no YouTube.
(Com informações do CAU/SC)