Aqui estou eu com o propósito de escrever uma homenagem a meu mestre na passagem do seu aniversário de 83 anos. Muitos anos se passaram desde que eu trabalhava em seu escritório e também já faz muitos anos que ele fechou o escritório de Manaus e voltou a morar no Rio de Janeiro. Quando eu era estudante, descobri uma grande paixão pela Arquitetura através das suas obras, das suas idéias e dos seus ideais. E isto criou raízes em mim.
O seu legado em Manaus está em retalhos. Mas muitas de suas grandes obras sofreram: o estádio Vivaldo Lima estava em ótimo estado e foi covardemente demolido; o belo plano para a Universidade do Amazonas está sendo descontinuado e descaracterizado; o centro de pesquisa e proteção ambiental de Balbina – para mim a sua grande obra – está em ruínas; e a sua própria casa que foi desmontada e doada ao IAB-AM foi inexplicavelmente perdida pela administração passada.
Nos últimos anos é notável o esforço acadêmico em retomar o discurso de uma arquitetura amazônica e sustentável. A obra de Severiano tem sido um tema recorrente.
É importante lembrar que ele não é nada uma pessoa acadêmica, muito pelo contrário, orgulha-se de quando era estudante ter passado mais tempo num canteiro de obras do que em sala de aula. Quando arquiteto, dedicou-se a estudar incansavelmente soluções construtivas que enriquecessem de forma técnica e cultural tanto o canteiro de obras quanto o funcionamento do edifício.
Ele é um grande construtor e um grande homem, logo um grande arquiteto.
Das inúmeras histórias que ouvi dele mesmo, uma me marcou especialmente. Quando ele chegou a Manaus, Severiano detalhava seus projetos como se fazia na época. Digo: da melhor forma que se fazia no Rio de Janeiro. A aplicação destes detalhamentos de marcenaria nos canteiros de obras em Manaus não foi bem sucedido no começo. Havia por parte dos trabalhadores falta de compreensão do projeto e irritação. Severiano foi bastante sensível ao notar que não se tratava de uma incapacidade do trabalhador, mas sim uma falha de projeto. Concluiu que a cultura local de trabalhar a madeira não estava contemplada. Segundo ele, isso afetou diretamente a auto-estima do trabalhador e consequentemente o andamento da obra. Imediatamente ele se aventurou em viagens de estudo pelo interior da Amazônia, coletando todo o tipo de informação sobre a cultura de construção cabocla e a variedade de matérias primas locais.
No seu carro – o gol branco que ele estacionava debaixo do seu quarto – tinha em destaque um adesivo do IAB com a frase “a natureza cria, o arquiteto transforma”. Discordando dela, Severiano rasurou severamente a palavra “transforma” e escreveu por cima “INTEGRA”. Ele exibia isso com uma certeza sobre o seu ofício: “o arquiteto integra”.
Manaus, 19 de fevereiro de 2013
Marcelo de Borborema Correia
Marcelo de Borborema Correia, arquiteto e urbanista natural de Manaus, estagiou no escritório de Severiano Mario Porto em 1999, formado pela Universidade do Porto, em Portugal, 2006, e especialista pela Escola da Cidade em 2010. Este artigo foi publicado originalmente no site ArchDaily.