O planejamento para o futuro é cheio de riscos e perigos. Os gregos antigos acreditavam que havia múltiplos futuros – e não um futuro predeterminado – a partir dos quais os mortais tentavam selecionar a melhor possibilidade, auxiliados pela adivinhação1. Diante disso, Horácio, nas suas Odes, nos incentiva a carpe diem, quam minimum credula póstero, em português, “aproveitar o dia, depositar pouca confiança no futuro”. Alguns séculos depois, o Rabino Johanan disse: “Desde que o templo foi destruído; a profecia foi tirada dos profetas e dada aos tolos e crianças”2.
No entanto, o Relatório Brundtland de 1987, Nosso Futuro Comum, reconhece o desenvolvimento sustentável como um “desenvolvimento que atende às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atender às suas próprias necessidades”.
David Reid questiona se é relevante falar em desenvolvimento sustentável quando não temos certeza das necessidades das gerações futuras, suas condições ecológicas, sociais e econômicas como uma “forma sustentável” e quão próximos podemos estar de tais condições. Ele insinua que precisamos considerar se seria um idealismo impreciso e não condizente com a realidade3.
Um dos dois conceitos principais foi a “ideia de limitações impostas pelo nível da tecnologia e organização social à capacidade do ambiente de atender às necessidades presentes e futuras”. Não apenas as significativas capacidades tecnológicas de hoje, mas a situação pós-coronavírus mudou as regras, incentivando múltiplas soluções e diversidades urbanas.

A grande turnê dos séculos XVII e XVIII destacou os destinos turísticos de Paris, Florença, Roma e Veneza e baseou-se na Escola Britânica de Empirismo, promulgada ao longo de dois séculos por Francis Bacon, John Locke4 e Edmund Burke. O conhecimento vem das experiências das viagens ao tocar a arte e a arquitetura das cidades e é parte essencial da educação do indivíduo. Essas experiências foram entendidas através da sensação e percepção.
Grafites ao redor do mundo declaram que “não pode haver retorno ao normal, porque o normal era o problema”. As atuais impressões negativas sobre o excesso de turismo podem ser substituídas por percepções desenvolvidas através da multiplicidade de imagens virtuais da Wikimedia e do Google StreetView, criando um ambiente mais sustentável.

Por exemplo, o complexo de templos Angkor Wat, no Camboja, foi mapeado digitalmente em 2014, permitindo que as pessoas visitem o Patrimônio Mundial do conforto de suas poltronas, usando o Google Street View. O Google tirou mais de um milhão de fotos do complexo Angkor – o resultado são 90.000 visualizações em 360 graus de mais de 100 templos. Os mapas do Google criaram experiências semelhantes para o Taj Mahal, o Grand Canyon, e o Monte Fiji.

Não visitar presencialmente o patrimônio urbano reduz nossas experiências táteis, mas abre novas e surpreendentes percepções sobre nossos ambientes. As experiências serão menos sensoriais e mais perceptivas. Essas experiências envolvem os realismos da: Realidade ® através da Realidade Aumentada (RA) e, por fim, da Realidade Virtual (RV)5.
O patrimônio urbano existente certamente se beneficiará dessa nova situação. E para o futuro? A arquitetura de hoje é o patrimônio de amanhã. A arquitetura pós-coronavírus pode ser menos global e mais sustentável no apoio às empresas locais e nas interpretações do vernáculo. Talvez possamos nos inspirar no manual dos produtores de vinho sobre clima, solo, água, luz, barris de carvalho e tempo. Podemos garantir que os ingredientes sejam da mais alta qualidade, mas a prova da qualidade estará na degustação após a maturação.
Jerusalém, 31 de julho de 2020
Notas:
1 – Kim Beerden, Futuros, volume 60, agosto de 2014, páginas 23-29 Futuros da Grécia antiga:
diminuição das incertezas por meio de adivinhação.
2 – Talmude Babilônico Baba Bathr 12b.
3 – Reid, D., Desenvolvimento Sustentável: Um Guia Introdutório, 2013.
4 – Locke John – Ensaio sobre o entendimento humano.
5 – R = o mundo ou o estado das coisas como elas realmente existem, em oposição a uma ideia idealista ou ideal.
RA = uma tecnologia que sobrepõe uma imagem gerada por computador na visão do usuário do
mundo real, fornecendo uma visão composta em que os objetos que residem no mundo real são
aprimorados por informações perceptivas geradas por computador, às vezes através de várias
modalidades sensoriais.
RV = implica uma experiência de imersão completa que desliga o mundo físico; do essencialismo ao
existencialismo.
Michael Turner
Professor Michael Turner, Encarregado de Missão da Diretoria do Centro do Patrimônio Mundial da UNESCO. Membro da cátedra UNESCO em Design e Conservação Urbana, na Academia Bezalel de Artes e Design, Jerusalém. Membro do comitê israelense do Programa de Trabalho sobre Patrimônio e Cultura da UIA.
Fonte: O artigo foi publicado no site da Rio 2020 – Capital Mundial da Arquitetura. UIA 2021 Rio – 27º Congresso Mundial de Arquitetos, em 10 de agosto de 2020.