ARTIGOS

“O incerto futuro das nossas cidades”, artigo de Luiz Fernando Janot

 

A história da civilização mostra que as cidades passaram por grandes transformações para adequar o seu território às demandas da sociedade. Com o extraordinário avanço das tecnologias digitais e dos meios de comunicação, muito se tem especulado a respeito de como será a cidade do futuro. Interessantes estudos e pesquisas têm sido realizados para tentar responder a esta indagação. Todavia, nas hipóteses levantadas sobressaem mais interrogações do que propriamente afirmações.

 

Arquiteto e urbanista Luiz Fernando Janot

 

Será que assistiremos em breve a decadência gradativa das grandes cidades, como aconteceu com os antigos distritos industriais e zonas portuárias? Ou viveremos um processo de renovação urbana baseado em conceitos de resiliência e sustentabilidade? Uma coisa é certa, não há mais lugar para a política da terra arrasada, fundamentada no paradigma do urbanismo modernista de destruir para reconstruir e que teve o seu apogeu no século passado.

 

A ideia de que no futuro as cidades deverão ser mais densas e compactas é perfeitamente compreensível e justificável por diversos aspectos. Dentre eles, destacamos a economia de escala na utilização das redes de infraestrutura urbana existentes; a proximidade e integração entre os sistemas modais de transporte coletivo; a concentração de habitação, comércio, escritórios, escolas e áreas de lazer em um ambiente urbano integrado. E, por último, uma ocupação mais intensa das ruas para favorecer o convívio social e a segurança nos espaços públicos.

 

Essa perspectiva se encaixa perfeitamente no modelo de preservação e requalificação das preexistências urbanas, desde que o seu foco esteja nos interesses maiores da sociedade. “A tarefa não é ver o que ninguém viu ainda, mas pensar o que ninguém pensou sobre algo que todos veem frequentemente no seu cotidiano”, nos orienta filósofo Schopenhauer. De fato, há milhões de brasileiros que vivem em áreas de urbanização precária, como favelas e outras formas similares de ocupação do território, que o Estado e o Brasil elitista insistem em não querer ver.

 

Consideramos que a maneira mais adequada de programar estas e outras intervenções na cidade seja a do planejamento urbano integrado, que avalia previamente as questões e em seguida estabelece os métodos para realizar as obras no curto, médio e longo prazo. No Brasil, infelizmente isso não ocorre. Os projetos para obras públicas são habitualmente decididos nos gabinetes governamentais em parcerias com grupos empresariais interessados no negócio.

 

Para que não sejamos surpreendidos por intervenções urbanas equivocadas é necessário exigir maior transparência na elaboração dos projetos e na contratação das obras públicas. Caso contrário, a sociedade continuará bancando o prejuízo de projetos mal elaborados, de licitações viciadas e dos desvios de conduta na tramitação dos processos. Exemplos não faltam para confirmar tal afirmação.

 

Vivemos, atualmente, uma conjuntura nacional extremamente delicada. A improbidade administrativa contribuiu para a desmoralização da função pública. Os princípios éticos já não inibem as relações promíscuas entre o poder público e a iniciativa privada. De resto, só nos resta uma certeza: não é esse o tipo de comportamento que desejamos para as nossas cidades do futuro. Chegou a hora de reverter definitivamente essa tendência.

 

(Artigo publicado em O Globo dia 26/08/2017)

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