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O jeitinho com prazo vencido

Estudantes ocupam universidade pelo não pagamento de bolsas. Estudantes ocupam escolas contra seu fechamento. Governo parcela pagamento dos salários e não garante o décimo-terceiro. Aumenta o desemprego e atinge 20% dos jovens. Fecha a Cosac-Naify. Mosquito invicto da dengue expande sua rede de maldades. PM chacina cinco jovens que voltavam de comemorar o primeiro salário de um deles. Sargento PM se orgulha de ter disparado 606 tiros de fuzil este ano. PIB retrocede a patamar de 2011.

Essa lista de terror é tirada de um dia do noticiário comum. E não inclui nada sobre a política brasileira nem sobre a Lava-Jato; zero sobre o rombo orçamentário; tampouco sobre o desastre de Mariana; não fala na crise hídrica nem no futebol. (Euclides da Cunha disse que o sertanejo era, antes de tudo, um forte. Hoje, teria que estender a expressão a todo brasileiro.)

É um turbilhão.

No Brasil, na velocidade em que navegam a incerteza e a insegurança, o médio prazo mede uma semana. Parece temerário tratar-se do futuro, ainda que próximo. A prudência diz que é preciso deixar a poeira baixar.

No entanto, o Brasil acelerado não é de agora. Convivemos com a emergência e com a imprevidência desde muito. O grave é deixar baixar a poeira e não equacionar o problema. É achar que o jeitinho tudo resolve. (De fato, ele é um freio ao irracional mas não é institucionalizável.)

O turbilhão pode ser criador.

Depois de 20 anos de ditadura, formamos uma democracia vigorosa. Por paradoxal que seja, foram os políticos constituintes que fortaleceram as instituições que atuam com autonomia dos políticos (para arrependimento de alguns).

Hoje, está no ponto para uma ampla reforma político-eleitoral que vença a crise de representatividade. Ela pode ser filha do atual turbilhão. Na economia, há estudos e debates consistentes; quem sabe superamos a ambiguidade?

Uma questão não enunciada, porém, é a do território.

O país chegará em breve à estabilidade demográfica; a ocupação agrícola alcançou seus limites legais; o sistema urbano pouco se alterará. Mas é incipiente a compreensão sobre a importância do território bem resolvido para o bem-estar das pessoas e para o desenvolvimento do país.

O território brasileiro precisa ser desenhado cuidadosamente. Suas áreas de aproveitamento, suas áreas a recuperar e a preservar, seus fluxos, pedem estudos espacializados e projetos coordenados para que investimentos possam existir e ser frutíferos. O compromisso na COP-21 com o clima e o planeta não pode ser retórico.

Não está claro para a sociedade e para os governos que o urbano e o econômico são interdependentes. Muitos creem que o crescimento econômico resolverá as cidades. O Brasil que adentra o século XXI é um mundo onde o crescimento econômico continuará na emergência e não se transformará em desenvolvimento se não houver a qualificação das cidades. Concordemos: qualificar as cidades é, pelo menos, melhorar os espaços públicos, garantir a mobilidade e universalizar os serviços públicos, inclusive os de saneamento e de segurança. (A desigualdade nos serviços permite territórios tomados por bandidos e vergonhosas chacinas.) Podemos chamar tal agenda por “democratização da cidade”. É nela que a potência empreendedora do brasileiro poderá melhor se expressar.

A cidade não é coisa da natureza, é da cultura. Precisa ser pensada, desenhada, cuidada, protegida.

Neste atual turbilhão passou despercebido que o governo estendeu o regime de Contratação Integrada-RDC para todas as obras públicas (contrata a empreiteira sem projeto). Considera um jeitinho para reduzir o tempo de obra. É uma falácia. Tal modelo é o dos aditivos de obras da Petrobras, de altos custos da Copa e de inúmeros canteiros do PAC com obras paradas. Ele estimula barganhas e alimenta crises. É um regime contra o planejamento. É um erro.

O país precisa de projeto, de planejamento, de reflexão. Eles constroem uma agenda positiva. O jeitinho, que tapava um buraquinho aqui e abria uma biquinha ali (e salvava um senador acolá), está com o prazo vencido.

*Sérgio Magalhães é arquiteto e Presidente Nacional do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB). 

 

Publicado em 08/12/2015. Fonte: O Globo

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