Em meio à recente tragédia do incêndio e desabamento do prédio Wilton Paes de Almeida, no Largo do Paissandu, em São Paulo, uma ocupação no Centro do Rio de Janeiro, bem próxima ao prédio da Câmara Municipal, ganha destaque. A Ocupação Manuel Congo, que completou 10 anos em 2018, é um dos poucos exemplos de como um prédio público abandonado pode ser transformado em um local de habitação popular. Antigo prédio do INSS, posteriormente transferido ao Instituto de Terras e Cartografia do Estado do Rio de Janeiro (Iterj), o edifício foi adquirido pelo Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS) e reformado com verbas do programa Minha Casa Minha Vida Entidades.
O prédio da Alcindo Guanabara, 20, abriga 42 famílias, divididas em apartamentos de quarto e sala e dois quartos. O projeto de reforma prevê ainda espaço para geração de renda aos moradores, como restaurante, salão de beleza e café, além de uma cozinha industrial, que está sendo bancada pelos integrantes do movimento de ocupação.
Viabilizar um projeto como este, contudo, exigiu uma longa trajetória de lutas, liderada pelo Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLM). Até chegarem ao prédio atual, as famílias haviam ocupado o prédio do antigo Cine Vitória e um prédio da Receita, tendo sido removidos nas duas ocasiões. De 2007 a 2014, da aquisição do prédio ao começo das obras, que contou com assistência técnica, as famílias receberam recursos do FNHIS.
“Fica parecendo que o Manuel Congo foi privilegiado, mas nada disso aconteceu sem que lutássemos 24 horas. E ainda continuamos lutando para terminar as obras. É preciso sair do isolamento. Essa proposta está inserida em um contexto mais amplo, em um movimento popular organizado

nacionalmente. Isso ajuda a criar oportunidades. Acompanhamos as leis serem criadas, lutamos por uma Emenda Constitucional que destinasse recursos para o Sistema Nacional de Habitação, mas não acreditamos que a letra da lei, por si só, tivesse valor”, afirmou a coordenadora do MNLM, Lurdes Lopes, conhecida como Lurdinha.
O coordenador da Comissão de Política Urbana do CAU/RJ, Lucas Faulhaber, também atribui o sucesso da ocupação à própria organização do movimento. “Os moradores do Manuel Congo ocuparam um prédio que não cumpria com sua função social, por uma questão emergencial: não ter onde morar. Ao longo dos anos, pressionaram o governo para que exercesse seu papel de prover condições de moradia”.
Outro ponto importante da ocupação Manuel Congo é a sua localização. “O prédio não foi escolhido ao acaso. Acreditamos que morar no Centro é bom tanto para os cofres públicos, porque o governo não precisará fazer grandes investimentos em infraestrutura e mobilidade, quanto para nós trabalhadores. Aqui estamos perto de escolas, de creches, de postos de saúde e do comércio. Tem gente para adquirir o que temos para vender, assim como nossa força de trabalho. Acreditamos na ocupação do Centro como uma política urbana que deve ser empregada na Região Metropolitana”, avaliou Lurdinha.
“O Manuel Congo no Rio, assim como outros exemplos em São Paulo, mostra que é possível recuperar esses imóveis ociosos. A requalificação desses espaços nos centros urbanos contribui para reduzir o déficit habitacional e garantir o direito à moradia. O que falta é vontade política de implantar um programa habitacional de fato”, opinou o presidente do CAU/RJ, Jeferson Salazar.
Assistência Técnica
A ocupação Manuel Congo recebeu R$ 3,8 milhões do Programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) Entidades. Diferente do MCMV tradicional, o programa é destinado a tornar a moradia acessível a famílias organizadas por meio de cooperativas habitacionais, associações e demais entidades privadas sem fins lucrativos. “É importante destacar que a assistência técnica como uma necessidade para o acompanhamento da obra foi feita por uma exigência do próprio contrato da Caixa Econômica”, afirmou o arquiteto e urbanista Augusto César Alves, ex-vice-presidente do CAU/RJ, responsável pelo projeto de requalificação do espaço nos últimos quatro anos.
Apesar de os projetos de requalificação de espaços para moradia estarem muito atrelados à assistência técnica, há dificuldades para implementá-la. “Tanto no MCMV tradicional, quanto no Entidades, 3% do orçamento é destinado ao projeto e ao trabalho do profissional que presta a assistência técnica, mas a escala dos empreendimentos é muito diferente. Além disso, os projetos do MCMV costumam ter o mesmo padrão, seja de um projeto aqui no Rio quanto em Rondônia. Já nos projetos de requalificação, é preciso atender a uma demanda real dos moradores. E eles acabam tendo dificuldades em remunerar os profissionais”, avaliou Lucas Faulhaber.
“As obras do Manuel Congo foram feitas sempre em conjunto com os moradores. Eles têm demandas e vontades próprias. Essas peculiaridades não podem ser baseadas apenas em posições técnicas. Meu papel era acompanhar a obra, as instalações e verificar que tudo estivesse dentro das normas de funcionamento”, complementou Augusto César.
Atualmente, segundo o cronograma apresentado à Caixa, 97,26% da obra está concluída. “Estamos aguardando o último repasse para cumprir algumas normas previstas no projeto que permitirão o aceite das concessionárias, como por exemplo, a aquisição de placas indicativas de acordo com as normas de segurança contra incêndio e pânico”, explicou o arquiteto e urbanista.
A fim de sensibilizar a administração pública sobre a importância da assistência técnica, pública e gratuita, para projeto e a construção de habitação de interesse social às famílias com renda mensal de até três salários mínimos, o CAU destina 2% da arrecadação para ações que promovam a aplicação da Lei de Assistência Técnica (Lei nº 11.888/2008). Em 2018, o CAU/RJ criou também a Comissão Temporária de Assistência Técnica, cujo objetivo é a efetivação da aplicação da legislação. “No Rio, não há nenhum instrumento legal que regulamente a aplicação da Lei 11.888/2008. O que temos é o Projeto de Lei Complementar nº 642/2017, que institui a assistência técnica para projeto, construção, reforma e regularização de habitação de interesse social, de autoria da vereadora Marielle Franco, mas que ainda não entrou na pauta da Câmara Municipal”, explicou Jeferson Salazar.
Fonte: CAU/RJ
9 respostas
Provavelmente e um bom exemplo.Propriedade particular dos moradores acredito ser essencial para não criar cortiço.Manutenção das áreas não particular e instalações como elevadores pode criar problemas como nos condomínios tradicionais. Com progresso to tempo problemas financeiros tentam aparecer.
Bacana… mas só uma observacao, assistencia tecnica “gratuita” nao existe ( a nao ser que arquitetos e engenheiros estejam de fato trabalhando sem receber nada), a principio de algum modo os tecnicos vao ser pagos, se nao pelos ocupantes, pelo poder publico, ou seja, pelo contribuinte.
É bom sempre lembrar isso, pq estimula a seriedade e o bom senso ao definir prioridades e custo-beneficio quando nao é “de graça”…
Muito interessante e de um grande alcance estas informações fornecidas pelo CAU ultimamente, embora atrasado. É competência do conselho a elaboração de uma cartilha com informações sobre os procedimentos para conhecimento da categoria que trabalha com arquitetura social, tais como, o passo a passo para o aproveitamento de prédios públicos fechados nos centros das grandes cidades, proporcionando invasões desordenadas por “Pseudos Movimentos Sociais”, que na realidade são oportunistas explorando uma massa de necessitados que pagam por um aluguel que não lhes traz nenhum beneficio, nem lhes dá nenhuma garantia de nada. Sugerimos que todos o Conselhos estaduais criem comissões para levantar os prédios públicos Federais, Estaduais e Municipais formando um grande Cadastro Nacional. Estas comissões poderiam ser formada por um arquiteto experiente com alunos do 6º ao 9º periódo dos cursos de arquitetura em convenio os IES locais, oferecendo um bonus aos alunos ao final do trabalho.
Otima sugestão de iniciar com o levantamento de todos os prédios públicos abandonados em todos os estados. Estou disponivel para auxiliar este trabalho em São Paulo, como uma primeira etapa de um programa mais amplo.
Muito bom!
Vamos trabalhar CAU!!!!!!
Muito bem observado, Panda
É preciso deixar bem claro para a sociedade que “assistência pública e gratuita” não é projeto grátis. O Poder Público é quem paga aos profissionais. Um bom motivo para que boa parte das verbas públicas fosse canalizada para urbanismo e projetos.
Não são raros os casos em que o Poder Pùblico procura entidades de arquitetura e acha que os arquitetos tem que fornecer projetos de graça sob o argumento que “está na lei”…
Modelo para habitação popular?! Invadem uma propriedade numa localização privilegiada, moram de graça, não pagam impostos e querem que o governo reforme tudo e lhes dê um título de propriedade, sob a argumentação que o Estado tem a obrigação de prover moradia?! Estão de sacanagem!
Moradia é direito constitucional. Portanto, para aqueles que não têm acesso ao mercado imobiliário e não se arriscam fazendo puxadinho que pode cair na cabeça – possibilidade que arquitetos e urbanistas jamais deveriam esperar dos mais pobres, é tarefa sim do Estado fornecer. Além disso, é moral e institucionalmente inaceitável que prédios públicos fiquem ociosos ou sejam literalmente abandonados à ruína. Passou pela sua cabeça que somente as pessoas bem sucedidas podem morar em localização privilegiada? Ermínia Maricato recomenda implantar projetos de habitação de interesse social em áreas em processo de supervalorização imobiliária a fim de conter a especulação perniciosa, ideia que se legitima no famoso direito à cidade, que é pra todos. Ainda, o déficit habitacional no país é gritante e a moradia se torna um dos objetivos mais legítimos quando se trata de dar um destino decente a imóveis de domínio público. Não é “sacanagem”. Tente compreender a realidade social e a função do Estado de regular e buscar a equidade no nosso contexto de país ainda muito desigual.
A assistência técnica gratuita precisa ser regulamentada em todas as capitais do Brasil. Funcionária como um sus da Habitação. Já passou da hora. Temos as instituições educacionais, temos as unidades de saúde, temos as regionais de segurança e cadê a habitação. Quando o direito à moradia digna será respeitado?