São poucas as menções aos problemas urbanos nos programas de governo dos candidatos à Presidência da República. Quando citada, a produção de moradias populares, por exemplo, praticamente não inova na proposição de modelos alternativos ao Minha Casa, Minha Vida. Além disso, tais empreendimentos seguem sendo vistos primordialmente como alavanca para a geração de empregos, sem dúvida um fator importante mas que não deve servir como justificativa para o desleixo com outros aspectos, entre eles o urbanístico e a dignidade dos moradores.
Precisamos de uma política habitacional que contemple programas diversos que considerem as especificidades regionais e de seus beneficiários. Em “Carta-Aberta aos Candidatos nas Eleições de 2018”, o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR) e o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) alertam para a necessidade de organização das cidades a partir da política habitacional, da infraestrutura e da mobilidade, defendendo a produção de moradia social em áreas onde o investimento público em equipamentos e serviços já foi consolidado e/ou viabilizado, buscando qualidade urbana.
Trata-se de um modelo oposto ao MCMV, que em inúmeros caos levou à construção de imensos conjuntos habitacionais distantes das áreas urbanizadas, condenando seus moradores à vida isolada dos locais de trabalho, das escolas, dos hospitais, as áreas de lazer e mesmo do pequeno comércio.
Uma das causas do fracasso do programa foi deixar sob responsabilidade das empreiteiras a definição dos locais e dos projetos das casas e prédios. Na falta de estoques públicos de terra na área urbanizada e sem fontes de financiamento, os Municípios ficaram reféns das decisões das construtoras que, visando potencializar seu lucro, fizeram aquisições de glebas onde o preço era menor. O que se revelou uma “bomba relógio” para as Prefeituras, que tiveram que assumir (as que puderam) os custos posteriores de implantação de transporte público, saneamento e equipamentos à população segregada.
Importante ressaltar que o Ministério das Cidades foi alijado do processo de criação do MCMV, concebido justamente pelas empreiteiras, que levaram a ideia diretamente para a Casa Civil da Presidência da República, ignorando a estratégia urbana e habitacional formulada pelo PlanHab (Plano Nacional de Habitação).
O déficit habitacional do Brasil é expressivo: seis milhões de moradias. A estatística, contudo, não leva em conta as centenas de milhares de unidades vazias ou subutilizadas existentes nos centros de nossas grandes cidades, inclusive prédios públicos. Em São Paulo seriam 400 mil metros quadrados vazios no centro expandido, que bem poderiam ser usados total ou parcialmente para programas de locação social para população de baixa renda, dando encaminhamento digno ao drama dos sem-teto.
É preciso também não se esquecer das famílias que fazem obras “por conta própria”. Segundo pesquisa Datafolha, 85% das pessoas que reformam ou constroem suas moradias no país o fazem sem o concurso de profissionais tecnicamente habilitados. Elas geram o que as lojas de materiais de construção denominam de “vendas formiguinhas”.
Parte significativa são famílias de baixa renda, justamente o público-alvo da lei 11.888/2008, que asseguraria a elas assistência técnica pública e gratuita para o projeto e a construção de habitação de interesse social (ATHIS), a partir de recursos disponibilizados pela União aos Municípios. Incluídos no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) do governo federal, os projetos de ATHIS apresentaram uma grande “taxa de mortalidade”, segundo a Secretaria Nacional de Habitação, do Ministério das Cidades. Dos 903 projetos ATHIS selecionados entre 2007 e 2013, nada menos que 730 foram cancelados, ou seja, 81%. Em valores, dos R$ 118 milhões empenhados, foram usados apenas R$ 78 milhões, o que equivale a 66%.
A falta de condições dos beneficiários para pagar mão-de-obra e materiais é o principal problema. Para atenuá-lo, o governo criou, em novembro de 2016, o Cartão Reforma, que subsidia a aquisição de materiais de construção para famílias de baixa renda, mas segundo o próprio Ministério das Cidades seus resultados estão aquém dos esperados.
O Cartão é um mero paliativo. E a ATHIS, mais do que uma lei, deveria se constituir em uma Política de Estado, em cumprimento ao direito social à moradia previsto na Constituição. Uma espécie de “SUS da Habitação”.
Fonte: Correio Braziliense